" ESCREVER É PRECISO "

domingo, 27 de dezembro de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

PESANDO A HISTÓRIA

O pensamento lógico surgiu e a escrita consagrou sua eficácia.

Entre trevas e luzes, chegamos às metrópoles sombreadas, e com a fé e a razão explicamos o  mundo.

Renascemos com o avanço da ciência e da tecnologia, reconstruindo a história no sonho da modernidade, sendo o liberalismo econômico um modelo e uma nova linguagem.

No processo da realidade há também a realização do espírito, e uma nova concepção do ser e do tempo surge, em que o Eros e o Logos se unem em harmonia.

(Agosto/2009)



ANIMAL RACIONAL


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O animal racional é sábio em sua ciência
e demente em sua desumanidade.
Sua razão está além da matéria
porque os arquétipos incorpóreos
estão em si inerentes no seu autorreconhecimento.
Em nosso forma corpórea no mundo existente
há uma memória imortal que justifica os conhecimentos
e fundamenta o apoio racional e real
da transcendência do ser.
A nossa inteligência e sensibilidade
são os meios que nos livram das ilusões
e nos encaminham para o amor.

(Setembro/2009)


POEMAS CIENTÍFICOS

INATO ( em Leibniz)


Impulsionando pela intuição escrevo algo sobre as ideias inscritas no coração, grafadas de forma bela como um princípio inato, transparente ou não claro, mas são ideias do espírito que está no intelecto e em todo o Universo que se passa pelos sentidos.


Na percepção de cada pessoa se expressa um poder interior, assim como o som ecoa e o sol tem seu calor, percebe-se, portanto, o bem, sendo inato e todos têm, podendo ser praticado combatendo todo o mal sob a ética e a moral, e assim é possível ser amado.

O mundo em que vivemos pode ser o melhor possível pois é o planeta que temos e não precisamos torná-lo horrível. Temos em nós o Entendimento mas é preciso o discernimento. Para viver em nossa Terra será preciso maior cuidado, sentir-se mais iluminado, viver a paz e não a guerra.

Os nossos princípios internos quando chegam à nossa razão trazem ideias do Eterno, da verdade, da percepção... São grandes sensibilidades com muitas possibilidades. E como substâncias que somos, nos dirigimos ao Infinito, mesmo com todo o limite, vivemos melhor quando amamos.

Além da aparência da matéria existe o espírito humano com noções e  muitas ideias sobre o Sagrado e o profano. As palavras e o conhecimento são os maiores e bons exemplos e que em nossa natureza dispomos de verdades inatas como a liberdade e a graça e o Universo com sua beleza.


(Outubro/2008)




INVESTIGAÇÃO


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1 - É a ufologia ou é a bebida que anda alucinando as pessoas?


2 - O que faz gritar: a dor ou a ausência de tudo?

3 - Será que a ferida e o sangue provam a vida, assim como o ar, a água, o fogo, a terra e o espírito provam a existência no mundo moderno?


4 - A última notícia já nasceu no princípio da Criação, ou vem pelos jornais 
escatológicos das religiões?

5 - É no sobrenatural que reside a finalidade de toda a natureza?

6 - Mesmo com todo o peso, a leveza é insustentável?

7 -  Podemos dizer que ultrapassamos com rapidez e exagero os limites éticos pela desobediência?

8 - O que ainda não vimos poderá ser visto pela sensibilidade?

9 - É na unidade que está a pluralidade?

10 - Diante de tanta complexidade é simples afirmar que o único eterno é Deus?

                           * (Poema Científico - Jonas Serafim)





POEMAS CIENTÍFICOS

ALTERIDADE





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O OUTRO É UM MISTÉRIO PARADIGMÁTICO,
ALTERIDADE QUE CAUSA ALTERAÇÃO.

NO OUTRO SE VÊ E SE ESCUTA,
ACOLHE, SENTE E COMPARTILHA.

SEM O OUTRO NÃO SE VIVE,
NÃO TEM DIÁLOGO,
E A VIDA NÃO TEM SENTIDO.
FORA DO OUTRO NÃO HÁ HUMANIZAÇÃO.

O OUTRO É DESAFIO DIALÉTICO E INQUIETAÇÃO.
É A PRIMEIRA LINGUAGEM DE IDENTIFICAÇÃO.

O OUTRO É O SER VIVO DA ESPERANÇA,
DE CONVIVÊNCIA E DE ENCANTAMENTO
QUE NÃO SE PODE MATAR.
É A RELAÇÃO NECESSÁRIA DA ÉTICA POR EXCELÊNCIA.

O OUTRO SOLICITA O SAIR DE SI MESMO
PARA O ENCONTRO FRATERNO E PARA A ESPIRITUALIDADE.

O OUTRO É UMA HIEROFANIA QUE REVELA A TOTALIDADE
E O INFINITO TRANSCENDENTE DA VIDA.

O OUTRO EXISTE, VIVE E SENTE,
LOGO, SOMOS UMA ÚNICA REALIDADE EM CONSTRUÇÃO.

O OUTRO É O PRÓXIMO
QUE ESTÁ AO LADO,
QUE INTERPELA,
QUE GERA O VERDADEIRO SABER
E QUE DÁ AUTONOMIA.

O OUTRO É O CAMINHO PARA O BEM.

(AGOSTO/2016)


terça-feira, 17 de novembro de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

O SER POR INTEIRO


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Somos um ser por inteiro
animado no corpo-espírito
um ser como um todo
complexo biopsicossocial
um simples suspiro
agindo no mundo
pura respiração
sujeito histórico
imanente-transcendente
começo, meio e fim
ponto para o infinito
inspirado e racional
ser pensante, inteligente e de coração
pessoa humana que fala e sente
que tem consciência para o bem.


Fonte: Gn 2,7; Dt 10,12; Mt 10,28; 27,50; Mc 8,36; Lc 8,55; Jo 6,63; 1Cor 14,15; 15,45; 1Ts 5, 23; Tt 1,15; Tg 2,26; Ap 19,10.


(Maio/2015)

domingo, 25 de outubro de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

A  VERDADE

O que é a verdade?
O movimento pensante
ou o movimento sensível?
Mas ambos estão separados?
Penso que não.
Movemos um para o outro 
num encontro constante infinito,
e nisto sentimos o corpo,
caminhamos para a formação do Todo Universal.
Pensamos que nunca alcançaremos a meta absoluta,
mas uma continuidade absoluta.
Nos movemos, e isto é presença viva no aqui e agora,
isto é real no tempo e no espaço, 
e tudo está na essência do ser em movimento.
Isto é verdadeiro.

(Agosto/2014)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

MATRIZ DIVINA



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No princípio era o nada (o algo)
e do nada tudo se formou.
O caos foi ordenado
e o cosmo viu a Bondade.

Do nada veio a semente,
o germe animado repirou.
O ser em essência e verdade movimentou
a existência da vida humana.

O corpo-espírito em carne viva historificado,
inculturado e da criação evoluído,
no contexto planetário no limite do Infinito,
sempre ascendente, dinâmico e pleno.

Com-sagrado desde o princípio,
antes pensado na pré-existência.
Do Incriado à pessoa humana gerada,
advinda do útero único convergente para a Matriz Divina.

(Agosto/2002) 

quinta-feira, 9 de julho de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS


NOVO INSTANTE


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Todo 

instante

morre

para

o nascimento

de um

novo

instante.


É o sentido

do significado

no diferente

significante.

(Dezembro/1998)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS


INCÓGNITA



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Quem é você
que me aparece
misteriosamente invisível?
Fenômeno, quem és?

O que é que envolve o corpo,
invade a alma,
sem consulta,
introspecta na infinitude da totalidade do meu ser.

Como é poderosa a força
humano-cósmica:
sentir o Absoluto
por sentir o Outro.

Em ti encontro
essência e existência,
sentido e direção,
liberdade e lei,
caos e cosmos.

Quem és que penetra como a luz,
Bela, ad-mirável e indizível,
inexorável Fonte
que transmite o mais puro e inesgotável Amor.

(Novembro/1997)

sexta-feira, 29 de maio de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

O  ESTADO


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Comuna primitiva
Selvageria, Barbária
Civilização e Estatização.

Estado de direito
e não de fato.
Fachada e farsa
Ocaso de um Estado
do Bem Estar Social.

Crise política demagógica
a favor da realização
com a Antiguidade.
Renasce um novo iluminismo,
ainda sobre o Positivismo-funcionalista.

Estados desunidos e distantes,
privatizados, urbanizados
em crise com o neoliberalismo.

Status quo
da privatização
do neoconservadorismo
da técnica sem ética
da Nova Era
dos sem-terra
da fria guerra
pelo mercado livre
dos desvalidos
de todo governo
sem sentido.

O futuro é o diferente
totalmente novo
e não o indiferente
totalmente morto,
onde escolher
é uma luta interior.

(Outubro/1997)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

POEMAS CIENTÍFICOS

DESMITIFIQUE



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Desmitifique!
É lei ser gente.
É urgente!
Lute em existir e viver sempre.
Busque sem limite em querer sentir,
ser ciente e ter vez.
Exigir seu "mundi", livre e simples.


Experimente , mude, pense, medite;
recuse tese de elite; 
desintimide, negue este que finge.
Edifique deferente, ressignifique, investigue, duvide, inquiete-se.
Publique firme sem Bem.
Em Deus é que reside seu Bem-Feliz.
Pregue esse viver de fé que reflete em Jesus, 
em Hindu, em Te King, em Zumbi...


Crie e recrie.
É sede que urge beber leite e mel de quietude.
Se se "fez", desse fez, 
vem um germe-semente que une e se define.
Se vive, perece e revive.
Nenhum vivente deve submeter-se em limite, fim, e subsumir.
Evite prender-se.
Liberte-se!



Espécies de Tvs bebem de um elixir ruim,
efervescente, dependente,
que pretendem defender um rei-fetiche,
esfinge que prende mentes em rede demente.


Desmitifique!
Desutilize de fuzis desse regime-estrume,
que se vende e se desentende entre seres.
Esses, subdividem entre si
e se revestem de pele humilde
e emitem sutilmente luzes deficiente
 que reduzem Ente em ninguém.


Em síntese:
Sem ver, sem ciente e sem jus,
imprime e fere.
Ergue um edifício, um dique.
Restringe, impede, submerge, perde-se, extingue.

Viste!
Em nudez, 
viste nitidez de perceber um funil que reprime.


Cientifique!
Eternize este viver de sempre viver em.
Plenifique!
Eleve!
Sê livre, sete mil vezes,
sê livre!
Libere, ensine, ilumine!


Ressuscite este Eu-existente,
inerente em si,
e revele em Ser,
que discerne e crer,
viver em plenitude.


Lembre-se: 
neste Ente que és,
um presente visível,
existe um invisível emergente
que surge independente e em devir.


Inicie em servir sem distinguir,
gente é que és, 
enfim,
semente que define em que existe,
existente, 
vive,
revive, 
resplendente.


(1994)










CIÊNCIA  E  TECNOLOGIA





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Na descoberta do meu eu descobri a ciência,
na descoberta da ciência, descobri suas ideias concretas no coletivo social,

Saí do útero materno e entrei no útero do mundo,
de olhos arregalados invadi a sociedade.

Já temos taxi-espacial pra ir a lua, mas não posso andar de ônibus.

A lógica da crise é a confirmação do capitalismo.

A realidade não é, ainda, o real.
O real é na essência o Ser digno.

A ciência ainda caminha com as doenças e sectarismos.
A ciência é o ser  humano que somos,
ainda no seu egoísmo.

Somos aniquilados e nos aniquilamos até pela omissão.
Somos desencorajados.
Precisamos mergulhar no eu e sair de si para ir ao encontro do outro
e humanizar o mundo.

A vida não é um círculo vicioso, idealista, estática, mecanicista.
É dinâmica.

Víveres! Homens!
Apressamos-nos em em libertarmos.
Acordai-vos!

Destroços humanos do desespero da ciência.
Massa oprimida!
Gênero humano, quem somos?
Para onde vai a nossa Ciência e nossa sabedoria?
Espectro de nós, ó morte!
Comove-nos no induzível, o uno convergente.

Ciência é mais que pensar,
é transformar para a humanização.

Sair da escravidão é fazer uso do sentimento e da razão,
fazer encontrar a liberdade pelo uso do saber.

A vida não é um porto seguro,
um sistema acabado, definido, 
um barco sem rumo no oceano.

No desconhecido da vida
urge a sede de beber na fonte da busca.

O mundo sem o ser humano é um mundo sem consciência,
porque no ser humano, sujeito histórico, reside a consciência do  mundo,
e aí, a humanização.

sexta-feira, 6 de março de 2015

ENDYRA




ENDYRA

 

JONAS SERAFIM DE SOUSA

 

 

 

 

 

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FORTALEZA

2015












CAPÍTULO 1 

O AR AZUL



Pairava sobre o espaço infinito um ar azul comandando uma forte ventania fria e em alguns lugares era muito congelante. Era azul porque refletia em granitos de gelo uma imagem de todo o firmamento. Este reflexo se expandia pelo imenso espaço de todo o universo.
O ar azul escondia algo que aos poucos revelava sua condição poderosa na imensidade. Enquanto a ventania circulante ondulava, ecoava um som uivante vociferando a fala que decifrava o princípio da vida. Parecia complexo, mas o ar demonstrava o hálito do cosmos.
Um nevoeiro começou a se formar em toda a atmosfera impossibilitando a visibilidade das coisas, e em pouco tempo, uma escuridão tomou conta do espaço. Na obscuridade uma fumaça desenhava a Via-Láctea, a nebulosa mancha branca na imensidade do firmamento. Era a Galáxia. Aos poucos e lentamente, pequenos pontos de luzes piscavam no grande céu escuro. Chamamos de estrelas com várias denominações. Entre as estrelas haviam poeira e gases que circulavam em forma de espiral na imensa amplitude. 
Tudo era no todo uma grande unidade.
O cenário espacial era envolvido por nuvens, astros e planetas. E entre um corpo celeste e outro em sua distância de ano-luz (300 mil km/s), via-se por alguns momentos um grande arco-íris que logo se apagava. 
Uma escuridão tomava conta da espacialidade e da imaginação.
Assim como o ar que se expandia infinitamente e sem limite de fronteira , ia também provocando tempestades constantes entre os planetas. O ar passava rapidamente ocupando o espaço aberto para a criação de imagens, transformando tudo como um arquiteto que reúne vários elementos atômicos e vai construindo células com várias dimensões de partículas, formando o espaço de um portal. Esta era a grande revelação de Deus. E como um teletransporte do espaço-tempo, via-se a possibilidade de extraterrestres, aqueles que estão além do Planeta Terra, existindo numa outra dimensão distante, podendo ser entendidos numa comunicação advindo pela grande massa de ar primitiva e originária do fôlego vital. 
Todo o campo aéreo pertencente à imensidade serviu e serve como caminho explicativo que trilha para a criação de toda a natureza.
Assim pairava o ar sobre tudo. 
Tudo isso não passava de um estado de êxtase em que se encontrava Endyra.
Ela estava reclinada ao pé de uma árvore para descansar um pouco. Seu pensamento ia longe e sua imaginação invadia o espaço enquanto olhava fixamente para um ponto perdido no ar azul. Além do horizonte havia escondido o crepúsculo que parecia guardar o sol por trás da noite que ocupava a mente contemplativa da pequena menina Endyra. Seu olhar extasiado descrevia todo o cenário panorâmico de um universo velado e em processo de revelação. A sensação desse momento expressava uma expectativa impetuosa, algo causado pelo ímpeto do ar que tocava todo o corpo e tudo que envolvia todo o ambiente.
Não é fácil descrever alguns minutos de um arrebatamento íntimo, cheio de encanto e admiração, como um fenômeno místico na mente de uma nativa, e procurar entender a correspondência de um sentimento profundo sobrenatural e associar à realidade do nosso mundo empírico.
Absolvida em uma dimensão de elevação e de forma estática, assim, parecia parar o tempo. Na verdade, o tempo e a pessoa não estão e nem são realidades separadas. Ambos formam uma realidade única com dimensões distintas. Na dimensão do tempo acompanha o que não se pode contar apenas por um relógio ou por um calendário. É como acompanhar o ar espalhado no espaço ao longo do universo desde o princípio. Na dimensão da pessoa a realidade é visível na forma corporal, determinado pelas condições da carne, medido pela biologia e demais ciências que tentam provar convicções como verdades no mundo físico. De fato, somos da terra e para ela retornamos. Contudo, a realidade não é só terra.
O ar que respiramos não é o mesmo de bilhões de anos de existência? Assim também, são com os demais elementos da natureza. Desta forma percebemos a dimensão metafísica que encontramos em nosso pensamento. Portanto, não é à toa que Endyra se encontrava numa situação transcendental.
A transcendentalidade é uma realidade que possibilita a unidade da pessoa-tempo compreender a grandeza de sua dimensão humanitária perante  a tudo e a todos. Transcender significa também alcançar o grau máximo de solidariedade com o seu semelhante, com toda a natureza e com o Criador.
Ah! Desculpe. Esqueci de apresentar Endyra. Trata-se de uma menina de 15 anos, nativa das terras brasileiras que se encontrava refugiada na floresta amazônica para se defender da violência urbana . Seus pais  a chamavam de Endy, por que significa "luminosidade", ou a "iluminada". Seu nome completo Endyra é de origem indígena e quer dizer "irmã da mulher" ou simplesmente "mulher". A feminina que se completa com o masculino, e vice-versa, tal qual à figura oriental do yin-yang.
O lugar em que se encontrava, numa floresta, tinha um propósito. Tinha a intenção de sobrevivência, inclusive por encontrar com facilidade plantas medicinais.
Endyra era uma garota esperta e muito inteligente. Guardava consigo uma missão que aos poucos ia descobrindo por conta própria. Achava-se desabrigada por força das circunstâncias de uma situação que o destino ou por sua escolha lhe preparou. Talvez fosse uma escolha de sua própria vida ainda não consciente para seguir sua história como queria que acontecesse.
Diante desta menina pensativa e em êxtase, declinada ao pé de uma árvore, no centro da floresta amazônica, fixada com o olhar no céu escuro, se encontrava um sinal como uma marca registrada de uma história real a se revelar.
No meio daquela floresta a intuição de Endyra ficou ainda mais aguçada. Ela se sentia uma aventureira, mas era muito disciplinada.
O vento soprava forte o bastante a ponto de balançar a árvore em que estava encostada. Sendo destemida e determinada, sentia-se mais resistente e nada abalava suas estruturas. Parecia até que seus pés se uniam às raízes da árvore. Estavam unidas e convergentes com a natureza.
Como boa ouvinte procurava escutar o menor ruído que vinha de longe . Estudava cada movimento percebido aos sentidos. Sua percepção era como o vento que tocava tudo e voltava como um bumerangue refletindo em si uma transmissão de cuidado e respeito.
A natureza  escrevia para Endyra assim como uma troca de comunicação que existia entre ambas. Em seu nome próprio já estava inscrito uma finalidade: O prefixo "End", que em inglês quer dizer "fim", junto com o sufixo "Yra" (ira), pode representar o fim da ira. Pode traduzir o fim de muitas coisas que as pessoas gostariam que não existissem como: a violência, a cobiça, a corrupção, o egoísmo, o roubo, a criminalidade, as guerras, a fome, a miséria, a injustiça social... O irônico nisto tudo é que estes contravalores são provocados pelas próprias pessoas.

A  SEMENTE  DO  BEM

Em cada um jaz a semente do bem desde o princípio. Assim pensava Endyra. Como o vento que sopra onde quer, desta forma caminhava a pequena latina de cabelos e olhos claros. A natureza lhe foi favorável ao seu corpo. Tinha um aspecto físico normal.
O vento soprava para a menina tudo que tinha entre as folhas, desde o cheiro até o alimento das árvores. Nesta ventania impetuosa entendia também a mensagem da natureza que ensinava o caminho a seguir. Era um anúncio de um novo tempo, claro, bem mais tranquilo.
O abrigo de Endyra era a floresta. Qualquer temporal iria atormentar tudo que respirava no ambiente de toda a mata.
Desta forma era a experiência e a vivência com o ar que vinha do espaço universal e penetrava os pulmões e veias, oxigenando a vida. Assim o ar podia ser sentido de maneira suave ou agressiva.
Qualquer lembrança que viesse à tona acerca de Endyra só podia acontecer no pensamento dela própria. Não havia como saber ou descobrir algo desta refugiada florestal senão por ela mesma. Suas lembranças estavam guardadas na memória. Aos poucos ia lembrando e refilmando algumas imagens do passado. Talvez uma das coisas que inspirasse Endyra a pensar em novas ideias fosse o fato de sentir o ar soprando em seu rosto com o aroma das flores. Este fenômeno elevava a condição da menina ao sobrenatural, uma vez que o ar se expandia em todo o firmamento azul. Desta maneira pensava a Vida com o ar celestial como um design inteligente do início da Criação no princípio do Paraíso.
A natureza é mãe sábia que ensina o que é viver a vida. Nesta sintonia natural Endyra aperfeiçoava sua qualidade de observadora. Observava tudo minuciosamente. Esta era uma forma de aprender a se defender de possíveis ataques que a própria natureza tem preparado por sua conta ou por provocação humana.
Ainda em êxtase tomada pelo fenômeno natural de uma admiração cósmica, o tempo parecia não passar. A realidade da cidade já parecia não existir mais na consciência de Endyra. Era como se estivesse adormecida por uma alucinação arrebatadora. Assim como um vento devastador que destrói e despovoa, parecia que naquela floresta havia sido feito uma limpeza do ponto de vista da consciência extática de Endyra.
Algo parecia muito diferente na mente adolescente da menina-mulher iluminada e isto servia de alerta, até  porque ela era muito esperta e ágil diante das circunstâncias inovadoras. Ela mesma inovava o pensamento com o poder próprio sintonizando-se com a natureza.
As emoções que o momento e o ambiente proporcionavam aumentavam mais ainda o sentimento emotivo da citadina quase exurbana. E como uma nuvem que circundava toda floresta, envolvia também o corpo frio junto com folhas aquecedoras em torno de Endy.
A respiração do ar nebuloso provocava uma sonolência inconsciente a ponto de deixar qualquer pessoa incomunicável com o mundo consciente. O mundo racional de Endyra era muito forte e marcante em sua forma de pensar, falar e agir. Sua racionalidade era extremamente explorada na personalidade que desenvolvia cada vez mais a madurada no campo físico e metafísico de ver o mundo. O poder de pensamento que desenvolvia era capaz de mexer com os objetos ao seu redor com distância de até cinquenta metros. A sensação de qualquer corpo estranho com esta distância era avisada aos seus sentidos e logo era expurgado para um afastamento involuntário. O poder de comunicação com a natureza era tremendo.
Sendo comunicativa e autoconfiante, Endyra era uma pessoa versátil. Sabia entrar e sair em qualquer situação. Alguém podia até se enganar por esta maneira de ser assim, mas o engano era ilusório, pois, como o vento que oscila no espaço e dinamiza a vida, também, Endyra era dinâmica, livre e independente para resolver suas decisões. Era decidida! Decidiu viver na Amazônia no meio da floresta refugiando-se das agressões da cidade...
Centrada pelo sentimento não racional, retirava-se de si por uma força interior, frágil pelo impulso, contudo, mais fortificada pela sua autenticidade, assumia um autocontrole que lhe encorajava diante de qualquer medo. Próximo à natureza como uma liga conectada e em rede de comunicação, como uma teia entrelaçada, sentia-se conduzida ou ela mesma conduzia em seu pensamento o sentimento de fé inflamado em todo o seu ser. Com o pensamento esvoaçante levando até aonde não queria, encontrava-se com a visão colorida do espaço infinito.
Pensativa e distante da realidade trivial do cotidiano citadino, concentrada involuntariamente no campo florestal, submersa no inconsciente da dimensão transcendental, Endyra também controlava uma certa vontade de ficar como estava e com desinteresse de retornar à consciência. Era como um Nirvana, sem sofrimento e sem dor, tudo repleto de paz.
Centrada em si, como característica sua perante seus sentimentos, realçava a paciência que tinha herdado dos pais através dos ensinamentos domésticos, aproveitando a oportunidade iluminadora para o aperfeiçoamento do poder humano.
Perseverante na vontade de viver e na defesa de sua originalidade, Endyra encontrava coragem para continuar a caminhada que levou até a floresta, e no itinerário do seu objetivo, entendia assim, a missão que vinha pela frente e tinha que seguir.
O momento nos traz um incômodo que parece não ter fim. Imagine o que sentia Endyra nas circunstâncias do indizível. O desconhecido causava-lhe medo. É como a morte. Ninguém sabe como é além da vida no espaço que respiramos. Além do ar existe algo mais...
A esperança simbolizava um aspecto vital na extasiante florestal exilada da industrialização. Estava além da poluição, mas com as consequências da mesma.
Por sua ousadia iniciou um caminho sem volta, mas semeado com a bondade, porque carregava no seu coração esta bondade, assim como o ar que respirava. Pela pessoa bondosa e compreensiva que era, assim aumentava a sua Aura generosa e honesta. A verdadeira menina continuava em sua essência com a verdade como princípio de conhecimento. Foi pela ousadia que escolheu o novo caminho a seguir. Mas, foi acima de tudo, pela espiritualidade que encontrou força para vivenciar  e entender todo o processo de sua transformação e que estava conduzindo para um novo nascimento.

A  VISÃO  ENDYRANIANA

Na visão endyraniana o mundo é um só no todo dinâmico e em evolução. Este modo de ver e sentir o mundo permite compreender melhor a realidade em sua totalidade. Tudo é convergente no universo. Neste sentido a união é a forma de ser melhor na Criação, nas diferenças e na humanização. Este processo evolutivo conduz a realidade concreta unindo-se à dimensão da transmaterialização. O que é matéria é também espírito. Sendo o gênero humano corpo-espírito desde o princípio. Tudo estando ligado a tudo. E na interioridade de cada um existe um universo imensurável.
A vida de Endyra agora era outra. O que aconteceu em seu ser integral foi uma metamorfose. A exemplo do casulo, seu próprio corpo encostado no tronco de uma árvore no centro da floresta amazônica, no percurso da noite, no isolamento da vida agitada, neste clímax místico, a realidade voltou ao mito. Endyra agora era um mito. O mito de Endyra era voltar à realidade. Realidade esta que está em conexão com todo universo.
Como será que um mito volta a realidade, uma vez que a realidade criou o mito?
As religiões e as ciências de um modo geral surgiram a partir dos mitos. A filosofia explicou como conhecer o pensamento humano e a teologia aprofundou este conhecimento racional considerando a dimensão do Transcendente.
Enquanto estas inquietações argumentativas passavam pelo pensamento de Endyra, ao mesmo tempo suas veias iam borbulhando sangue novo pelo ar floral que respirava. Em seu hálito saía um novo sopro de vida. Suas pupilas agitavam para ambos os lados sob as pálpebras cerradas. O ar velava o tempo todo o corpo inerte misturando pele e caule. Tudo estava enraizado no mesmo metabolismo. Havia uma química mística. Uma alquimia. A ideia de casas era concebida entre corpo e espaço. Durante o momento que acontecia este transe acrisolado em seu casulo corporal, escorria uma lágrima pelo rosto angelical. Algo estava sendo revelado.
Aos poucos, ao redor das árvores, todo o chão começou a desabrochar flores azuis ininterruptamente.
A flor azul traz consigo um significado do êxtase de Endyra e com ela acompanha o sonho e a utopia que tem em vida para realizar; os mistérios que tem no sentimento e que, às vezes, ficam perdidos no universo infinito. Caracteriza sua infinitude diante do limite da materialidade finita. Simboliza a personalidade poética e mística demonstrando firmeza e confiança na busca do que procura. É realista na compreensão da utopia, do imaginário e do sobrenatural.
O ar azul que Endyra vislumbrou ao longo da noite flutuando em seu pensamento pelo universo foi lentamente cedendo espaço para os primeiros raios claros do crepúsculo. Tudo o que havia acontecido em pensamento serviu como um novo despertar para a missão que emergia no itinerário das prioridades de uma causa nobre.
Qual seria o desafio de Endyra agora?
Depois que enumerei várias qualidades caracterizando o perfil da iluminada mulher adolescente, preciso dizer também que existem alguns desafios criteriosos para que Endyra entendesse um pouco o sentido da sua missão. Primeiro era preciso que a ação desta protagonista superasse a força impulsiva que existia consigo. Em muitas ocasiões sua impulsividade atrapalharia sua vida. O impulso impediria um ato racional consciente a seu favor. Depois, o jeito precipitado de ser não deveria acontecer diante das decisões que fosse tomar. Ser precipitada era o mesmo que ser imatura, inconsequente e prejudicial a si e aos outros. Por último, a indecisão era algo que iria acontecer em muitas situações durante o percurso da vida. Contudo, ser indecisa poderia causar um dano letal.
Portanto, havia três desafios para o combate pessoal, embora houvesse muitas qualidades no comportamento de Endyra. Então, o confronto em ser impulsiva, precipitada e indecisa, contradizia a realidade se deixasse conduzir por estes contravalores que em sua natureza precisava ser trabalhado.
Apesar de tudo, as inúmeras qualidades encobriam as falhas. A gente costuma pensar que um mal encobre muitos atos do bem. Não é verdade. No ser em si existe uma realidade integral. Convivemos com o bem e o mal. Temos que fazer as nossas escolhas. Não somos separados de nada. Tudo está interligado. Contudo, precisamos fazer nossas escolhas para seguir o caminho que temos na vida para vivenciar. 
A noite findou. O dia surgiu com os raios penetrantes entre as árvores e infiltravam nos poros com o calor inspirado pelas narinas. O sol emitia uma luz entre as sombras escondendo a lua. O ar revigorava sua força com o fogo diurno. Endyra começou a abrir as pálpebras com dificuldade. Via a imagem embaçada como penumbra. Despertava de uma noite que parecia eterna. Foi apenas uma noite no refúgio da floresta amazônica com os sentidos arrebatados entre os ares do espaço atmosférico. Ao acordar um pouco atordoada, exclamou: Meu Deus!







CAPÍTULO 2

O FOGO AMARELO





Endyra acordou como um fogo aceso numa fogueira. E era exatamente isto que estava acontecendo. Alguns nativos estavam celebrando um ritual matinal ao redor de uma fogueira, às margens de um rio, esperando os primeiros raios do sol.
A conversa entre os nativos dava para escutar. Um deles contava uma história curiosa do tempo das antigas tribos. Um pouco desta narração pode ser lembrada. O assunto era sobre o fogo. Enquanto a lenha queimava e aquecia o ambiente, muito mais quente ia ficando a curiosidade. O contador de história era um guerreiro, segurava uma vara de pau e gesticulava ao explicar as palavras.
Em um determinado momento o gesto do narrador se dirigia para o sol. Fixava a vara de sua mão em direção ao sol e dizia algumas palavras no ritmo de um canto na língua original da antiga tribo.

A  HISTÓRIA  DO  FOGO

Eis um pouco da história do fogo: Conta um mito que o sol era uma divindade e que havia criado tudo que existe. Mas no princípio de tudo não era bem o sol existente e criador. Sua existência passou a ser posteriormente, criado pela força maior do Deus onipotente. O sol passou a ser cultuado como uma divindade por todas as tribos do mundo antigo. O sol era o símbolo sagrado desenhado em quase todas as rochas como o sinal mais importante da vida em geral no reino dos deuses. Os antepassados pensavam que através do sol se encontrava o sentido da vida, a resposta do universo e a justiça por meio do culto em sua reverência. O sol era venerado do amanhecer ao anoitecer. Havia até um exército do sol. Em cada organização tribal existiam grupos que se reuniam para realizar treinamentos de guerra em combate a qualquer inimigo e em defesa do sol. Todas as tribos eram consagradas ao deus sol. As fogueiras serviam para fazer uma defumação até o céu para homenagear o astro rei. Na organização das tribos havia um Xamã que ministrava todo o ritual da fogueira. Quando ocorria qualquer escurecimento no céu pensava-se em um juízo apocalíptico. Assim era a imagem concebida pelos nativos acerca do sol.
Este corpo celeste de luz e energia que era compreendido como causa primeira da vida e como marca do tempo na história humana, delimitava também a sua própria existência.
Assim como o sol brilha permanente no céu, os nativos compreendiam através da fogueira o brilho aquecedor próximo do corpo e do coração que sente o amor no convivo humano.
Às vezes, em muitos rituais, algumas tribos armavam tendas e passavam dias rememorando suas histórias em volta de uma fogueira. Um dos ensinamentos que se repassavam na tradição era que não se devia deitar com alguma ira contra o seu semelhante, uma vez que o sol era para todos. Outros ensinamentos eram transmitidos de pai para filho, de mãe para filha, desde o uso do fogo para cozer os alimentos, fundir metais, até a cremação de cadáveres. Muitos exemplos eram citados a este respeito.
O fogo e o ar estão ligados um com o outro. O ar conduz o fogo. Ou o fogo busca o ar para seguir sua própria chama. O fogo representado na fogueira sinaliza um caminho que orienta o Xamã. Ambos sintonizam uma frequência ondular conectados com o universo. Muitos acreditavam que esta sintonia ocorria quando acontecia um relâmpago ou raio.
A presença de um relâmpago no céu sobre a floresta representava a força divina escrevendo sua mensagem para a terra. Era também uma espécie de aviso ou de alerta. Servia para as tribos se orientarem e perceberem com mais cuidado como agir com a natureza.

O  MITO  DO  SOL

De acordo com o mito do sol contado pelos nativos, o sol é a luz compreendida como primeira mensagem escrita no firmamento. Em seguida vem as estrelas, a lua e todos os astros celestes. A simples palavra "luz" servia de senha para saudação, apresentação, dedicação e nascimento.
A luminosidade de Endyra se expandia com as histórias do Xamã em torno da fogueira. O mundo industrializado apagou as mentes ofuscando com as lâmpadas elétricas e com a linguagem televisionada.
O útero escuro parece esclarecer e clarear a mente do feto. E ao nascer para a claridade do mundo parece que tudo fica escuro e confuso na mente humana. Até parece existir dois reinos: um da luz e outro das trevas. É neste mundo entre a escuridão e a luz que os antepassados ensinaram as grandes revelações por meio de suas visões. De certo modo o mundo sempre tem os dois lados: o claro e o escuro. Apesar de todo dualismo, como o de corpo e espírito, a verdade é que a realidade é uma unidade dual, como mostra o símbolo do yin-yang.
Evidentemente , nossos olhos e todo corpo sensitivo transmitem a interioridade escondida em cada um.
Mesmo à luz do dia, ao longe no céu azul, "fixada" num ponto celeste, estava a lua distante e solitária sendo admirada pelos olhos de Endyra enquanto escutava as histórias nativas e aquecidas pelo calor da fogueira, unindo toda a natureza num clima mitológico.

O  MITO

O mito não é uma mentira. É uma história que conta uma realidade originária significativa com o sentido da verdade. Esta narrativa tem este significado. Não está perdida na sombra. Está na claridade da luz do sol amarelo.
A consciência  de Endyra já estava de volta ao normal. Não se sentia mais em êxtase. Tudo era compreendido com perfeita nitidez. Contudo, a situação entre Endyra e os nativos era de total desconhecimento. Somente Endyra sabia o que estava acontecendo entre as duas realidades. De repente!... Uma planta carnívora começou a enrolar na perna de Endyra e com as folhas abertas tentava envolvê-la como um alimento dos deuses. Sem conseguir mexer direito as pernas e emudecida, esforçando-se para não gritar, tentava desenraizar-se da árvores que aos poucos devorava. Do chão úmido e atapetado pelas folhagens amarronzadas pelo tempo se estendia várias raízes e cipós que se dirigiam ao corpo-alimento de Endyra. Uma luta silenciosa travada entre vegetal e animal ocorria no encosto de uma grande árvore semelhante ao baobá onde Endyra havia encontrado acolhimento. O momento da luta sufocante humano-vegetal parecia eterno.
Depois de um tempo de luta no tronco da árvore, Endyra ouviu o som de um mantra que vinha dos nativos em sua direção. Na frente caminhava o Xamã com grande cajado sustentando uma carranca que expulsava os maus espíritos.
O dia já estava claro. O confronto entre Endyra e os nativos estava encaminhando numa luta misteriosa entre o bem e o mal. Com o som do mantra, aos poucos as raízes, os cipós e as folhas que envolviam o corpo de Endyra iam se soltando e declinando pela terra mansamente. O momento era mágico. E na magia do desfecho que chamei de luta e confronto, agora começava um encontro de novas descobertas. Não era confronto para guerra e extermínio, nem para dominação. Era confronto de realidades desconhecidas em um encontro para um momento novo.

O  XAMÃ

O Xamã se aproximou suavemente no ritmo do mantra. Olhou no fundo dos olhos de Endyra ao mesmo tempo que a encorajada menina fixava também nos olhos do aborígene. Todos os autóctones fixavam na menina encostada à árvore.
Já em liberdade da fúria das folhas carnívoras, Endyra deu um passo em direção ao cajado de Xamã e tentou tocar na carranca que lhe fazia ficar desnorteada. Como se nada fosse acontecer, Endyra agia pelo impulso e de forma precipitada. Sua atitude foi barrada imediatamente pelos nativos. Logo o Xamã impôs sua mão esticada sobre o corpo de Endyra. Ela ficou intacta e amedrontada. Mas disse que precisava ficar por ali por causa da inovação inimiga que atacava a vida no campo da batalha urbana. Sem entender direito o que foi dito, o Xamã perguntou quem eram esses inimigos.
Na realidade da cidade havia vários inimigos, tanto no contexto local e para além do lugar. Uma vez que a vida urbana se estendia numa mobilidade social, comercial, consumista, em produção econômica muito intensa. Sua política também se articulava sob a lógica de uma ideologia que penetrava em todas as culturas por meio da televisão, da internet, celulares, e por outros meios semelhantes disseminando cada vez mais o individualismo e a indiferença uns contra os outros.
Por outro lado, existe uma verdadeira sustentação psicológica que faz manter o estado de dominação consagrado pelas religiões de um modo geral. É como a crença de cada um que é defendida com unhas e dentes até a morte sob pau e pedra num fechamento total e cego sem querer atender as mudanças de quem fica indignado com as corrupções.
Tais pessoas ou grupos inteiros vivem mergulhados como monstros consagrados ao imutável sob o prisma de suas doutrinas como ópio que anestesia de uma realidade gritante, onde um pequeno grupo elitista domina sutilmente como novelas que ofuscam a realidade da fome e da miséria...
Endyra tentava explicar aos nativos a sua realidade urbana. Após uma longa conversa, o Xamã resolveu convidá-la para a sua aldeia. O dia já estava adiantado e o sol se aproximava da hora do almoço. O grupo todo começou a caminhar em direção de uma vereda até chegar a aldeia. Chegando ao povoado Endyra lembrou de algumas vilas por onde andou. Mas nada era semelhante àquela realidade.
Depois da refeição todos se reuniram em círculo e compartilharam de uma conversa variada enquanto era servido um chá digestivo. Era um momento de descontração e de divertimento. Alguns contavam pequenas anedotas que serviam até de ensinamentos. Era também um momento de fantasia que inebriava a todos num leve sono após a refeição. E assim todos adormeceram nas redes ou nas esteiras soníferas da aldeia nativa.
À tarde todo o povoado se ocupava com suas atividades pessoais, artísticas e artesanais. Durante este tempo Endyra ficou observando e conversando com o Xamã. Entre uma história e outra havia sempre lendas fantasiosas dos ancestrais das tribos que diziam ter convivido com ursos, lobos, dragões, unicórnios e até cavalo alado. Eram animais falantes que se comunicavam com as tribos para avisar quando algum perigo estava para acontecer.

A  NOITE

Ao cair da tarde, o sol se perdia por trás da floresta. A noite começava.
Endyra lembrava das comidas que serviram como refeição principal do dia. A gastronomia apresentada para todos se alimentarem era recheada de frutas, verduras, raízes, batata, mandioca, castanha, peixe, tapioca, tanajura, aluá, entre outras iguarias...
A noite se estendia ao som das corujas e com pirilampos que piscavam entre os mosquitos que perturbavam a pele de Endyra em busca de seu precioso sangue.
Durante as hora noturnas o tempo era mágico. Endyra se encolhia numa rede junto com os nativos dentro da oca. Um frio vegetal exalava um odor da mata florestal. O cheiro tomava conta do ar que servia a todos como oferenda dos deuses. Era anestésico. O sono profundo atingia a todos inebriando as mentes sem depender de mais nada para acontecer, a não ser os sonhos que realimentava o espírito da tribo.
No meio da noite Endyra sentiu um forte impulso em sua rede que a fez acordar e ficar estática. Por um instante tudo parecia parado e silencioso. Apenas o calor do corpo junto com o ar que respirava movia sua atenção. Fechou-se em seu cobertor e continuou respirando para aquecer-se em seu casulo de algodão. Enquanto pensava imaginando o que poderia acontecer consigo. O silêncio sepulcral invadia a cabana nativa. O momento era sinistro na mete da menina. Todos dormiam. Apenas a forasteira se sentia acrisolada e encasulada como uma borboleta presa sem poder voar.
A noite parecia longa e infindável. O que se ouvia distante era o sopro do vento nas folhas das árvores. Além disso, dava para escutar um batido seco de um som estranho. O silêncio era maior que a noite. Um mistério crescia na imaginação de Endyra. O tempo estava parado. O batido seco e estranho se tornou um fantasma imaginário. Endyra encorajou-se com determinação e olhou fora da rede o que se passava. Todos dormiam como anjos. Apenas uma telha pendurada na coluna de uma estaca rebatia algumas vezes cintilando um reflexo do desenho pintado com sangue e ferrugem. Era uma figura de uma máscara antiga de um dos antepassados da tribo.
Era o fim da madrugada. A manhã despontava ainda no escuro. Os primeiros raios do sol estavam pintando o ocaso por trás das árvores. Distante dava pra ver o amanhecer clareando o dia. Era o onipotente sol amarelo abrilhantando o dia.

O  DIA

De fato o dia amanheceu e todos da tribo se dirigiam à saída da cabana. Caminhavam pelo campo arenoso até chegar numa trilha entre as matas. É claro que Endyra ia acompanhando. Não queria ficar sozinha sem saber o motivo dessa caminhada. 
Ao longo do caminho Endyra percebia que ninguém falava, exceto o Xamã que ia na frente com seu cajado. E só falava em sua língua de origem algumas frases em tom musical. O restante do grupo repetia em coro.

O  RITUAL

Quando chegaram à margem do rio todos continuaram caminhando até a água alcançar a altura do tórax. Endyra viu que os nativos admiravam o sol durante um tempo orante e místico. Era um ritual do alvorecer que a tribo conservava há muito tempo. A jovem neófita itinerante estava envolvida com a magia do momento.
O ritual nas águas do rio sob o sol matinal encerrou com um banho coletivo. Nisto incluíram Endyra na tribo com um batismo simbólico mergulhando-a nas águas mágicas do rio amazônico.
O reflexo do sol cuidou de enxugar a todos. O caminho de volta à cabana causou curiosidade na peregrina menina da cidade. Um dos guerreiros da tribo que andava próximo de Endyra, chegou perto e começou a observar melhor dos pés à cabeça como a procura de algo nas vestes de uma adolescente. Este chegando a tocar em si mesmo fez questão de apresentar-se gesticulando seu nome: "Raoni". Disse seu nome sem muita formalidade. Endyra logo entendeu pela fonética que seu nome era Raoni.
Antes que continuassem uma conversa intercultural, Araci, irmã de Raoni foi repentinamente explicando:
_ Raoni quer dizer "grande guerreiro".
_ Meu nome é Araci e significa "mãe do dia".
Daí pra frente Endyra ficou conversando com Raoni e Araci que lhes explicaram sobre muitas  dúvidas que havia no pensamento da novata que fugira da cidade.
Uma das questões que Araci queria saber era por que Endyra estava ali. Mas Endyra não se importava muito pela novidade que acontecia em sua vida. Na realidade o dia ensolarado trazia um novo mundo na visão desta citadina no campo nativo em que se encontrava.
Depois de muita conversa no caminho à cabana e no decorrer de vários dias, Endyra, Araci e Raoni fizeram uma grande amizade e provavelmente uma descoberta.
A cada dia de sol e noites de lua, Endyra se via envolvida na tribo aprendendo os costumes e os ensinamentos dos novos familiares.
Era fim de verão quando Endyra, Raoni e Araci resolveram fazer um acampamento distante da tribo. Combinaram sair por um final de semana com a autorização do Xamã. Conseguiram convencer o líder espiritual a fazer o que desejavam.
No dia seguinte  partiram os três com suas bagagens nas costas rumo a uma montanha conhecida pelos antepassados como a montanha dos ventos uivantes. Andaram durante um dia e uma noite até chegar às margens desta montanha.
Uma chuva torrencial caía como se os deuses jogassem com baldes sobre a terra. Raios, relâmpagos e trovões orquestravam a noite alagante.
Ao pé da montanha se encontravam três jovens que buscavam um recanto para se protegerem. O inesperado aconteceu até para os jovens nativos naquele momento. Os três caíram num buraco que conduziram até a abertura da montanha. E em tudo que acontecia parecia que o universo guiava o destino de Endyra.






CAPÍTULO 3 

 A ÁGUA  VERDE



A água da chuva transmitia o significado da sua existência. Sua origem é também o princípio da vida. Dela surgiram os rios e o imenso oceano. A água é a fonte da vida. Existimos por causa da água. Sem ela não existiria vida. O universo tem em seu princípio as moléculas H2O. A terra não seria o que é se não fosse a água, pois,no conjunto dos elementos naturais, a água conduz a energia necessária para vitalizar e animar o espírito que paira em todos nós.
Sob a montanha, no fundo de uma grande caverna, se encontrava os três aventureiros e desbravadores em busca do inesperado. Ali estavam Endyra, Araci e Raoni. O trio da caverna desconhecida. Estavam todos olhando um para o outro desconfiados e sem saber o que fazer de imediato. O tempo estava frio, apesar de ser no fundo de uma caverna, debaixo de uma grande montanha. Por ali passava uma corrente de ar frio e servia estranhamente para energizar os corpos dos jovens molhados da chuva.
A água da chuva ainda caía pelo buraco por onde passaram os nativos. Podemos considerar agora os garotos como nativos. Embora Endyra sendo da cidade, suas características já estavam assimiladas no corpo e na mente. Assim como a água que passava para dentro da caverna e que inundava a montanha e adjacências, também no corpo humano dos sobreviventes corria o sangue energizado pelo campo energético da caverna.
O campo energético compreendido na mente de Endyra era como uma força de novo saber. Mas que saber era esse? Ninguém daquela região havia vivenciado esta experiência. Os nativos entendiam a montanha como um lugar sagrado. O tempo e o ser, no contexto interno da caverna se encontravam no mesmo espaço energético que alimentava a força dos jovens e deixavam enxutos da chuva.
A água da chuva possibilitou ainda mais a formação energizante da caverna e dos viventes que ali se encontravam. Perceberam que na parte mais baixa, no salão da caverna aonde estavam, ficou acumulado uma quantidade de água esverdeada. A água verde lembrava o grande oceano em sua dimensão assemelhada a um espelho que refletia o firmamento. E o espaço infinito emitia pela fenda da caverna a luz necessária para a vida.
 Por um instante, Endyra pensou num poço dos desejos. Explico melhor. Em uma de suas lembranças cavernosas, uma delas era a de um jardim visto nos sonhos. Entre os seus sonhos e a realidade há uma linha tênue que liga o corpo com o espaço. Neste conjunto de ideias, Endyra pensou o que havia no jardim dos seus sonhos. Era um poço dos desejos. Neste poço ela jogava uma pedra e pensava em algo que queria que acontecesse. E de fato acontecia. Pelo menos no sonho. E de algum modo, muitas coisas tinham acontecido com Endyra com base neste desejo. Pronto! Foi assim. Endyra pegou uma pedra e jogou na poça de água verde. A água entrou em ebulição, começou a borbulhar e uma fumaça verde tomou conta do ambiente.
Depois de alguns minutos, os raios solares refletiam pela fenda da caverna e clareava o grande salão cavernoso. Os jovens aventureiros se sentiam enigmáticos pelo ocorrido. Mas não estavam esverdeados, como poderia ser pensado assim. No entanto, um fluxo de água corria por uma trilha como guia condutora para os visitantes. Era a água acumulada da chuva no meio do salão. Mas não era a mesma água. Assim como os jovens filosoficamente já não eram mais os mesmos. Havia ocorrido uma transformação aquática. 
Endyra seguia atrás de Araci e Raoni, indo pelo riacho dialeticamente modificado. A água que escorria no estreito leito natural era viva e dinâmica. O riacho e os jovens seguiam paralelamente como uma simbiose energizante. Algo renovante já estava sendo vivenciado entre os sobreviventes o ambiente. Não era um novo habitat, mas tudo estava no conjunto da imensa montanha.
Assim como a água do riacho era renovada no percurso do seu leito, também a vida dos jovens passava por uma transformação dialética.

UM PLANO NA CAVERNA

Após algum tempo percorrido ao lado do riacho verde, Endyra sentiu sede e cansaço. Os três decidiram parar um pouco para descansar. Pegaram o cantil e beberam água. Conversaram sobre um plano que deveria traçar para explorar a caverna. A luz do sol já não era suficiente para clarear o interior enfurnado da montanha.
Por fora, a montanha estava exposta e majestosa. Vista por quem admirava a natureza em seu horizonte crepuscular. O tamanho expressava a onipotência latente do imenso território amazônico.
Os exploradores da caverna não pensaram que iriam entrar nessa novidade montanhosa. Contudo, pararam para pensar e elaborar om plano tendo como objetivo a sobrevivência. Sobreviver sim, mas no clima de convivência mútua e de solidariedade entre os três. O companheirismo deveria ser constante. Nada de isolamento ou de decisão precipitada. Tudo tinha que ser resolvido em comum acordo entre os três.
O plano era o seguinte, conforme uma longa conversa. Primeiro, deveria seguir o riacho percebendo com cuidado os riscos e as oportunidades para a sobrevivência do grupo. Segundo, respeitar o habitat natural da caverna, sabendo que todo ser vivo precisa se alimentar e cuidar das necessidades básicas para viver cada dia. Terceiro, ousar sem temer para proteger e fortalecer o grupo no sentido de encontrar uma saída rumo à luz do sol. Não era um plano difícil. Mas precisava de ousadia para continuar a caminhada.
A noite chegou na cavidade da montanha. Só havia as lanternas que cada um trazia na mochila e um isqueiro que Endyra possuía para as emergências necessárias. Resolveram usar apenas uma lanterna para ajudar enquanto se acomodavam para dormir no percurso escuro da noite.
A primeira noite na caverna era de expectativa. Mas foi rápida e sem surpresa. A noite passou. O riacho reluzia fragmentos de luzes microscópicas como um prisma que transmitia da fenda, no alto do salão, por onde caíram os nativos. Eram os primeiros reflexos matinais do ocaso. Aos poucos, um a um, começava a perceber os raios cintilantes na água que corria ao lado onde passaram a noite. Quando entreolharam, viram por alguns minutos em seus olhos a cor verde refletido do riacho. Mas não era só isso. O que cada um sentia era muito maior e mais potente no sentido da compreensão natural, como se algo dissesse o que fazer adiante rumo ao interior da caverna.
Eis que uma luz refletia no fundo da caverna, como se a luz do sol invadisse a água que corria no leito do riacho. O plano dos jovens nativos estava interligado com o poço dos desejos e o riacho como uma energia inteligente que orientava o caminho a seguir.
Depois de caminhar um longo percurso paralelo ao riacho de água verde, os três nativos tropeçaram sobre pedras de seixos e crânios humanos. Todos caíram bolando sobres crânios. Surpresos e amedrontados ficaram inertes sobre os seixos. Perceberam que próximo do riacho havia uma passagem estreita e atraente. Atraídos pela curiosidade que a caverna oferecia, seguiram impulsivamente pela passagem que também corria o riacho.
Ao passar para o outro lado da rocha, viram a convergência do riacho que mergulhava para o fundo abissal do imenso fosso da caverna sob a grande montanha.
O dia já havia passado sem perceber que o sol existia, embora o reflexo reluzente transmitisse claridade sobre o riacho. A noite tomou conta do lugar misterioso. Endyra ligou a lanterna sobre o chão profundo que engolia a água verde insaciavelmente.
Araci e Raoni sugeriu que improvisasse uma pequena fogueira, mas não havia gravetos. Resolveram deixar uma lanterna acesa. O cansaço inebriou de sono os três aventureiros. Mais uma noite passou.
O espaço escuro da caverna começou a piscar de um lado e do outro. Era os vaga-lumes seguindo seu ritmo natural. O momento chegou a ser encantado e de admiração. Pareciam estrelas pequenas flutuante a nosso alcance. Aos poucos, foram se juntando e formando uma imagem como um holograma que indicava um código sobre o caminho a seguir. Passou um bom tempo no espaço escuro iluminado pelos pirilampos. De repente, uma corrente de ar soprava com força as pequenas criaturas conduzindo-as para longe dos nativos.
A noite passou sob o encanto mágico dos vaga-lumes. o cenário agora era de um abismo que precisava ser atravessado sobre uma rocha estreita até o outro lado. Abaixo só havia o vazio que recebia a água verde do riacho. Os jovens precisavam assumir com cuidado a travessia. Endyra jogou uma pedra no fundo do abismo e pouco tempo depois surgiu de baixo uma nuvem escura em movimento emergindo para a cratera. Era uma revoada de morcegos em desespero para o alto da montanha.
O momento foi amedrontador. Em alguns minutos tudo estava calmo. Todos tranquilos e sempre alertos. A claridade retornou ao habitat nativo. Raoni decidiu seguir na frente para enfrentar primeiro o estreito de rocha úmida. Em fila indiana começaram a travessia. Não havia outro lugar para passar. Assim fizeram a caminhada.
Ao chegar no outro lado do chão, pisaram em cima de larvas vivas que se mexiam e se espalhavam como água. Endyra expressava nojo em cada pisada. Sobre o teto alto da caverna voavam aves de várias cores. Vinham de uma gruta que ficava quatro metros acima do solo. A vista sobre a gruta era surpreendente e misteriosa. Talvez fosse ali um meio para encontrar algo que revelasse o sentido da existência da caverna. Mas como saber sobre a gruta? O jeito era escalar e entrar.
Tentaram de várias maneiras subir até a gruta. Escalaram com dificuldade e alcançaram a sua entrada. Era uma fresta que permitia a passagem de uma pessoa inclinada. Entraram e deram de cara para um imenso rio. Era o Solimões. Do ponto onde estavam para o rio era uma distância de alguns metros. Havia matos cobrindo a passagem até as águas. Mas o que importava era a descoberta das águas que iriam conduzir de volta a tribo.
O dia chegava ao fim. A noite começava. Araci sugeriu para passar a noite acomodados em um canto da gruta até amanhecer. Assim fizeram. Durante a noite contemplaram a lua que iluminava a madrugada. Ouviram cantos de coruja e grilos a noite toda. Bofetearam com tapas os incômodos mosquitos. Sentiram o som das águas do velho Solimões. A situação era enigmática. Tudo fluía como a natureza queria sob a força da correnteza do grande e profundo rio.

QUEBRA  DE  REGRAS

Amanheceu. Acordaram com a pele fria e úmida por causa da brisa e das águas do Solimões. Araci começou a questionar sobre as regras da tribo. Pensava em voltar pela caverna e não seguir pelo rio Solimões. Raoni perguntou a Endyra sobre estas regras. Endyra já havia quebrado todas as regras com a cidade. Agora seguia a intuição da natureza. Comentou sobre o momento de quebrar as regras sem ferir a natureza. A quebra de regras seria uma forma de escolher um caminho para alcançar o objetivo do plano pensando em conjunto. A escolha de um caminho significava a opção livre reservado na missão de Endyra, talvez de Raoni e Araci.
Após uma discussão sobre regras, escolhas e missão, chegaram a conclusão de seguir o caminho pelas margens do Solimões. Seguiram a trilha entre o mato e a água. Iam aonde o caminho direcionava. Não tinham um mapa para indicar a meta ou lugar que deveriam chegar. Andaram o dia inteiro sob a luz solar e um céu nublado. O tempo estava favorável para os caminheiros do inesperado.
Raoni ia na frente abrindo caminho com um facão e um cajado. A mochila que cada um carregava nas costas pesava cada vez mais ao longo da caminhada. O dia chegava ao fim. O horizonte estava avermelhado pelo sol que refletia no Solimões. O chão em que pisavam estava muito molhado e repleto de sapos. Entraram num pântano. A lama escondia os pés dos andarilhos que itineravam em busca de uma saída que orientasse a caminhada. Ai! Gritou Raoni. Caiu sobre o pântano ensopado de lama. Araci e Endyra correram para socorrê-lo. Araci chegou primeiro e balbuciou algumas palavras em sua língua nativa. Não deu para ser compreendido por Endyra. Mas ao perguntar, Araci explicou que era uma prece aos deuses pedindo um livramento. As duas acolheram Raoni e sobre o colo de Araci o jovem Raoni tremia de febre. A lama servia para aliviar a febre e ao mesmo tempo, dela veio um objeto pontiagudo que perfurou o calcanhar de Raoni. Araci descobriu que era um espinho venenoso. Nada que ela não resolvesse. Ali mesmo, pegou uma folha da planta espinhenta, mastigou um pouco e passou sobre o ferimento.
Uma canoa seguia vagarosamente no Solimões com um índio pescador. Endyra gritou por socorro, pedindo ajuda. Araci tomou a frente e se dirigiu ao conterrâneo. Falaram em sua própria língua e se uniram na canoa. Raoni ainda tremia de febre. O barco deslizava pelo rio como uma folha levando formigas...
Chegaram à tribo dos Manáos. Era uma tribo que sobrevivia na região que hoje é chamada de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Seu nome significa na língua nativa, "Mãe de Deus".
Ao chegar na tribo dos Manáos perceberam que o pé de Raoni estava coberto de sangue. Entraram na taba e se alojaram na oca do pajé. O xamã se aproximou e fez uma defumação e uma oração ao Grande Espírito. Pegou umas ervas e amassou junto com outras substâncias. Passou no ferimento de Raoni e disse que descansasse. De manhã estaria curado.
Amanheceu e a tribo acordava para os afazeres matinais. Os homens iam pescar e caçar ou colher frutas. As mulheres cuidavam das crianças. Raoni acordou saudável. Junto com Araci e Endyra resolveram seguir os nativos na caçada. Houve um pouco de resistência em permiti-los caçar. Mas foram aceitos. Saíram para a caçada e a pesca rumo a uma lagoa próximo da tribo.
 A lagoa era escura e farta de peixe. Diz a lenda da tribo que no passado havia monstros nas profundezas dessa lagoa que devoravam os peixes. Ao passar dos anos não havia mais peixes para o alimento do monstro da lagoa. Dessa forma a fera não resistiu a fome e morreu. Daí em diante novos peixes proliferaram a lagoa e até hoje é farta.
Alguns pescaram, outros caçaram e mais outros colheram frutos saborosos. A manhã foi útil para o serviço que garantia o sustento da tribo.
Chegaram à taba e reuniram em círculo para a partilha dos alimentos. Endyra se admirava da forma como os nativos se organizavam. No território circular da taba havia um campo de areia no centro que servia para reunir e unir os membros da tribo. Era o núcleo de espaço social dos nativos. Depois da partilha, o xamã chamou Raoni e perguntou pelo ferimento. Olhou, apalpou e garantiu que estava curado. Raoni agradeceu e se dirigiu ao encontro de Endyra que contemplava uma ponte no alto de um monte. A vista era admirável. O lugar contagiava o sentimento. A ansiedade de chegar até a ponte para atravessar e explorar o outro lado era inevitável.
Raoni indagou Endyra negativamente achando que não devia cobiçar o lugar que avistava. Podia ser perigoso. Era reservado aos guerreiros da tribo que se reuniam lá quando havia um combate iminente. Certo dia houve uma guerra entre a tribo e alguns estrangeiros. Os guerreiros correram pela ponte e de lá criaram as estratégias para a guerra. O cacique da época comandou sua equipe e venceu os invasores. Dizem que não precisaram usar arcos e flechas. Mas ninguém sabe como venceram o combate. O mistério continua até hoje. O lugar ficou consagrado para a tribo, permitindo o uso somente em época de guerra, para que os guerreiros sigam pela ponte.
 Endyra ficou mais curiosa e queria agora chegar até o local que a ponte indicava. Nesse momento o xamã estava já se aproximando e ponderou sobre o que estavam avistando. E quando ouviram os conselhos do líder espiritual sentiram-se no dever de recuar da ideia de aventurar sobre a ponte. Mas não disseram que não iriam subir até a ponte. Apesar de tudo, recolheram para dentro da oca para degustar de uma iguaria nativa.
A ideia de seguir pela ponte ficou martelando na cabeça de Endyra. Isto levou o dia e a noite e até nos sonhos da menina que pairava numa rede indígena. Sua vida havia mudado como da água para o vinho. Adormeceu com aquela imagem da ponte e dos monstros da lagoa. Sonhou quando saiu da cidade monstruosa para a Amazônia como se passasse por uma ponte que transforma os transeuntes. E em seus sonhos, via-se no princípio desta história no imenso espaço infinito de ar azul. Tudo refletia na mente da jovem que escondia os segredos mais profundos dos seus desejos. E aí estava a sua força e o seu poder.
A noite foi longa. Os sonhos intensos. A tribo dormia. A lua pastorava a selva. Cada minuto e cada hora parecia uma eternidade. Uma chuva começou respingando lentamente. O frio aumentou. O tempo mudou assim como muda a mente das pessoas. Ou as pessoas mudam assim como a natureza altera o seu percurso. De repente os raios e trovões orquestravam a escuridão. O toró tomou conta da situação.
Depois de uma longa noite de sonhos e chuva, o dia raiou. E assim passaram os dias de sol e as noites de lua...
Os meses passaram sem perceber o cotidiano tribal. Uma coisa era certa. A convivência serviu para ensinar muito sobre a partilha e a fraternidade. A vida nativa ensinava o que a cidade destruía. Agora Endyra estava mais inserida na sociedade tribal do que na vida da cidade. Seu mundo era outro. Não mais o mundo urbano. Os ensinamentos convividos na Amazônia levava Endyra a pensar nos seus belos poemas. Um deles dizia assim:

Quando alguém diz que não tem mais fé,
é porque nunca teve fé em sua essência.
Quando alguém diz que não tem mais esperança,
é porque nunca teve esperança em sua essência.
Quando alguém diz que não tem mais amor,
é porque nunca teve amor em sua essência,
Contudo, jaz inerente no ser humano 
a semente do Bem e do Mal.
Cabe escolher o caminho a seguir.  






CAPÍTULO 4 

A  TERRA  MARROM



DOIS  ANOS  DEPOIS

O tempo passou assim como o vento passa a cada instante em nosso rosto. Quando menos esperamos já estamos crescidos. Somos como um fruto que aos poucos vai amadurecendo. Não importa a idade. Amadurecemos até chegarmos ao limite da vida. E depois disso continuamos como a semente ressurge na terra e se transforma. Transformamos a nós mesmos quando permitimos aceitar o outro sem preconceitos e também quando não interferimos na natureza. Só assim possibilitando uma boa convivência. Talvez isto tenha sido o estilo de Endyra.
A passagem pela caverna ajudou os nativos a descobrirem um mundo novo e quiçá uma realidade bem próxima à da que viviam, mas era mantido em segredo. A gruta dentro da caverna era apenas um meio de passagem como um portal para uma nova descoberta. Tudo isto era também um confronto diante do que chamamos de desconhecido. Depois que atravessaram a gruta, sentiram a necessidade de entender onde estavam pisando. Não era outro mundo, é óbvio. Mas o contexto não era o mesmo.
 A terra em que estavam pisando era um lugar diferente porque os nativos conviviam em fraternidade. Todos tinham tudo em comum. Não era uma terra com um proprietário. Mas não era desgovernada. Não existia latifundiário. A terra era para todos. De acordo com a tribo, a terra é para viver, morar, povoar, cuidar, plantar, colher e sepultar. Somos terra desde a origem, com uma identidade de ser pó e ao pó retornar.
Numa manhã ensolarada de domingo, o cacique reuniu todos os guerreiros para um treinamento de combate. Era parte de um ritual das armas. Cada guerreiro tinha que acertar com sua flecha o alvo preparado pelo cacique. Aquele que errasse devia deitar na terra e ficar rolando até o outro guerreiro acertar o alvo. Parecia brincadeira, mas não era. Isto servia como disciplina e obediência ao cacique. A obediência era a forma de manter o equilíbrio e a força para vencer uma guerra. Assim era compreendido desde os curumins.
À tardinha todos os homens, mulheres e crianças, se reuniram no centro da taba em forma circular para uma conversa do conselheiro pajé. O sol estava por trás das árvores mais altas e o clima estava favorável para uma reunião no campo de areia. Durante umas duas horas conversaram sobre os ensinamentos dos ancestrais, repassando assim o modo de vida de pais para filhos.
Endyra ouvia com dedicação e guardava tudo no coração. Mas algo inquietava. Era aquela velha ponte que os guerreiros iam no momento estratégico das guerras. Algumas indagações transitavam no pensamento da menina toda vez que olhava para a ponte dos guerreiros. Foi num desses questionamentos que levou-a convencer Raoni e Araci para atravessar a ponte. Araci resistiu, mas Raoni se interessou. A maioria venceu. Então combinaram dar uma fugida e aventurar.
Durante a noite, como haviam combinado, os três foram até a ponte. Cada um com a sua lanterna. Ao chegar na passagem inicial da ponte de madeira e corda, pararam e pensaram um pouco. Araci ponderou sobre a continuação dessa aventura. Em segundos, Raoni começou a andar sobre as madeiras. Em seguida foi também Endyra. Araci passou por último.
Ao chegar do outro lado da ponte não enxergaram nada. Os três iluminaram com as lanternas o ambiente coberto de mato. Viram as armas dos guerreiros. Além disso, encontraram pedras brilhantes amontoadas dentro de um velho baú de madeira. Quando abriram o baú, o reflexo das pedras ofuscou os seus olhos. Por um tempo ficaram sem avistar direito o que tinha pela frente. Resolveram fechar o baú e assim recuperaram a visão. Vasculharam ainda mais debaixo dos matos e encontraram uma máscara.
A máscara era uma carranca mágica que ao usar no rosto emitia disparos contra o alvo pensado pelo usuário. Raoni descobriu o efeito do objeto pela curiosidade imediatista. Descobriu, pegou e usou. Logo o efeito começou a ser acionado. Desesperado arrancou abruptamente do rosto a máscara mágica e explosiva. Araci gritou dizendo para voltar para a tribo. Endyra concordou e Raoni se uniu a ideia do retorno. Às vezes é melhor obedecer que aventurar.
A noite continuou sem mais nenhuma curiosidade. Apesar de tudo, as pedras brilhantes do baú ficaram como como algo sagrado e, portanto, intocáveis.
O dia começou na tribo com uma reunião coordenada pelo cacique. Era um dia importante. O momento serviu para agrupar todos que viviam na taba. O assunto que provocava esta reunião tratava de uma viagem que levaria alguns representantes das tribos amazônicos para um grande encontro anual. Em forma circular estavam todos os membros da tribo. O cacique andava pelo centro do círculo humano enquanto explicava sobre este evento. Lembrava dos antepassados que se reuniam para tratar dos assuntos gerais que serviam como diretrizes para a boa convivência na Amazônia.
Quando todos se inteiraram do assunto, uma equipe ficou para organizar e escolher os participantes da viagem. Endyra reivindicou o direito de participar deste encontro conjuntamente com Araci e Raoni. Houve alguns questionamentos sobre esta questão e uma pequena discussão por ser um encontro só entre nativos. Raoni fez uma intervenção observando a enculturação de Endyra no  meio deles. Também lembrou da decisão dela que resolveu conviver na Amazônia. Araci asseverou tudo que Raoni tinha dito.

A  VIAGEM

No dia seguinte estava tudo resolvido e pronto para a partida rio abaixo. Endyra, Raoni e Araci iam juntos com os representantes da tribo para o grande encontro. A viagem duraria o dia inteiro em grandes barcos sobre o Solimões. Tiveram que passar pelos rios Negro e Madeira para se unirem com mais outras embarcações. A fileira de barcos navegava ao som de uma cantoria entoada por nativos com diversos dialetos. Uns começavam um coro e outros respondiam com um refrão. Seguindo pelo Solimões foram até o rio Xingu. Neste ponto da viagem avistaram um pequeno navio com alguns turistas que não paravam de fotografar. Os barcos passaram adiante e seguiram o seu rumo.
A viagem a barco para Endyra era como a sua passagem da cidade para a selva. A floresta escondia a novidade que aguçava a imaginação de qualquer um. Viajar para alguns seria como uma decisão para viver num mundo novo. Esta era a realidade para Endyra. Os nativos viajavam para repensar as suas vidas entre as tribos amazônicas. Endyra viajava no seu tempo presente para ser livre longe da cidade, e talvez, da forma como era o contexto de cidadania.
Durante a viagem pelo rio Xingu aconteceu um fato surpreendente. Alguns jacarés saíram da margem e nadaram em direção das embarcações. Ao perceberem os animais, começaram a cantar em forma de um coral no ritmo dos remos em conjunto. Uma orquestra aquática e vocálica provocava um código enigmático aos sentidos dos jacarés. Era como um ritual de viagem sob as águas, tal qual a carranca que ostentava na proa. Antes de concluir a cantoria já não havia mais jacarés próximos às embarcações.
O dia chegava ao fim. A noite abria espaço para pensar na chegada ao lugar para o grande encontro. Aos poucos, cada barco encostava à margem do rio para o desembarque. Havia uma ponte de madeira para atender os barcos maiores. Algumas canoas remadas por poucos guerreiros chegavam primeiro e logo se dirigiam para a trilha iluminada por tochas ao longo do caminho. O lugar estava animado por cânticos e instrumentos nativos pela tribo local. O momento era místico.
Depois que todos desembarcaram e caminharam pela trilha com tochas, um velho sábio e cego recebia cada um com uma saudação de paz. O sábio era conhecido por todas as tribos e aconselhava os caciques e pajés. Sua sabedoria era lembrada pelos mais velhos e até os mais novos admiravam pelo que ouviam a seu respeito. Quando saudou Endyra logo percebeu que não era uma nativa. Contudo, fez a mesma saudação e acolheu com palavras proféticas.
Uma profecia foi dita pelo sábio indígena à Endyra. Disse que nenhum fantasma iria incomodar em sua vida e que havia um segredo que dependeria dela ser revelado.
Em um determinado momento o pajé anfitrião falou bem alto para que todos ouvissem com atenção sobre o que estava falando.O silêncio tomou conta em forma disciplinar. Todos estavam em um grande círculo e de maneira ouvinte. Disse o pajé algumas normas para iniciar o grande encontro. Que cada tribo deveria se alojar nas ocas demarcada e já identificadas por uma marca sinalizada e organizada em grupo por cada pajé.
Após a falação do pajé, cada grupo se dirigiu para a sua oca e ficou combinado para iniciar as tarefas pela manhã do dia seguinte, com a formação de um grande círculo no campo de areia à céu aberto. Foi assim a chegada das tribos. Para Endyra era o começo de uma viagem.
O encontro aconteceu durante três dias com reflexões, discussões, ações, cantos e estratégias. Cada dia parecia surgir novas descobertas, tanto para as tribos como para Endyra. Às noites havia diversões entre as tribos e dinâmicas educativas para adultos e para as crianças. No último dia do encontro os xamãs celebraram de forma simbólica usando os elementos da natureza: um grupo representou o ar soprando em tubos de cor azul e pronunciando o som do ar. Outro grupo representou o fogo usando as tochas e com os braços cobertos com tecido amarelo bradavam a palavra fogo em sua língua nativa. O grupo da água representou com vasilhas verdes cheias de água jogando na areia e cantando em coro a palavra água. Por fim, o último grupo pegou a terra e uniu a uma tinta marrom. Neste momento todos se uniram cantando um hino dedicada a terra.
 O clima festivo contagiou a todos. Agora era a hora do retorno. A partida de volta para casa expressava euforia e saudade. Endyra demonstrava uma alegria compartilhada entre abraços e saudações. Raoni e Araci se alegravam com Endyra e com os outros compatriotas. A fraternidade estava estampada nas fisionomias de todos. O momento era de felicidade e paz. Era mais que uma experiência de um encontro. Era uma convivência compartilhada na memória e na prática nativa.
De volta a rotina da tribo, o pajé orientou para os representantes do encontro que descansassem e no dia seguinte seria repassado o resultado dos fatos vivenciados, e assim, compartilhados no cotidiano da tribo.
Endyra amanheceu num dia da semana conversando com um visitante que havia chegado do encontro das tribos e iriam passar alguns dias acampado na oca do xamã. Seu propósito era repassar algumas visões proféticas ao outro xamã. Tratava de um vidente que sempre revelava às tribos algumas orientações que serviam para o equilíbrio da natureza. O vidente mantinha uma conversa empática com Endyra. Neste momento chegava Raoni e Araci para saber sobre a longa conversa entre os dois. O vidente logo esclareceu brincando de assombração e com uma careta para os curiosos. Endyra queria descobrir algo novo com o vidente. Foi em vão. Enquanto conversavam também andavam lentamente ao redor da taba, próximo à floresta. De repente, um grito. Um susto interrompeu a conversa com o visitante visionário.
Todos que ouviram o grito correram em direção ao eco de onde surgiu. Era o nascimento de um novo curumim. Era o momento de comemorar a vida. O xamã acompanhou o pai com recém-nascido e elevou para o alto fazendo uma oração. As mulheres acompanharam todo o processo do nascimento, e este empenho é conduzido durante a formação dos pequenos em toda a tribo. O que se ouviu num grito, agora havia se transformado num choro. Do choro, em alegria. O nascimento chamou a atenção de todos a ponto de tomar conta do dia e da noite. No final do dia resolveram fazer uma fogueira e assar alguns milhos para festejar degustando a nova vida. Durante a noite, ao redor da fogueira, contaram muitas histórias sobre vários temas. Depois da meia noite resolveram recolher-se para o descanso sagrado.
Ao amanhecer, Endyra foi convidada para seguir um novo caminho em direção a tribo do vidente. Logo de cara aceitou. Os amigos, Araci e Raoni foram convidados juntos para continuar o que talvez fizesse parte do plano e da missão dos três. Aprontaram as mochilas e partiram rumo ao destino em construção. A despedida na tribo foi emocionante. Assim como acolheram, também estimularam os jovens para que seguissem o que podia causar felicidade. A situação favorecia para Endyra que buscava sempre sentir o momento presente e vivenciado. Cada dia que passava servia de lição para Endyra. Talvez a vida urbana não ensinasse, o que para muitos, termina caindo numa rotina e na monotonia do trabalho consumista. A selva era mais dinâmica em sua genuína naturalidade.
 
A  INVASÃO

Quando chegaram na nova tribo foi uma tremenda surpresa. Tudo estava destruído. O cheiro fumegante que subia das cinzas, causavam lágrimas em quem via a cena de um saque inesperado e covarde. A terra havia sido invadida, saqueada e queimada. E agora? O silêncio tomou conta junto com a tristeza do xamã e dos três jovens.
Passados alguns minutos e entendendo que o fato ocorrido tratava de uma invasão, ficava uma pergunta no ar: por que e para que uma invasão desta natureza no centro da Amazônia? Apesar de tudo, não era difícil compreender que o valioso ouro verde da floresta era cobiçado pelo mundo inteiro. Mas, especificamente o quê? O que queriam naquele povoado? Muitas indagações surgiram nas mentes deste resto tribal que se encontrava perplexo numa recepção destruidora.
O xamã e os três jovens começaram a vasculhar os destroços em busca de uma pista ou sinal que indicasse um recomeço.
Era uma manhã sombria e fria. Não havia uma palha em pé. O lugar da tribo era agora um cemitério de cinzas envolvido pela mata florestal.
Após uma vasculhada sobre as cinzas, Endyra encontrou um pedaço de couro com desenho parecido com um mapa. De fato, era o mapa do Brasil e com x no norte da Amazônia. Atrás do couro tinha uma frase estranha quase indecifrável. Parecia um código. Estava escrito com letra de forma: "EUTE VOTDO". Por incrível que pareça, Endyra sabia o que significava. Era mesmo um código em ZENIT-POLAR. Isto mesmo. Endyra aprendera num curso de línguas algumas brincadeiras e uma delas era esta. Então, ela pensou logo em decifrar neste código ZENIT-POLAR. Ela explicou. Se a gente quiser escrever algo por meio de um código, podemos usar o ZENIT-POLAR, trocando as letras. Primeiro coloca a palavra ZENIT em cima da palavra POLAR e faz a troca. Assim: O Z pelo P e vice e versa; o E pelo O e vice e versa; o N pelo L e vice e versa; o I pelo A e vice e versa; e o T pelo R e vice e versa. Neste caso, o escrito criptografado "EUTE VOTDO" significa, "OURO VERDE". É isto! Mas, o que quer dizer exatamente "ouro verde"? Vamos adiante e talvez descobriremos o significado.
O mapa foi apenas o começo para dar início as buscas. Raoni estava prestes a dar outra notícia que se unia ao mapa. Vejamos. Ele pisou numa chave presa a uma corrente. Agachou e pegou-a. Viu de perto e passou para o xamã. As peças estavam sendo montadas aos poucos. O mapa e a chave não diziam muito sobre a invasão. Mas o xamã desconfiava de algo.
Andaram saindo das cinzas para dentro da floresta como se segue farejando o rasto. Nesse instante, o xamã pisou em falso e tombou sobre um toco. Seu pé mostrava o motivo da queda. Era um rolo de pergaminho. Surpreso, logo desenrolaram e viram que se tratava de escritos da Torá. Mas o que isto tinha a ver com a invasão?
Agora estava formando uma charada: o mapa, a chave e o pergaminho. Seria uma invasão de cristãos-piratas? Ficou uma incógnita.
Os quatro nativos resolveram partir observando os galhos quebrados e as marcas das pisadas no chão. A terra úmida favorecia a busca. Já passava de meio dia. Pararam num lugar onde tinha frutas para saciar a fome. Descansaram uns quinze minutos e retornaram a caminhada. Andaram a tarde toda no meio da mata. Endyra estava exausta. O xamã conhecia bem o lugar e sabia de uma cabana próximo dali. Foram até a cabana e passaram à noite. De manhã cedo saíram pela vereda e em pouco tempo avistaram um grupo de pessoas amigáveis, mas não conhecidos pelo xamã. Era uma família que vivia no vilarejo próximo ao Solimões. Eles se apresentaram como um casal de camponeses com quatro filhos. Estavam num assentamento de pessoas que cultivavam a terra para a manutenção do povoado.
Até aí tudo bem. Mas o xamã aproveitou a oportunidade para fazer algumas perguntas sobre a invasão a sua tribo. Na conversa foi descoberto que viram muitos cavaleiros correndo e uma fumaça tomava conta do lugar. Havia muito grito de mulheres e crianças. Esta foi uma revelação acerca do sequestro além da destruição da tribo.
Seria o começo de uma guerra? O xamã iria organizar as tribos para um confronto? Como, se não havia nada de concreto para tal situação? Neste momento Raoni avistou um grande balão verde. Nele dava para perceber o desenho de uma chave pintada numa bandeira pirata com o letreiro: "EUTE VOTDO". Impulsivamente gritou: Os invasores! Os invasores! Pegou uma flecha com o seu arco e atirou contra o balão. Logo o aeróstato começou a descer. Os quatro e todo o povoado do vilarejo correram em direção ao balão cadente.
Quando avistaram o local onde o balão caiu, deram conta de um aglomerado de conterrâneos da tribo destruída do xamã. Ao lado deles estavam os cavalos e cavaleiros armados. No momento não dava para confrontar esta injustiça. Era preciso uma estratégia de guerra para resolver esta situação.
No lugar em que estava o xamã e o povoado, tinha um monte formado de pedra que servia de escudo e de esconderijo. Ali seria o quartel improvisado. Como algo da providência havia por baixo da rocha uma brecha que era uma antiga passagem dos nativos. O xamã chamou Raoni, Araci e Endyra para seguir pela trilha sob a rocha em busca de ajuda. Enquanto isso, orientou para que o povoado apenas observasse os invasores com cuidado.
A trilha era um labirinto de areia como um deserto sob a floresta. Lá não tinha como se alimentar ou beber. Era o deserto submerso da Amazônia. Nele escondia armadilhas de areia movediça. Antes, todo este deserto era um vulcão. O resto da história ficou por conta da geografia natural da Amazônia.
Depois de andar o dia inteiro sobre a areia do deserto submerso, o xamã e os seus companheiros juvenis encontraram um jardim com uma fonte de água cristalina. Era como um oásis no Saara. Fartaram-se com água e prosseguiram. Adiante já dava para ver a maior organização de guerreiros nativos da Amazônia. O xamã se aproximou, apresentou seus companheiros e alertou da invasão e de outro possíveis ataques às tribos vizinhas.
Os guerreiros se organizaram e junto com o xamã seguiram a trilha do deserto submerso. O ataque era iminente.
O cacique ao passar pela brecha da rocha com seus guerreiros, viu o povoado amedrontado. E quando todos estavam reunidos no monte formado de pedra, como um quartel nativo, orientou com uma estratégia de ataque e defesa.
A situação era a seguinte: Tinha que atiçar os invasores para levá-los até a torre. A torre era o ponto mais próximo que servia como emboscada para o inimigo. E assim foi feito.
Raoni ficou com seu arco e flechas para atirar nos invasores e provocar um contra-ataque. Em seguida correria até à torre levando os considerados piratas.

O  CASTELO 

A torre era apenas a ponta do que se via distante. O espaço todo era um antigo e grande castelo místico de várias fantasias, criado por diversas pessoas de diferentes tribos. O castelo era todo cercado por água. Era uma ilha com uma única passagem em forma de ponte móvel de madeira. Lá no castelo era repleto de borboletas para a fertilização das plantas e para o encantamento. Dizem que em um tempo remoto este castelo pertencia a um dragão e a vampiros. Talvez seja atribuído aos leopardos e aos morcegos dos tempos atuais. Todas estas imagens flutuavam no pensamento imaginário de Endyra, enquanto ouvia o xamã contar com detalhes a narrativa sobre o castelo dos ancestrais.
Este era o ambiente da emboscada contra os invasores. Depois de sabermos a história do castelo, agora vem a vez de Raoni. Ele atirou várias flechas em direção aos cavaleiros do acampamento. Imediatamente houve o contra-ataque. Os cavaleiros invasores galoparam em direção de Raoni que saiu correndo velozmente para o castelo, o ponto de apoio contra a ameaça invasora.
O duelo começou. A guerra era injusta e cruel. Se do lado invasor tinha armas de fogo, do lado nativo tinha arcos e flechas. A natureza era favorável aos nativos. Os guerreiros eram valentes e corajosos. O cacique entoava um grito de guerra incentivador e com esperança de paz. Entre um ataque e outro, muitos caíram feridos e mortos. A defesa que o castelo possibilitava era providencial. Dava para proteger as mulheres e as crianças.
Endyra estava explorando o castelo junto com o xamã e Araci. Na parte mais baixa da torre do castelo escondia objetos velhos e usados. Acenderam uma tocha e começaram a procurar armas ou algo que ajudasse na defesa e no ataque contra os invasores. Eis que no meio da escuridão, entre os objetos vasculhados, Endyra viu um baú igual ao que vira quando esteve do outro lado da ponte dos guerreiros, onde descobriu a máscara na forma de uma carranca mágica que emitia raios brilhantes e fulminantes para o alvo de quem a usasse. A semelhança não era por acaso. A máscara encaixou na história como a mão e a luva.
Não deu pra ninguém. Logo saiu às pressas e se dirigiu ao portão principal da torre. Subiu até o topo com o esforço de uma guerreira nativa em combate aos invasores. Do alto da torre começou a olhar a cena sangrenta dos dois lados. Olhou para a máscara, posicionou-a no rosto e colocou untando-a em sua face como uma luva. Dirigiu seu olhar e seu pensamento para os invasores e os raios começaram a tingir um a um como uma metralhadora automática.
Os invasores correram para se protegerem dos raios e se jogaram por trás de umas rochas. Ali ficaram intactos e amedrontados. Sem saber o que fazer ficaram escondidos até que o seu líder levantou um pano branco pedindo paz. Ou era uma trégua?
O cacique ordenou que jogassem as armas e que se apresentassem com as mãos para cima. Assim foi feito.
A paz já havia entre as tribos, mas no mundo urbano a vida não era assim. Endyra sabia bem que o momento era oportuno para os invasores. Estes que como piratas destruíram uma aldeia inteirinha não agiram como pacificadores. Então Endyra pensou em segurar a máscara com sentido preventivo e para assegurar que nenhum mal iria acontecer com ninguém. Ela desceu da torre e se junto ao grupo.
O cacique conversou com o xamã e decidiram conduzir os invasores ao pajé para saber sobre o destino destes intrusos. Se agruparam numa grande roda e expuseram o grupo estrangeiro no centro. A conversa foi longa e tensa. No meio da discussão houve uma algazarra a ponto de o cacique dar um grito para silenciar. Num instante silenciaram e o diálogo recomeçou. Depois disso, em pouco tempo chegaram a uma conclusão.
Resolveram conduzir os invasores para dentro do castelo para uma quarentena no sentido de garantir que ninguém viria atrás deles. E se chegassem outros iguais a estes como piratas, a negociação seria menos violenta. O local era estratégico porque ficava entre a região central das tribos e a fronteira dos camponeses e próximo do rio que conduzia ao litoral amazônico. Desta forma o cacique e seus guerreiros garantiam a segurança da tribo.
Durante a quarentena os estrangeiros foram bem tratados apesar da destruição que fizeram. Assim aprenderam como tratar o ser humano. Não porque não soubessem, mas por conta da cobiça, ignoram a fraternidade.
Após a quarentena o cacique com seus guerreiros levaram os forasteiros para a parte mais profunda do castelo. Lá foi dito que deveriam ficar até passar à noite. E no outro dia deveriam se retirar rumo a sua terra de origem. Caso contrário seriam sacrificados.
E assim fizeram. Os nativos se retiraram a começar pelos mais novos. Os camponeses retornaram para o vilarejo. Endyra seguia junto com o restante da tribo.

Os invasores ficaram se sentido presos, mas com a liberdade de viver e seguir seu rumo.
Durante a noite, na profundidade do castelo, o líder forasteiro pegou uma tocha acesa e tentou conduzir seu grupo para fora das muralhas do castelo. Contudo, parecia cair num grande fosso ou como se entrasse no labirinto do Minotauro. De fato, entraram por um túnel que ao atravessar deram de cara com uma parede repleta de espelhos. O reflexo confundia a todos com múltiplas imagens. Por alguns minutos ficaram entreolhando e tocando nos espelhos. Ao tocar nos espelhos os mesmos começaram a ondular como água balançando as imagens refletidas. A ilusão de ótica era mais real que ilusionista. Sem nenhum receio começaram a quebrar os espelhos como se estivessem acabando o encanto ou aproximando-se do espanto. Quebraram tudo. Por trás das paredes de vidros encontraram esqueletos e bonecas penduradas com rostos de bruxas, ogros e duendes. Foi um espanto! Um espanto passageiro. Mas o susto valeu como um aviso.
Exploraram um pouco mais o labirinto escuro tentando encontrar uma saída. Parecia que ao invés de sair estavam entrando no profundo escuro do castelo. Não era um conto de fadas e princesas, embora fosse um castelo antigo dos tempos dos gigantes da terra e dos anões mutantes da floresta primitiva.
Depois de andar em busca de um raio de luz por alguma fresta que encontrasse, deram de cara com um grande salão em forma de um templo, ornamentado com enormes guardiões de pedra. No centro do templo tinha um desenho circular encoberto pela areia, mas dava para ver a penumbra da figura. Era um grande círculo dentro de um desenho quadrado e com um triângulo no meio. No contorno circular era todo cheio de estrelas. Na parte mais alta do templo, logo adiante, seguindo por uma escadaria, avistava-se uma mesa grande de pedra. No centro da mesa-altar tinha uma pedra pequena redonda como tampa que guardava algo. Abriram e tiraram um livro envolvido com algodão e empoeirado. Sopraram, passaram a mão sobre o livro com capa de couro cru e abriram. Era um livro mágico dos antigos xamãs e dos ciganos. Dele emitia um feitiço que ensinava como sair do castelo. Folhearam algumas páginas e viram desenhos de zumbis, fantasmas, serpentes, teia de aranha, cemitério, espada, cálice, cruz, chave... quando avistaram a página que tinha o desenho da chave, o líder parou e disse: Este é o nosso sinal. A chave da nossa saída. Associou com a chave desenhada na bandeira pirata do balão que usaram como transporte invasor. Seria mesmo este o sinal e o segredo dos invasores?
Leram com atenção sobre o sinal que a chave podia transmitir e descobriram que tinham que preparar uma poção com veneno de escorpião e misturar com sangue humano. Depois espalhar sobre o desenho triangular no centro do templo para que o feitiço funcionasse.
Na verdade, não era bem um feitiço, mas tratava de um ritual antigo e desconhecido por todos ali presente. Nada ia adiantar com o livro mágico. Repensaram sobre a situação de estar preso num grande castelo no centro da Amazônia. E agora tinham que achar uma saída.
Nada é por acaso. Os nativos sabiam o que tinham feito quando resolveram partir e deixar os invasores dentro do castelo.
Retornando ao interior do castelo, uma novidade surpreendeu a todos com um brilho natural. Era meio dia. O sol à pino penetrava com o raio de luz sobre uma fresta da torre do castelo até o fundo do salão-templo, atingindo o meio do círculo, bem no centro do desenho. Os forasteiros aprisionados ficaram perplexos e eufóricos. A luz natural ao tocar uma lâmina metálica no ponto central do desenho, refletiu em outro ponto que emitia para outros pontos, abrindo assim a possibilidade de uma saída.
Naturalmente a luz mostrou o caminho para a saída dos encastelados. Havia uma pequena subida por trás das colunas dos guardiães além da mesa de pedra. Este ponto foi iluminado mostrando uma passagem estreita que dava para fora do castelo.
Ao saírem, tiveram outra surpresa. Na frente de todos havia uma pirâmide com desenhos de um sarcófago e escaravelhos. Não parecia com nada do lugar. Mas tinha a ver com a história dos antepassados, os ancestrais dos nativos de origem dos maias, dos astecas e dos incas. Isto mostrava a riqueza cultural e a grandeza de pensamento da sociedade tribal.
Ainda bem que não era nada assustador ou que causasse medo a ponto de sair correndo. Sem saber o que pensar direito sobre o que viam diante da pirâmide, uma coisa fez que todos corressem. Um grupo de macacos e de chimpanzés saltitavam sobre os galhos das enormes árvores da floresta. Do outro lado, alguns gorilas agitados ameaçavam um ataque. Era natural que os animais estranhassem os novatos animais racionais invasores. E a saída foi sair correndo. Correram! Correram o quanto podiam.
Avistaram uma cachoeira de longe e prosseguiram até que deram conta que a saída era pular do alto para as águas desconhecidas.
 Pularam em desespero deixando que o rio cuidasse da situação. O rio levou-os até às margens de um campo desmatado. Era um sinal da invasão industrial das multinacionais.
No campo desmatado avistaram seus conterrâneos que desconfiadamente  se passaram de vítimas pedindo socorro. Foi tudo fácil. Parecia um paraíso de invasores. Improvisaram até um mine banquete.
Havia no campo um helicóptero e um pequeno avião. Era o suficiente para um resgate dos invasores fujões e covardes. Partiram como se nada tivesse acontecido, indo rumo à cidade do consumo. Enquanto se distanciavam flutuando em  um monomotor, avistavam do alto as pequenas tribos organizadas em meio a imensa floresta verde e viva da Amazônia.






CAPÍTULO   5

O  ESPÍRITO  VERMELHO




Endyra olhava pro alto e via sem saber que a aeronave levava as pessoas de seu convívio da cidade e que estavam partindo ilesos. Apesar de tudo, a natureza tinha lhe ensinado uma lição de vida, de não mexer com o que é mais sagrado na vida dos autóctones. Apesar das invasões e dos desmatamentos.
Enquanto isso, a tribo em que Endyra estava, agradecia aos deuses pela vida que continuava na tribo junto com os descendentes. Olhava ao redor e para o céu azul e limpo. Contemplava o dia como se fosse o último para vivenciar bem e compartilhar fraternalmente entre todos.


UM  ANO  DEPOIS

 A vida tribal continuava com o seu ritmo animado pelo espírito vermelho que o pajé trajava para o ritual revitalizador e vivificante. Este espírito passava o dia e a noite animando toda a aldeia. Cada um era tocado por este espírito até que não houvesse mais ninguém para ser tocado. De acordo com o ritual o primeiro a ser tocado era o mais velho da tribo e o último era a criança mais nova, como sinal de continuação da vida. Como Endyra era de uma cultura branca da cidade, só podia ser tocada depois que a última criança da tribo fosse tocada. O toque consistia na imposição da mão do pajé, que trajado como espírito vermelho, colocava sobre a cabeça do nativo, como uma forma de bênção que vem de Grande Espírito Criador. Assim passou o dia e a noite no ritual do espírito vermelho.
Quanto ao espírito em si, cabe aqui revelar que era algo invisível, mas que se sentia no modo de ser de cada um no convívio tribal. O espírito é a força e o poder do conhecimento dos ancestrais da tribo que é repassado por toda a descendência na forma do ritual e no cotidiano da vida compartilhado com toda a natureza. O segredo do espírito é conservar o ritual deste mito como o continuador da história. Este ensinamento vem dos antigos reinos dos nativos que buscavam assim semear a fé, a esperança, o amor, a justiça e a paz. Assim passaram a noite.
Amanheceu o dia. Endyra, a que significa, irmã da mulher, recordava a vida pensativa. A iluminada pela cultura nativa, banhada nas águas das fontes cristalinas da Amazônia, aquecida pela fogueira dos xamãs contadores de histórias, e envolvida pelo ar que vinha dos astros celestiais do firmamento. E como se passasse por um portal de nuvens do próprio planeta, um vento a conduzia às origens do Paraíso. A ventania era como o novo espírito guia para o entendimento da nova Endyra que já era maior de idade. Quando saiu da cidade tinha apenas quinze anos. Agora, após três anos, comemorava sua maioridade com um novo olhar e um novo sentido da vida e com o semblante transformado para continuar a sua história.
O dia claro aquecia a pele da jovem mulher com uma luminosidade atraente. Assim como a água do Solimões refletia a luz do sol, parecendo estrelas brilhando num espelho, era Endyra contemplativa em sua interioridade, sentada debaixo de uma árvore frutífera. Tudo parecia conduzir em perfeita harmonia. As lembranças de Endyra partiam do seu êxodo, quando saiu da cidade, quando esteve em êxtase ao pé de uma árvore no centro da Amazônia...
Neste momento apareceu Raoni e Araci com uma jarra d'água. Endyra abre os olhos repentinamente como se estivesse longe dali. Tomada por um susto, diz: Meu Deus! Raoni pergunta se está tudo bem. Oferece água e Endyra bebe lentamente.
A tribo se encontrava no seu ritmo normal. O clima estava agradável e em paz. Não se pensava em retorno ao povoado de Araci e Raoni, nem muito menos Endyra queria regressar à sua cidade natal. Sua família agora se encontrava entre os nativos. O que Endyra buscava e não encontrava no mundo urbano industrializado, conquistou entre os indígenas. Seu sentimento se expandia com a convivência fraterna na organização tribal.
O tempo foi passando e passo a passo Endyra caminhava ao lado de Raoni e Araci. Os três conversavam sobre suas histórias, seus sonhos e seus projetos de vida. Aos poucos Endyra percebia que sua aparência havia transfigurado. Seu semblante era outro. Tinha uma novidade no ar de sua graça.
Era manhã bem cedo, ao nascer do sol. Enquanto passeavam às margens do Solimões, alguns curumins jogavam peteca num campo próximo da aldeia. O xamã conversava com o pajé, um grupo de mulheres ensinavam um ritual, os guerreiros treinavam luta corporal... E assim a vida da tribo continuava animada com o espírito nativo da paz. Por uns instantes Raoni olhou nos olhos de Endyra e revelou um desejo.Endyra surpresa e encantada, parecia retribuir o seu olhar na manhã aprazível. Os dois se entreolharam e se beijaram enquanto a natureza abençoava contemplando o amor.