" ESCREVER É PRECISO "

sábado, 25 de julho de 2020

CONTOS DO REINO

CONTOS DO REINO

JONAS SERAFIM








INTRODUÇÃO



Fortaleza

2023

INTRODUÇÃO

 

 

Contos do Reino são narrativas sobre o Brasil que fazem lembrar a história dos colonizadores do Reino de Portugal, e até sugere um reinado, por influência da ideia de um reino bíblico-cristão, que se insere na catequização sobre os povos originários de Pindorama, “região das palmeiras", local dos povos tupis-guaranis, que foram chamados erroneamente de índios ou indígenas, confundindo com os povos colonizados da Índia asiática, marcando profundamente a cultura brasileira numa tradição que continua até hoje.

Os Contos do Reino aqui apresentados pretendem resgatar nossas origens no contexto contemporâneo do povo brasileiro, compreendendo as passagens históricas que aprendemos, tentando reconstruir os desentendimentos da vida, a partir da releitura da realidade, buscando no cotidiano, a prática das virtudes no convívio social, incluindo o diálogo solidário com proteção ecológica, a justiça social e a paz tão desejada.

Neste sentido, cabe a didática dos pequenos contos, as narrativas que seguem na ordem cronológica da nossa história. Como um projeto em construção, por enquanto, apresento aqui a primeira parte desta obra. Segue a ordem da redação:

1ª Parte - Período Colonial (1500-1822): (322 anos)

2ª Parte - Período da Monarquia Imperial (1822-1889): (67 anos)

3ª Parte - Período Republicano (1889-1939): (50 anos)

4ª Parte - Período Democrático / República Populista (1945-1964). Período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Era Vargas (1930-1945). Ditadura Militar (1964-1985): (46 anos)

5ª Parte - Período Contemporâneo da Nova República (1985 aos dias atuais)

 

DEDICATÓRIA

 

 

 A todos e todas que se consideram eternos aprendizes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EPÍGRAFE

 

 

“Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.”.

(Ideias para adiar o fim do mundo - Ailton Krenak).





1ª PARTE – PERÍODO COLONIAL (1500-1822 - 322 ANOS)


1 - CONTO DO REINO NA TERRA DE PINDORAMA

“Eu o tornarei extremamente fecundo. De você farei surgir nações, e de você nascerão reis.” (Bíblia Sagrada Edição Pastoral. Gn 17,6).


Um menino perguntou para o seu pai sobre a origem do nosso povo aqui no Brasil. A resposta foi dada na forma de uma narrativa. Vamos à história.
Esta história conta a origem de um povo nativo de Pindorama, isto é, terra das palmeiras, que desenvolveu uma organização tribal no modo de viver, tendo que confrontar com os colonizadores europeus que chegaram aqui em 1500 em nome do rei.
Em uma manhã ensolarada, à beira da praia, estavam alguns pescadores puxando uma rede que havia jogado nas águas profundas do mar. Durante a pescaria, um curumim corria veloz em direção ao pescador mais velho, chamado Tupã. Ao chegar ofegante de frente ao pescador, declarou-lhe o nascimento do seu filho. E dizia que a sua mulher Jaci precisava da presença do pai para realizar o ritual do nascimento.
Passaram-se alguns anos e muitas famílias haviam se multiplicado pelas terras de Pindorama. Conta-se que havia mais de mil povos diferentes espalhados em todo o território.
Depois de três décadas os colonizadores portugueses que já havia explorados os nativos e suas terras, resolveram trazer os africanos como escravos para fazer o trabalho na plantação de cana-de-açúcar e no engenho. Os nativos indígenas tinham sido dizimados nas lutas de resistência contra os colonizadores. Foi uma grande injustiça e até hoje uma perda irrecuperável. Por isso é que os colonizadores trouxeram os africanos como mão de obra escrava para o Brasil.
Como vê, Pindorama já não era mais a mesma. Quando os portugueses começaram a colonização no Brasil, deram esse nome por causa da árvore que extraíram, o pau-brasil, e comercializavam em toda a Europa.
Com a chegada dos africanos aqui no Brasil como escravos dos colonizadores portugueses, Pindorama já não existia. A escravidão dos africanos no Brasil durou mais de três séculos e meio. Mas ainda hoje existe a discriminação racial e está presente nas relações sociais e pessoais com as características da escravidão.

Nesta história encontramos os nativos, os portugueses e outros povos europeus, e os africanos. Desses três povos surgiu o nosso povo brasileiro que chamamos de miscigenação. Além desses povos chegaram aqui também os asiáticos imigrantes que vieram pra cá em busca de resolver sua vida econômica e tudo mais... Mas esta é outra história.




  2 – OS POVOS ORIGINÁRIOS

 

“Vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa'. É o que você deverá dizer aos filhos de Israel.” (Ex 19,6).

 

Havia na terra dos povos originários uma harmonia na convivência social. Quando acontecia uma crise econômica, ou de outra natureza agravante, os representantes das famílias se reuniam em uma grande assembleia e decidiam o que era melhor para todos. Com o passar do tempo, esses valores foram confrontados pelos colonizadores. O mundo não é só um globo terrestre como uma bolha ingênua. Mas pelo livre-arbítrio as pessoas começam a reagir de forma diferente e indiferente. É neste contexto que esta história se encontra.

Na terra dos povos originários existiam os aborígenes que cuidavam muito bem da terra, da água, do ar e das pessoas, procurando sempre compartilhar uma boa convivência. Com a chegada dos colonizadores - e nisto já diz o sentido da palavra que traz o propósito de explorar – a história foi até o último grau de escravidão, tendo, portando, resistência e mortes.

Entre os colonizadores, encontram-se os monarcas, os hodiernos e os tiranos. Os monarcas fizeram uma viagem além-mar e invadiram as terras dos povos originários, alegando proteger de outros povos, coisa que estes já estavam fazendo, isto é, chegaram confrontado e se impondo diante dos aborígenes. Os hodiernos foram os descendentes dos monarcas que deram continuidade esse processo colonizador, disfarçado de república. Denominaram os povos originários como uma república, criando um governo sobre os aborígenes, sem necessidade. Depois, a própria história ficou colonizada, e toda cultura original dizimada, sendo sustentado até hoje pelos tiranos que nasceram dos hodiernos e aperfeiçoaram a lógica da colonização.

Os povos originários tinham um mundo biodiverso e livre. Transitavam e se aventuravam com os desafios da própria natureza. Não precisavam de forasteiros. Recusaram ser escravos. Escolheram viver e lutar. Os colonizadores criaram um abismo desumanizante e roubaram as riquezas da terra, destruíram a natureza e mataram os povos nativos. Diante desta transformação desumana, um outro mundo foi forjado. Mas, concomitante a este processo, uma resistência dos movimentos populares surgiu entre as raízes culturais da miscigenação. Neste caminho novo aconteceu um discernimento emergente. Não tinha como voltar a história. Mas era possível reconstruí-la. Também não quer dizer que não teria perseguições.

Com certeza a história seria outra e bem melhor se não fosse a colonização. Aliás, isto serve para qualquer parte do mundo. As armadilhas criadas por uma ideia colonizadora e tirana, mereciam não serem concebidas. O ser humano é também um animal, embora racional. Mas, tal racionalidade faz do livre-arbítrio um crime. Viver é uma provação perigosa. A morte não é um problema, é uma transformação. Em cada dia, cabe aprender e saber da história o que é preciso resgatar e reconstruir. Assim renascemos, ressuscitamos em cada luta diária. Neste processo encontramos as crises e as recompensas. No mais, o desfecho da história acontece na luta de cada dia.





3 -  O GUARDIÃO

 

 “A água transborda de seu cântaro, e com a água sua semente se multiplica. Seu rei é mais alto que Agag, e seu reino será celebrado” (Nm 24,7).

 

Há muito tempo, quando ainda as tribos eram modelos de sociedade e serviam para o bem comum de todos, e a prática coletiva do que era colhido da terra, demonstrava uma estrutura bem organizada em favor de todos, havia unidade nas decisões para uma boa convivência, existia a partilha de alimentos, conforme a necessidade de cada família, e não havia a dominação de um grupo sobre o outro. Neste tempo, havia um conselho de anciãos que se reuniam para encaminhar as atividades das tribos. O mais velho dos anciãos era o guardião.

O guardião era o protetor e o defensor das tribos. Em sua mão direita segurava um cajado como símbolo de sabedoria e de defesa. O descendente primogênito do guardião aprendia toda estratégia de organização da tribo e era o responsável que as sumia na vida adulta a repassar os ensinamentos da tradição da tribo.

O guardião tinha a obrigação diária de avistar do alto da torre da tribo toda a área circundante. No decorrer da história, numa dessas averiguações, eis que avistou grandes embarcações. Logo, desceu da torre e correu, chamando todos para o espaço aberto que ficava no centro convergente entre as tribos.

Um grupo de homens treinados pegaram arcos e flechas e saíram pela floresta por um atalho que dava até o litoral. Alguns questionaram acerca de um confronto violente ou por insegurança ao comentar sobre as embarcações de passagem. O caminho pela floresta já tinha seus perigos.

Quando menos esperava, as embarcações já estavam na praia e os forasteiros eram colonizadores que já tinham traçado essa navegação. Para estes, o mundo novo foi batizado como Terra de Santa Cruz. Para os nativos, a terra era sagrada para as vidas de seus filhos e filhas. Esse discernimento era claro entre ambos. Era um confronto, e foi muito sangrento e covarde. As tribos foram destruídas e a reparação jamais foi feita.

As perseguições foram constantes no percurso histórico pela terra nativa fazendo dos povos originário escravos até a morte. O que antes era pelo coletivo, agora era pelo escravismo. Não tinha mais como retornar a vida tribal. O medo foi imposto. A morte estava na carne. Muitos lutaram até a morte para não viver como escravo. Assim agiram os colonos que invadiram e exploraram as terras alheias, como um ladrão que mata, rouba e destrói a vida de seus semelhantes.

O desfecho desta história pode ser confirmado na voz de cada guardião que encontramos nesta terra chamada Brasil. Não mudamos o passado colonial, mas podemos mudar o devir. A vida urbana e tecnológica atual transformou até a mentalidade da nova geração. Apesar de tudo, existem muitos guardiões anônimos ensinando a semente da fraternidade. Deste modo, lembro um proverbio de uma tribo desconhecida que diz:  “Diga-me e esquecerei. Mostre-me, e talvez eu não me lembre. Envolva-me e eu entenderei.”.





4 – CEREÇAPORANGA


“Samuel explicou ao povo o direito do rei, e o escreveu num livro, que depôs diante de Javé. Em seguida, despediu o povo, cada um para sua casa.” (1Sm 10,25). 


Uma jovem e linda índia da Amazônia chamada pelo nome de Cereçaporanga, também conhecida por Serê, vivia em sua tribo cuidando das crianças e sentindo a harmonia e o equilíbrio com a natureza. Em uma noite na festa da lua, enquanto tomavam banho no rio, o pajé, seu pai, incumbiu de uma missão. Serê devia levar uma mensagem de paz ao órgão do governo instalado na floresta.

Nas tribos havia guerreiros para manter a segurança de todos. Mesmo assim, a missão de paz dada a Serê só permitia acompanhamento de suas amigas como conselheiras que podiam auxiliar nas decisões. O caminho a seguir era por uma vereda e que seria uma aventura pela floresta.

As amigas de Serê perceberam o grande desafio e logo recusaram partir sem os guerreiros com seus arcos e flechas para lhes protegerem de um possível combate. Mas a recusa foi em vão. O pajé argumentou que a missão era de paz e por isto não queria nada com armas.

A partida foi dada. No decorrer do caminho, após algumas horas de jornada, as índias perceberam um incêndio. O fogo e a fumaça tomavam conta daquele ambiente. O medo de morrer queimadas era visível em seus rostos. Por conta disso houve uma discussão entre elas. Mas Serê ponderou e disse que a missão havia sido sabotada. Contudo, deviam pedir ajuda para combater o incêndio.

Serê tinha um poder especial e ainda não havia se manifestado. Se ela invocasse Tupã, deus do trovão, seu poder seria atendido. E diante do incêndio, Serê olhou para o céu e gritou: Tupã! Sua fisionomia ficou transfigurada e uma tempestade caiu sobre a floresta.

Neste instante as índias descobriram o poder de Cereçaporanga. O fogo havia devastado grande parte da floresta. Mas o poder entre Serê e Tupã apagou o fogo. A partir daí Serê assumiria a sua missão pacificadora e certamente encontraria muitas rivalidades por causa disso.

Retornando a sua tribo e contando o que havia acontecido, o pajé reuniu todos no centro da aldeia para celebrar bebendo o suco da planta de guaraná que denominou com o nome da própria filha. Daí em diante Cereçaporanga ficou conhecida pela lenda do guaraná. É claro que existe outra versão desta história. Mas retomando a versão original encontramos em cada árvore a presença viva com a semente de paz que reconstrói e renova a vida.





5 - OS SEIS REINOS


 “Agora, Javé nosso Deus, salva-nos da mão deles, para que todos os reinos do mundo saibam que tu, Javé, és Deus” (2Rs 19,19). 

   

No mundo atual existem seis reinos, a saber: África, Antártica, América, Ásia, Europa e Oceania . Estes reinos compartilham entre si de forma interdependente em todos os aspectos da vida. A curiosidade nestes reinos é que no princípio de tudo já havia um ponto convergente de unidade entre si, mas, mesmo assim, tinha um denominador divergente no coração de cada reino. Este era o enigma do livre arbítrio humano, mas, era também, um design revelador que poderia esclarecer o mistério da humanidade.

O design contido nos reinos dependia da ação humana. Como assim? Na verdade, um grupo de filósofos foi quem descobriu esse design que explicava a força da natureza, o movimento e toda a evolução da criação. Esse entendimento foi constatado na história antiga dos maias, astecas, incas e de todos os povos originários. A partir desta descoberta, os historiadores, arqueólogos, entre outros cientistas que pesquisaram sobre esse design, perceberam nos seus estudos algo em comum na tradição das monarquias mundiais ao longo do processo vivido pela humanidade até hoje. Veja que nada é em vão ou por acaso. Pois bem. O design sempre esteve presente na natureza e na inteligência da vida humana. Todos os conhecimentos são compartilhados no bloco dos seis reinos. Como disse, as monarquias desses reinos, se apropriaram desse enigma para colonizar nações e povos.

Veja, as ações colonizadoras das monarquias existentes até hoje, forjaram um modelo de projeto dominador sobre o mundo, no sentido de um conhecimento revolucionário que deveria ser apropriado apenas pelos dominadores das nações. Para guardar na memória dos seis reinos, os monarcas usavam a frase em latim que dizia: “Nosce te ipsum”. Tradução: “Conhece-te a ti mesmo”. Esta frase ficou famosa, mas, para a maioria ficou enterrada na caverna alienante, enquanto os dominadores faziam e fazem uso do conhecimento para dominar os demais.

O tempo passou e agora acabou de passar novamente, e é assim. Enquanto o tempo passa, um grupo conhecedor e dominador oprime, e os demais sofrem o peso da dominação. 

Apesar do fardo histórico neste conto dos seis reinos, vale ressaltar que a mensagem escrita em latim, remonta outra leitura emergente em todos os reinos. Cabe aqui entender os movimentos revolucionários de libertação. Os reinos não são uma invenção do acaso. Os movimentos de libertação também não. Para compreender todo o processo dessa transição histórica é preciso entender também os problemas desafiadores da vida na luta das classes trabalhadoras. Muitas lideranças defendem a classe marginalizada criando condições de emancipação. Os trabalhadores do mundo todo gritam por justiça, paz e dignidade. No mundo do trabalho encontramos aliados e inimigos.

Conhecer a si mesmo é a maior busca e revelação de cada ser no sentido de descobrir o papel libertário de viver o sentido fraterno na convivência humana e com toda a natureza. A caverna obscura em nossa inconsciência só desperta para a liberdade quando buscamos o discernimento consciente que a filosofia tanto ensina em nosso reino interior.





6 - O BRASIL


 “Quando você completar a idade de ir para junto de seus antepassados, eu farei surgir um desecndente depois de você, um de seus filhos, e eu firmarei o reino dele” (1Cr17,11).

 

No ano de 1500, nas praias baianas das terras de Pindorama, estavam os nativos tomando banho e se divertindo com a água salgada que jogavam com as mãos. Ao longe apontava na linha do Atlântico uma fileira obscura flutuando no horizonte distante. Sem muita preocupação, os nativos entraram pela mata e foram caçar. 

Noutro dia, o ritual do banho nas águas salgadas era sagrado. Mas, ao chegar às margens da praia, depararam com treze embarcações e 1500 homens. Aquela fileira flutuante no horizonte vista pelos nativos, agora estava com os pés em suas terras, num aglomerado de marinheiros e toda frota.

Houve um confronto ameaçador. Os navegantes estavam com armas de fogo e queriam explorar. Os nativos estavam em sua própria terra com arco e flechas para caçar. Sem nenhuma conversa, porque eram de línguas diferentes, alguns gesticulavam tentando alguma forma de comunicação. A resistência nativa começou logo a aflorar. Um homem barbudo se destacou na frente dos marinheiros e começou a falar bem alto dizendo ser o Cabral, comandante militar da frota e gesticulava chamando os nativos para um entendimento.

Sem quase nenhum entendimento, os marinheiros já estavam armando tendas e se apropriando do local para dominar. Não havia intenção de retorno às embarcações não. Os nativos também não retornaram às suas aldeias. Uma confusão se formou e foi aquele alvoroço.

O comandante Cabral pegou sua arma e atirou para cima. O estrondo soou como um trovão e causou um impacto imediato. Um silêncio repentino tomou conta da praia. As ondas espumantes escorriam na areia branca como lágrimas nativas. A partir deste momento, o cacique chegou próximo de Cabral e gesticulou com seu arco tentando se impor diante daquela multidão. Cabral junto com o capitão e um grupo de marinheiros começaram a entregar colares, espelhos, entre outros objetos, forjando uma falsa negociação. 

O cacique, percebendo a reação de sua aldeia que atirava flechas contra os forasteiros, fez sinal para recuar para a mata. Os marinheiros reagiram ao ataque e abriram fogo contra os nativos. Era o começo de uma batalha. O ataque se prolongou pela mata adentro. O poder de fogo covardemente abatia o frágil grupo de arco e flecha. O dominador e colonizador projetava sua missão como uma descoberta nas terras invadidas. A invasão estava consumada e junto com ela estava o projeto de destruição da vida nativa e da biodiversidade.

Neste cenário não havia amigos com presentes para trocar, como estava fingindo os navegantes de Cabral e do seu reino de Portugal. Não havia promessa de nada que pudesse o cacique e sua aldeia compreender esses desconhecidos invasores. 

No decorrer dos dias e das noites o comando do exército da Coroa portuguesa passou a controlar o litoral e perseguiu os nativos recrutando-os para o trabalho de exploração da madeira da Terra Nova. O ataque aos nativos resultou em sua fuga para escapar do trabalho escravo ou da morte. Voltar ao litoral nesse momento só iria sacrificar mais vidas em um combate de extermínio, aumentava o conflito e não recuperava nada. A luta estava apenas começando. O mundo europeu começava a explorar e escravizar a vida nativa em nome do rei e com a Bíblia na mão. Não havia saída a não ser a resistência e a luta. O caminho da vida nativa e da liberdade sofreu uma transformação abrupta. Aqui começa a história do Brasil.





     7 – BRITES MENDES (BEATRIZ)


 “A ti, Javé, pertencem a grandeza, o poder, o esplendor, a magestade e a glória, pois tudo o que existe no céu e na terra pertence a ti. Teu é o reino, e a ti cabe elevar-se como soberano acima de tudo” (1Cr29,11).

 

Os Contos do Reino caminham pela história do Brasil, e algumas mulheres se destacaram como capitoas que assumiram o comando de capitanias no período colonial. Neste caso, Brites Mendes ou Beatriz (1517-1584), foi uma nobre portuguesa, esposa do primeiro capitão-donatário da Capitania de Pernambuco, Duarte Coelho, que assumiu o governo da Capitania após a morte do marido, por doação de el-Rei D. João III.

A jovem Beatriz chegou ao Brasil com 18 anos já para ocupar o seu cargo, até o seu filho que estudava em Portugal, completar a maioridade para assumir o posto. Mesmo assim, o jovem terminou regressando para sua terra natal. O filho de Beatriz junto com seu irmão, foram incorporados numa batalha do rei D. Sebastião contra a África e terminaram falecendo, ficando Beatriz no comando das terras pernambucanas.

Contar estes fatos parece fácil, mas não é. Veja! Um rei manda os seus partidários de confiança para o Brasil e ainda registra em seus documentos falando dos nativos como animais, segundo Pero Vaz de Caminha, quando escreveu em sua carta para o rei Dom Manuel, chamava de “gente bestial e de pouco saber”. Além disso, descreve sobre uma ordem e paz nas Capitanias em detrimento da vida escrava dos nativos. É neste contexto que Beatriz entra para governar.

Penso que alguma resistência passava pela cabeça do comando feminino. Em meio aos conflitos de seu trabalho teve que combater as insurreições indígenas, controlando a vida dos colonos e construindo engenhos e urbanizando a atual Olinda.

Tendo os povos indígenas como inimigos e submetidos ao trabalho escravo, a colonização se empenhava nas mãos portuguesas como uma empresa mercantil e militar. O número de colonos aumentava cada vez mais com a vinda de mulheres e filhos, constituindo as primeiras famílias e pequenas povoações a ocupar as terras dos povos tupis-guaranis.

Beatriz assumia a responsabilidade de administrar a Capitania Pernambucana e neste bojo todo incluía também a relação com os senhores de engenho. A Casa-Grande fez o seu papel de escravizar inicialmente os índios nas senzalas, posteriormente trouxeram os africanos. Veja por que havia tanta resistência indígena contra os invasores. Ninguém quer ter a sua casa invadida, não é mesmo?

Segundo os relatos de missionários jesuítas, o desejo de Dona Beatriz não era ser uma governadora de Capitania, mas, era de seguir a missão da vida religiosa. Na verdade, ela queria se dedicar aos filhos e ter uma vida consagrada a Deus. Durante o tempo que viveu no Brasil, cumpriu as ordens do rei de Portugal e terminou seus dias às margens das praias de Olinda. Enquanto isso, os nativos relutavam por uma redenção.





8 – ANA PIMENTEL


 “e enviaram cartas a todos os judeus das cento e vinte e sete províncias do reino de Assuero. Com palavras de paz e felicidade” (Est 9,30).


Nos Contos do Reino temos muitas histórias de mulheres aguerridas que a literatura oficial não divulga em suas reportagens.

Ana Pimentel, segundo a história, era procuradora de Martins Afonso de Souza, administrador da Capitania de São Vicente, correspondente a região de São Paulo, e passou a ser a nova administradora da capitania em 1534 exercendo por mais de uma década. Sua maneira de agir levou a inovar a terra com o cultivo de laranja, arroz, trigo, cana de açúcar e com a criação de gado. Isto inovou também os olhares de outras mulheres. Embora ajudasse na construção do Brasil colonial, sua atitude merece destaque. Uma das inovações foi perceber que com o cultivo das laranjas podia evitar as mortes combatendo o escorbuto, uma doença provocada pela falta de vitamina C que atacava os embarcados durante a travessia do Atlântico.

Podemos dizer que Ana Pimentel desenvolveu a agricultura e a pecuária no Brasil colonial, mostrando o seu empenho no cultivo das terras nativas e não na exploração de fato. Seu objetivo era produzir alimento, por isso trouxe sementes e mudas assim que chegou no novo mundo e acompanhou de perto toda a plantação.

A colonização em si já era um grande problema desde o início, seja pelo confronto cultural e por qualquer outro aspecto. Considere aqui o início do progresso da colonização do Brasil por conta de muito tráfico indígena para a mão de obra escrava.  Mesmo assim, a transição que Ana Pimentel atravessava era uma fase histórica não só para ela, mas para a vida de todos que vivia naquelas terras exploradas.

Enquanto uma mulher portuguesa veio cultivar as terras nativas, as aborígenes já haviam consagrado o próprio solo com as mãos, os pés e todo o corpo.

As crises entre portugueses e nativos eram constantes. O objetivo de um grupo era diferente do outro. As tragédias que ocorreram anteriormente ficaram na memória de todas as aldeias. As mortes sacrificadas em constantes batalhas ainda assombravam nos pesadelos dos ancestrais e dos fetos.

Como se não bastasse, o rei de Portugal autorizou por meio de carta, um vínculo jurídico entre cada administrador de terra das capitanias. Nisto conferia a posse que proporcionava um investimento privado de um autogoverno colonial. Seria isto que Ana Pimentel queria? Com este poder de propriedade privada o administrador das terras tinha total autonomia com direitos e deveres sobre a mão de obra escrava e ainda passava as terras para os seus filhos como herdeiros natos. Foi nesse sistema colonial que construíram várias vilas, engenhos, até um modelo de cadeia, leis com impostos e pena de morte.

O mundo português invadia o mundo nativo de Pindorama. A vida dos povos originários ressurgia relutante entre o trabalho escravo e o tempo que sobrava para a convivência comunitária em suas aldeias. Apesar de tudo, cada conterrâneo ajudava o outro. A invasão colonizadora não aniquilou o sonho e a realidade existente no sangue tupi-guarani. Os curumins e as cunhatãs brincavam no espaço de suas tabas e assim sonhavam uma nova vida.

 

 

 

 

9 – LUÍZA GRIMALDI

 

“Pois a realeza pertence a Javé, é ele quem governa as nações” (Sl 22,29).


Luíza Grimaldi (ou Grinalda), vem neste conto mostrar um resumo, como segue nossas histórias nos Contos do Reino.

Luíza foi a primeira governadora da Capitania do Espírito Santo durante o período de 1589 a 1593. Tendo o seu esposo falecido sem deixar filhos, assumiu o comando nos tempos do Brasil colônia. Para uma mulher assumir um governo e numa cultura patriarcal era um problema, mas foi o que aconteceu e está em nossa história.

Os desafios diante das capitanias do Brasil eram inúmeros e entre eles estavam os ataques piratas. Este era um fato que não podia deixar sem solução. O acontecimento da época a ser enfrentado foi o ataque de Thomas Cavendish, considerado um pirata do reino da Inglaterra que atacou o Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Era uma situação difícil entre os colonos de Pindorama.

Luíza se organizou junto com outros governadores e estes providenciaram a colaboração dos índios Goitacazes. O cacique Jupi-açu atendeu ao chamado e lutou contra os novos invasores com aproximadamente 200 homens, entre índios e colonos, veja que situação. Cavendish foi derrotado e suas embarcações retornaram ao reino inglês.

As capitanias do Brasil desenvolveram uma administração territotial divindindo as terras em 14 grandes colônias administradas cada uma por um capitão. Estas terras, a América brasileira, denominação em homenagem a Américo Vespúciio, mercador e geógrafo italiano que explorou dos oceanos e o Novo Mundo, foram invadidas e colonizadas pelos reinos portugues e espanhóis e assim subdivididas em Capitanias.

Diante deste cenário, Luíza via um mundo em transformação e com muita provocação. Os inimigos em sua volta, pelo fato de ser mulher, armavam ciladas para a qualquer momento tirá-la do poder de governadora. Foi nesse clima de uma política confusa e machista que um parente próximo de nome Franscisco Aguiar, alegando que uma mulher não podia assumir tal função, e sob o poder de uma disputa judicial, o cargo foi retirado de Luíza. 

A missão de Luíza talvez não fosse ser uma governadora de uma colônia, mas sua atitude diante dos fatos foi uma resposta à altura. Sem esperar recompensa decidiu atravessar a fronteira além-mar. Viajou para Portugal e passou a viver no Convento de Nossa Senhora do Paraíso. Apesar das contestações judiciais contra Luíza, o vencedor da disputa, Francisco Aguiar, só assumiu a direção da Capitania do Espírito Santo depois de 1905, após doze anos do processo. De qualquer forma, quem estava no comando era um capitão de nome Miguel Azeredo, até o outro colonizador assumir o comando.

Com a mudança de Luíza para Portugal, o desfecho da história do sistema de capitania implantado no Brasil prosseguia com o avanço da colonização. Desta forma, o trabalho escravo na extração do pau-brasil cada vez mais aumentava, explorando nativos e novos colonos que passaram a ser chamados de brasileiros, por carregar o pau-brasil nas costas até as embarcações que levavam para a Europa.

A vida nativa já não era mais a mesma. A vida de Luíza também deixou marcas na história, embora sem muito reconhecimento histórico. Uma mulher como Luíza era bem envolvida com as questões sociais e políticas, a ponto de governar uma terra estrangeira. Apesar dos desafios e provocações do seu contexto, sua atuação ensina o encorajamento Ju as mulheres não se submeter a condição do patriarcado.

 

 



10 – OS ESCRAVOS

 

“Seu trono é de Deus, w permanece para sempre! O cetro do seu reino é cetro de retidão!” (Sl 45,7)

 

Enquanto o mundo gira e as crianças brincam em sua ingenuidade, os adultos patriarcalistas desenvolvem armas e exploram os seus semelhantes e a natureza. Neste campo da exploração acontece os fatos históricos.

No tempo em que os colonizadores começaram a traficar escravos africanos para o Brasil, entre 1539 a 1542, o padre Martinho Lutero na Alemanha, questionava sobre a venda de indulgência, ou seja, a Igreja pedia dinheiro em troca de perdão dos pecados. Absurdo! Mas foi assim no desenrolar da história.

Os colonizadores portugueses conseguiram trazer mais de cinco milhões de africanos como escravos para o Brasil. Além disso, lembrando que muitos morreram nos naufrágios. No começo, os escravos foram submetidos ao trabalho na lavoura de plantação de cana-de-açúcar em Pernambuco, e muitos outros foram levados para Salvador, para a Paraíba serviram nas plantações de café, também para o Rio de Janeiro e Minas Gerais, para a exploração de ouro, e assim, foi expandindo os escravos africanos pelo Brasil. Desta mesma forma fizeram também os holandeses, usavam a mão de obra escrava africana nos engenhos de cana-de-açúcar do Nordeste.

Os escravos eram vendidos e avaliados como mercadorias ou animais em praças públicas e eram tratados como prisioneiros sob o olhar racista. A vida média de um escravo, por conta de tanto trabalhar e apanhar, era em torno de dezoito a vinte e cinco anos. Uma total desumanidade. Por causa da escravidão é que surgiram os quilombos, eram comunidades de resistência de africanos escravizados que formavam seus espaços de liberdade e defesa de sua vida social e cultural. Era o total oposto das senzalas que aglomeravam todos os escravos e escravas, adultos, velhos e crianças, e neste alojamento desumano, todos compartilhavam de noites terríveis de dor, choro, castigos, necessidades fisiológicas, sexo e mortes.

A escravidão no Brasil foi imposta como uma necessidade para o trabalho que se propagou e conservou até os dias de hoje, percebendo que ainda existe tal prática clandestina. Os escravizados trabalhavam em deferentes funções como carpinteiros, sapateiros, pedreiros, cortadores de cana, cortadores de carne, artesãos, ferreiros, cozinheiras, ama-de-leite, engomadeiras etc.

Os escravos fugiam em massa por não aguentar tanta opressão. Muitos encorajados enfrentavam os senhores de engenhos da Casa-Grande, formando rebeliões e se preparando com a capoeira, organizando a luta dos escravos contra os senhores do mato, como a principal forma de pressão para acabar com a escravidão.

O sistema escravocrata é cruel. É o extremo da violência. A realidade de um escravo começava com a sua venda, o que demonstra a falta de humanidade nesta relação. Em seguida, o tratamento bárbaro pelos açoites, eram constantes. Em muitos casos a torturas era usada para mutilação até chegar a pena de morte. Muitos escravos não aguentavam à submissão e resistiam até as últimas consequências. Dessa forma, os escravos terminavam entrando em depressão, rebelavam-se, morriam por inanição, outros suicidam-se.

Nativos e africanos escravizados, apesar de tudo, foram sementes que em sua essência formaram a miscigenação brasileira com uma cultura diversificada.

Por enquanto, o que posso dizer, traduz na frase de Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.





12 – TOMÉ DE SOUSA

 

“Povos estrondam, reinos se abalam, mas ele ergue sua voz, e a terra estremece” (Sl 46,7).

 

Vou contar um conto histórico numa aventura moderna. Pode ser? Vamos lá.

Havia no mundo de Pindorama, no tempo em que os colonizadores começaram uma organização governamental, criando o famoso governo-geral, a existência de alguns grupos, a saber: os tomesianos, adeptos do governador Tomé de Sousa; os donatários, donos de Capitanias Hereditárias; os marianos, seguidores de Maria Mendes, esposa de Tomé de Sousa, junto com os missionários jesuítas; os nativos; e o africanos.

Tomé de Sousa foi nomeado pelo rei Dom João III para ser o governador geral do Brasil no período de 1549 a 1553. Assim começa esta história.

Neste ambiente colonizador, os tomesianos e donatários não tinham boa convivência. Os donatários estavam sendo questionados por causa de corrupções que faziam nas Capitanias. Durante o período em que administraram as Capitanias não houve resultado positivo para a economia do reino português. Diante desse impasse, aconteceu o confronto entre esses dois grupos.

Os africanos vivendo como escravos e vendo seu povo morrer por tanto trabalho e tortura, sem perspectiva de voltar para a África, percebendo a confusão entre os colonizadores, pensaram numa organização, contando com a ajuda dos nativos, para criar uma situação pior entre os donatários e tomesianos. Dessa forma, pensaram na condição de uma fuga.

Os nativos mencionaram a influência dos marianos, os seguidores de Maria Mendes, que junto com os missionários jesuítas, aprendiam a ler e escrever, organizar grupos de trabalho e lideranças para a catequese. Maria Mendes era uma mulher mais simpática a causa nativa, mas era do lado do governador, então, preferiram não contar com essa ajuda.

O plano foi o seguinte, os africanos mais os nativos, em uma noite de lua cheia, entrariam às escondidas, nas casas dos donatários e pegariam os documentos secretos que causariam maior confusão com os tomesianos. Com a posse desses documentos, os africanos espalhariam estas provas na porta do governador e assim descobririam a prova das corrupções dos donatários. Foi dito e feito. Ao realizar tal proeza na noite enluarada, jogaram pedras contra a casa do governador que espantado correu do seu dormitório rumo à porta, ao sair da casa, viu os papéis jogados no chão. Enquanto lia as provas de corrupções dos donatários, o governador bradou um chamado pelos guardas que agitou todo o reduto. Os tomesianos armados confrontaram os donatários sob a ordem de prisão. A situação transformou num tumulto com tiroteio e mortes. Neste ínterim, os africanos fugiram em direção da floresta.

Nesta história os africanos conseguiram organizar em cima das serras comunidades com o nome de Quilombos que até hoje resistem. Enquanto o militar Tomé de Sousa construía cidades e fundava Salvador como primeira capital do Brasil.





 13 – DUARTE DA COSTA

 

“Cantem a Deus, reis da terra...” (Sl 68,33).

 

Quando o mundo colonial brasileiro foi governado por Duarte da Costa no período entre 1553 a 1558, a sua política de tratamento com os nativos era de muita escravidão permitida aos colonos, o que aumentou muito a hostilidade contra esses forasteiros.

Os nativos não tiveram escolha, foram escravizados. Contra esse problema, as tribos tiveram se reorganizar ao longo dos anos. Nesta realidade cruel, os anciãos de todas as tribos começaram a fazer novos ensinamentos aos seus curumins. Enquanto ensinavam como encarar a vida diante dos colonizadores, o mesmo tempo trabalhavam como escravos e resistam como podia.

Duarte desembarcou em Salvador junto com missionários jesuítas, como José de Anchieta, Manoel da Nobrega e centenas de pessoas vindas do reino de Portugal. Ao chegar nas terras nativas, teve que lutar contra os nativos, no conhecido recôncavo baiano, para o progresso da dominação portuguesa. Além disso, enfrentou vários combates contra os franceses que também chegaram invadindo as terras do Rio de Janeiro.

Os nativos precisavam de encorajamento a cada dia que passava para viver como escravos. Era uma realidade difícil. Entre uma luta e outra, os desafios só aumentavam. A situação era de dominação de um governo escravocrata como o pior inimigo que sacrificava a vida nativa e que aos poucos estava sendo dizimada.

Por algum tempo, os nativos encontraram um aliado do lado dos jesuítas, era o primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha. Este, por sua vez, tentou ajudar os nativos, pois, condenava a escravidão de índios. Outro apoio entre os nativos veio de algumas tribos formada pelos tamoios, um coletivo de líderes que organizaram uma aliança em combate aos colonizadores portugueses.

Havia uma fronteira cultural e política que não favorecia a convivência entre portugueses colonizadores e os povos originários. Este confronto resultou em tragédia e morte. Não em ordem e progresso.

A conquista histórica dos nativos ancestrais ensinou uma boa convivência entre as tribos, enquanto a colonização escravocrata dos portugueses destruiu vidas em nome da exploração e da dominação.

Duarte da Costa seguia o seu caminho como dominador, abrindo estradas pelas matas, organizando expedições em busca de metais preciosos, construindo colégios com os jesuítas. Já os nativos não podiam seguir o caminho que vinham seguindo. Suas vidas foram expurgadas de suas tribos e do jeito de viver em comunidade. Um povo não compreende outro povo até que se permita e aceite uma aproximação. Isto não aconteceu. A transformação que houve resultou em mortes. Fica aqui a Canção do Tamoio do poeta Gonçalves Dias: “Não chores, meu filho;/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:/ Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar”.

 


                                                                                           


 14 – MEM DE SÁ

 

“Javé pôs no céu o seu trono, e sua realeza governa o universo.” (Sl 103,19).

 

Mais um miniconto histórico de governador geral do Brasil. Desta vez trata-se de Mem de Sá, um nobre administrador colonial português. Foi também juiz desembargador, o terceiro governador geral do Brasil, de 1558 a 1572.

Um colonizador pode até aventurar como forasteiro, mas os fatos dirão que vai além de uma aventura. Os problemas entre nativos e colonizadores - lembrando que o vocábulo colonizar significa explorar, dominar, ficar dependente - contados na história oficial, deixa em silêncio e emudecida a voz nativa dos povos originários, porém, não menos resistente.

No confronto dos colonizadores portugueses com os nativos não houve um encontro sincero a ponto de um diálogo intercultural amigável. De fato, houve conflito e muitas lutas em batalhas infindáveis. Neste cenário vale ressaltar a Batalha do Cricaré ou a Guerra dos Aimorés. Foi uma série de batalhas de 118 anos, entre os colonizadores e os nativos, nos anos de 1555 a 1673, que aconteceu na região da Capitania do Espírito Santo. Os colonizadores queriam explorar e escravizar a população nativa, pegar as riquezas minerais como ouro e prata e todos os metais preciosos.  E assim fizeram.

Podemos imaginar a tensão dos nativos defendendo suas terras e o seu povo, enquanto os colonizadores do outro lado do Atlântico chegaram guerreando para tomar as posses de quem já vive nela há séculos. E entre estes portugueses desembarcaram mercadores, pescadores, agricultores, criminosos e condenados ao exílio. Além do mais, trouxeram canhões e armas de fogo. Percebe a intenção? Em meio a tudo isso, já foi escrito sobre o trabalho escravo nos engenhos, e indo além, muitas índias foram estupradas, outras tornaram companheiras e esposas dos portugueses.

Esta história não poderia ser uma aventura. Era uma guerra colonizadora. Muitos reforços de Portugal chegaram ao Brasil para combater os nativos. As tribos já eram organizadas aqui em suas próprias terras. Não existia esse negócio de acordos entre amigos ou aliados. Não havia aliados. A colonização resultou em lutas e mortes.

Apesar de toda tragédia, os nativos resistiram o quanto puderam para garantir a continuação de suas vidas nas tribos dos Aimorés, dos Tamoios, dos Tupiniquins, dos Tupinambás, entre tantos, no reino de Pindorama.

Mem de Sá, segundo alguns escritos, tentou apaziguar os conflitos no tocante à escravidão indígena. Teria sido isto mesmo a verdadeira intenção? Expulsou os franceses do Rio de Janeiro. Transferiu gente para São Paulo. Conviveu com os problemas da peste e da fome na Bahia e deu continuidade às entradas e bandeiras, explorando assim as terras em busca de ouro para o reino de Portugal. Esta era a sua missão, numa fala de muitos que preferem dizer que foi uma “conquista” o ato colonizador, desde quando ensinaram que Pedro Alvares Cabral “descobriu” o Brasil. Esqueceram da vida dos povos originários que chegaram primeiro ao Continente Americano, visto pelos navegadores Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio.

A partir daqui o caminho que segue não será mais o mesmo, com certeza. Já dizia Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Mahatma Gandhi também deu a sua contribuição ao dizer: “Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”.





15 – FILIPE II, REI DA ESPANHA

 

“iam e vinham, de nação em nação, de um reino para um povo diferente. Ele não deixou que ninguém os oprimisse e por causa deles, até reis castigou: “Não toquem nos meus ungidos, não maltratem os meus profetas!””(Sl 105, 13ss).

 

Filipe II, rei da Espanha, configura um cenário histórico de 60 anos que ficou conhecido como União Ibérica, isto é, trata-se de um domínio espanhol de 1580 a 1640, que representou a união dos reinos da Espanha e de Portugal através da coroação de Filipe II como rei de Portugal no período da colonização do Brasil. As posses pertencentes ao Império Português passaram a ser controladas pelo Império Espanhol.

Este fato repercutiu no Brasil e não aconteceu à toa e não sem resistência. A travessia deste acontecimento deve lembrar a crise da dinastia portuguesa diante de uma guerra quando aconteceu a morte do rei. Isto mesmo. Por causa desta situação, quando o rei D. Sebastião desapareceu durante uma batalha entre portugueses e marroquinos. A morte do rei foi anunciada, e com isto, um impasse ficou para ser resolvido. Quem iria assumir o trono do rei se não tinha herdeiro? Por este fato, e em nome da aliança luso-hispânica, Filipe II foi coroado rei para as duas as nações, Portugal e Espanha.

Sabendo que o Brasil era colonizado pelos portugueses, Filipe II deixou a administração colonial deste território nas mãos dos lusitanos. Entre outras decisões, houve o fim do Tratado de Tordesilhas que dividia as terras brasileiras entre portugueses e espanhóis, fazendo com que ambos pudessem ter acesso livre a novos territórios. O que antes era chamado de Pindorama, a terra livre dos males, cada vez mais ia crescendo no processo civilizatório e colonizador.

Com o passar do tempo, os conflitos entre estes dois reinos aumentaram pelo mesmo motivo de colonização de terras e povos nativos. Estes conflitos expandiram envolvendo paulistas, jesuítas e índios.

Os povos originários sempre estiveram presentes na história do Brasil. Lamentavelmente, ignorados de seu protagonismo e tratados como rebeldes, como mão de obra escrava até a morte. Contudo, não há dúvida de que a sua resistência e luta possibilitaram limites em toda região brasileira, frente aos exploradores portugueses. O sangue e a cultura indígenas estão em nossa vida, bem como, a mesma genética africana. Não é a visão eurocêntrica dos colonizadores que fará sucumbir esta memória, e que, muitos ainda hoje, defendem uma política de dominação em nome de Deus, da família, da pátria e da liberdade. É preciso ter muito cuidado com quem usa estas palavras na modernidade, e que se sustentam nesta política religiosa como verdadeiros opressores. Fica aqui a reflexão.

Além disso, cabe lembrar que a nossa descendência é fruto também das mulheres nativas, e por meio destas mulheres ativas e das tribos dos povos originários, a sua cultura foi ensinada e transmitida através da música, da culinária, das festas populares, do artesanato e da própria língua. Na memória do sociólogo Gilberto Freyre se diz: Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós”. Ainda hoje praticamos hábitos indígenas como andar descalço, dormir de rede, pescar e caçar, alimentar-se com mandioca, farinha, beiju, além das crenças nas rezas com plantas com eficácias medicinais.





16 – LEVANTE DOS TUPINAMBÁS

 

“Proclamem a glória do teu reino e falem das tuas façanhas..." (Sl 145, 11ss).

 

Nos contos do reino das terras de Pindorama, no mundo comum entre os nativos, os caciques são reconhecidos por sua valentia e coragem como líderes ou chefes políticos que exercem grande poder, são como reis de um grupo ou tribo no meio onde vive.

Foi neste reino de Pindorama, entre os anos de 1617 e 1621, que aconteceu o Levante Tupinambá ou a Revolta dos Tupinambás, liderado pelo cacique Tuxaua. O fato ocorreu quando a tribo foi ameaçada pelos colonizadores portugueses que exploravam a mão de obra dos índios e das índias tornando-os seus escravos nas regiões do Maranhão e do Pará. Tuxaua reuniu diversos grupos indígenas de toda a região do Pará movimentando assim uma série de levantes contra o Forte do Presépio dos portugueses, às margens do rio Guamá.

Numa noite estrelada, ao som dos ventos uivantes e latidos longínquos dos cães, na obscuridade de um chamado para ver o céu limpo, Tuxaua acordou inquietante na madrugada para contemplar o firmamento e pedir uma resposta ao Grande Espírito, em meio a sua concentração voltado aos problemas da tribo. Neste ar contemplativo, Tuxaua se deparou com uma visão atordoante de uma guerra. Não demorou muito tempo, a cacique Kawany, nome que significa “guardiã dos segredos”, esposa de Tuxaua, apareceu prontamente com um manto sagrado, o símbolo da memória e da resistência do povo indígena Tupinambá, e cobriu os ombros do marido e perguntou o que ele estava sentindo. O manto que serve para aquecer e proteger o cacique, iluminou a mente nativa e como resposta os dois se abraçaram e se beijaram.

Considerando a história à luz dos povos originários, o território brasileiro foi todo invadido por portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, fazendo deste chão Capitanias (divisão das terras entre Portugal e Espanha), depois passaram a gerenciar as terras nativas por meio de uma administração conhecida por Feitorias que representavam os interesses comerciais, político-militar da Coroa do império colonial português, escravizando índios e negros. De fato, os nativos capturados eram escravizados, torturados e obrigados aos costumes culturais e religiosos, tendo o apoio de missionários franciscanos e jesuítas.  É claro que isto daria muitas revoltas, e entre tantas, uma destas deu no levante dos Tupinambás.

Tuxaua conhecendo a estratégia dos invasores motivados pela exploração da Amazônia e pela escravização indígena, preparou junto com Kawany um plano de luta contra esses dominadores. Vários conflitos ocorreram entre os portugueses e os tupinambás. Nestas revoltas foi descoberto que muitos indígenas estavam sendo usados como tropas inimigas dos seus conterrâneos. Além disso, o Forte do Presépio português era muito bem equipado com armas de fogo e canhões e a luta travada foi a mais sangrenta e longa de todas a ponto de destruir as tribos resistentes e centenas de índios foram mortos. O líder indígena Tuxaua foi morto pelos portugueses. O cacique do manto sagrado e o seu povo foram massacrados e violentados pelo poder da imposição do reino lusitano.

Muitos outros movimentos de resistência indígena aconteceram ao longo da história tendo em vista a retomada ancestral do território sagrado dos povos originários. Neste sentido, os rituais de retomada e as orações nativas ecoam na terra e no céu, anunciando e convocando todos e todas para a luta de libertação integral, promovendo a paz entre os povos, como o apelo da oração indígena: “Oh! Grande Espírito, cuja voz eu escuto nos ventos, e cuja respiração dá vida a todo o mundo – escute-me.”.





17 – MAURÍCIO DE NASSAU

 

“... a minha mão alcançou os reinos dos ídolos vãos” (Is 10,10).

 

Maurício de Nassau foi um militar alemão de formação protestante, governador holandês de Pernambuco que ocupou o cargo de governador-geral da colônia holandesa no Brasil, entre 1637 e 1643. Chegou ao Brasil com doze navios e dois mil e setecentos homens, entre os quais, cientistas, teólogos, arquitetos, médicos e pintores. Restaurou engenhos com empréstimos e restabeleceu a produção de açúcar na região nordeste. Em Recife, transformou numa capital moderna. Construiu a cidade de Maurícia em homenagem ao seu nome. Drenou terrenos, construiu canais, pontes e palácios.

Diante de reinos poderosos encontramos as guerras. Os holandeses começaram a investir em colônias na América se apropriando da produção de açúcar e do controle de postos de comércio de escravos na África. Foi assim que aconteceu em Salvador da Bahia, um grande ataque holandês, uma batalha de um ano.

Depois desse fato, os holandeses atacaram Olinda com 65 embarcações e mais de sete mil homens. Desta forma dominaram também a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

Maurício de Nassau entrou neste contexto de luta. Organizou as guardas de Recife e da Paraíba para reforçar a tropa e partiu com uma frota naval de 36 embarcações, com mais de três mil europeus e contando também com mil índios. Assim começou o ataque contra a Salvador. Nesta noite de batalha o invasor perdeu 300 homens e resolveu retirar sua tropa de campo. Percebeu que seu exército estava desfalcado por doenças tropicais e perdas de homens em combate.

Depois de ter reclamado das dificuldades e ter solicitado ajuda, Nassau recebeu reforços de mais de seis mil soldados e mais de quarenta navios de guerras para manter o domínio no litoral brasileiro. Deste modo, o domínio holandês no Brasil atingiu o seu auge. A ocupação militar consolidou nos espaços de Pernambuco, Ceará, Sergipe e Maranhão. Com relação a Bahia, a resistência foi maior e fracassaram.

Mesmo tendo um governo conciliador e tolerante com alguns grupos, depois de sete anos, Nassau enfrentou divergências entre o seu governo e a Companhia das Índias Ocidentais, que era o nome das organizações comerciais criadas para explorar os continentes africano e americano. Estas divergências levaram o fim do mandato de Nassau e o seu retorno para a Europa. Sua visão de explorador e colonizador cobiçava também atacar Buenos Aires.

Ao partir para a sua terra natal, Nassau avistava os frutos da terra de Pindorama. A riqueza acumulada concentrava-se em milhões e sua bagagem ocupava dois navios com coleções, barris de conchas e seixos, botijas de farinha de mandioca, toras de pranchas de pau-santo, trinta cavalos pernambucanos, frutas confeitadas e abacaxis, e até dentes de elefante, sinal da comercialização das presas de marfim entre Angola, Brasil e Portugal. Entre as suas coleções estava os quadros com as pinturas do artista holandês Albert Eckhout. Em suas telas estavam estampados a representação do homem negro e da mulher negra, do home tupi e da mulher tupi. Os quadros mostravam a pintura sobre os indígenas brasileiros na visão de um pintor calvinista europeu. O Tupi era visto como um indígena a ser civilizado e cristianizado sendo integrados às atividades coloniais. Homens e mulheres originários da terra das palmeiras eram tratados como submissos aos forasteiros do além-mar. A mão do pintor mostrava na beleza da arte uma natureza agressiva e seca. Observava-se também membros decepados na tela retratando o ritual antropofágico e ignorado na visão europeia que confundia com o canibalismo. Assim, partiu Nassau sobre o Atlântico, vislumbrando os quadros do reino de Pindorama.

Vale lembrar aqui a participação de Clara Filipa Camarão que foi uma nativa potiguara brasileira, da região de Natal, catequizada por jesuítas juntamente com seu marido, Filipe Camarão. Participou de batalhas durante as invasões holandesas em Olinda e Recife, liderando um grupo de guerreiras nativas.





18 – INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA

 

“Eis um tumulto nos montes, semelhante ao de um povo imenso vozeiro agitado de reinos, de nações reunidas: é Iahweh dos Exércitos a passar revista o exército para a guerra.” (Is 13,4).

 

A Insurreição Pernambucana ou a Guerra da Luz Divina, como era conhecida, foi um movimento português contra a dominação dos holandeses na Capitania de Pernambuco, entre os anos de 1645 a 1654, culminando com a invasão desses outros colonizadores na região Nordeste do Brasil. Este fato favoreceu o poder colonizador dos portugueses.

A vida comum entre os nativos já não era mais a mesma. As gerações já eram outras e os costumes tinham passados por um processo de enculturação ao longo dos anos. Os ensinamentos dos ancestrais ficaram resguardados entre as tribos que resistiam as lutas dos invasores.

Entre outros fatores que causaram a Insurreição Pernambucana, encontrava-se as dificuldades nos engenhos de cana-de-açúcar por conta das pragas e da seca, e pela exploração comercial dos colonizadores que enriqueciam o mundo capitalista europeu.

A reação dos nativos e africanos sobre os colonizadores não se comparava a força bruta e bélica que era imposta contra esses povos indefesos.

Entre os militares portugueses que organizaram a rebelião contra os holandeses, estava o conhecido Filipe Camarão, educado por jesuítas, foi também chefe dos índios potiguares, e tinha influência com os colonos afrodescendentes, os filhos de escravos africanos. Isto uniu força, e com o reforço vindo de Portugal com mais de dois mil soldados, a rebelião disparou em duas batalhas. As tropas portuguesas, mesmo em desvantagem, usaram a arte da guerra, e durante a noite, cercaram os inimigos holandeses que sem poder recuar, foram derrotados. O confronto resultou em várias ocupações, centenas de mortes, muitos feridos e prisioneiros. Filipe Camarão morreu na batalha.

Após a Insurreição, o rei de Portugal, D. João IV, criou uma Companhia do Comércio do Brasil para retomar a vida econômica de Pernambuco. Com esta Companhia, o rei enviou dezenas de navios de guerra e mercantes armados. Os holandeses e os portugueses assinaram um acordo de paz. Mas a paz para com os nativos e afrodescendentes não era bem um acordo. A história tem muito a dizer sobre a vida entre os povos originários e os colonizadores. De um lado, a vida comum com a natureza. Do outro, a exploração em nome da civilização urbanizada.

Aqui temos muito o que pensar no tocante ao papel dos colonizadores em terras alheias e que tem dono. Assim como os portugueses ou holandeses ou outro povo, tem o direito e a liberdade de viver, da mesma forma os povos originários do Brasil tem o mesmo direito de resolver a sua vida da melhor forma possível e de decidir como evoluir no processo de seu próprio desenvolvimento. O problema da relação humana consiste em um querer dominar o outro. Um grupo começa cercando uma terra e se torna dono. Vem outro querer tomar esta terra e faz uma guerra pelos objetivos até de outros grupos aliados, criando uma política de dominação em torno de um território, das riquezas naturais e do povo local. Assim vemos as nações poderosas que se aliam e se fortalecem para dominar o mundo. E até em nome da paz se faz a guerra. Nações mais pobres com um complexo de situações difíceis, convivendo com um progresso de um pequeno grupo elitista que sobrepõe a toda população a miséria e a fome, sobrevive relutando por justiça e paz. Não deveria ser assim.

 




19 -  A REVOLTA DOS BECKMAN

 

“Por ventura é este o homem que fazia tremer a terra, que abalava reinos?”(Is 14,16).

 

Durante o período colonial brasileiro, quando os portugueses dominaram as terras dos povos originários e escravizaram junto com os africanos, exploraram o pau-brasil para comercializar na Europa, depois continuaram com a escravidão sob a produção da cana-de-açúcar, e no decorrer da história, enriqueceram mais ainda com o ciclo do ouro, tendo a participação dos exploradores bandeirantes. Além disso, aconteceu no estado do Maranhão, a Revolta dos irmãos Backman, em 1684, causado pelo descontentamento contra o monopólio e privilégios dos empresários e comerciantes.

Vamos adiante, contando a história nos contos do reino.

Conhecendo um pouco os antecedentes históricos, podemos perceber que o Maranhão era uma imensa região que se unia ao Ceará, Piauí, Pará e ao Amazonas, e era subordinado ao Reino de Portugal. Tal subordinação relacionava-se à produção agrícola, e em destaque, à produção de açúcar, não se importando com a população que sobrevivia em extrema pobreza.

Diante de uma crise econômica, os comerciantes locais foram prejudicados pelo monopólio estruturando pelo reino português. Os proprietários de terras queriam ganhar mais. Os compradores de escravos indígenas reclamavam das leis que proibiam a escravidão dos nativos. A população protestava contra a falta de alimentos e os elevados preços dos produtos. Tudo isso provocava uma revolta.

Passaram-se alguns meses, o governador estava ausente numa visita em Belém do Pará, era o dia de Nosso Senhor dos Passos, um festejo religioso em memória ao trajeto da morte de Jesus, a rebelião já vinha sendo preparada, e a revolta aconteceu sob a liderança dos irmãos Manuel e Tomás Beckman, senhores de engenho na região, além de outros proprietários e comerciantes.

Os rebeldes tomaram o Corpo da Guarda em São Luis e a revolta de Beckman foi consolidada. Para oficializar suas decisões, organizaram uma cerimônia na Câmara Municipal formando uma Junta Geral de Governo com representantes de latifundiários, do clero e de comerciantes. Entre suas decisões estava o afastamento do governador e a extinção da Companhia de Comércio.

Algumas negociações foram tentadas para negociar acordos entre o governo local e o reino de Portugal. Mas foi em vão. Os irmãos Beckman terminaram sendo presos e julgados entre os revoltosos. A reação do reino português não foi menos do que uma frente efetiva de militares no combate aos revoltosos. Manuel Beckman foi julgado como líder da revolta e recebeu como sentença a morte pela forca. Os demais revoltosos foram condenados à prisão perpétua. Conta a história que Manuel Beckman antes de morrer fez a sua última declaração dizendo: “Morro feliz pelo povo do Maranhão!”.

Assim como os passos de Jesus, a história também segue os seus passos. O que foi vivido foi contado. Hoje temos situações similares em que a população em sua pobreza continua gritando na voz de revoltosos mais carentes.

“Uma pesquisa do IBGE coletada em 2019, e divulgada no final de 2020, mostrou que 11,8 milhões de pessoas viviam abaixo da linha da pobreza na região e 3,6 milhões de pessoas viviam em extrema pobreza. No Maranhão, estava nessa condição 52% da população. No Amazonas eram 47%, e no Pará, 44%. Juntos, os Estados abrigavam 9,4 milhões de pessoas vivendo na pobreza”.

(https://cultura.uol.com.br/cenarium/2021/12/04/182650_maranhao-e-amazonas-lideram-extrema-pobreza-no-pais-indica-ibge.html).





 20 -  DOMINGOS JORGE VELHO

 

"... reino contra reino." (Is 19,2).

 

Domingos Jorge Velho, foi um bandeirante paulista, mestiço, caçador de índios, destruidor de aldeamentos e de negros fugitivos, atuante nos estados do Piauí, Ceará e Paraíba, liderou as tropas que destruíram o Quilombo dos Palmares, no ano de 1695, situado na Serra da Barriga, onde hoje está a cidade de União dos Palmares em Alagoas. Foi considerado um mestre de campo, pois exercia um comando de um regimento para combater os nativos e aniquilar as comunidades quilombolas.

As ações de Jorge Velho consistiam em atacar e destruir o Quilombo, a maior organização de libertários de toda a América, formado por várias aldeias que contava com mais de 50 mil pessoas, entre escravizados, indígenas e pessoas vindas do norte da África.

  O combate ao quilombo dos Palmares aconteceu quando o governador de Pernambuco, João da Cunha, angustiado com a incapacidade dos governos anteriores e sem uma guarda militarmente armada para aniquilar os acampamentos dos escravos, contou com a estratégia do bandeirante Jorge Velho e seus companheiros de luta, entre eles havia também vários índios submissos. Jorge Velho combateu e derrotou vários índios janduís na região do Rio Grande do Norte.

Os bandeirantes já tinham a prática de explorar territórios indígenas em favor dos proprietários de terras da região Nordeste do Brasil. Perceba como alguém hoje chegou a ser um grande latifundiário. Foi assim que Jorge Velho ficou famoso. O objetivo era acabar com os nativos e invadir e se apropriar do espaço dos povos originários para criar boi. Esses exploradores disseminaram o terror na vida dos nativos para defender a hegemonia branca, eurocêntrica e cristianizada nas terras brasileiras. Foi neste contexto que Jorge Velho chegou a ser contratado com a sua tropa para dizimar os escravos resistentes à colonização portuguesa e que formaram o Quilombo dos Palmares. Em troca e com exigência, ganhou terras, perdão pelos crimes cometidos, e 1/5 dos indígenas aprisionados. O acordo foi feito.

A organização e a resistência dos africanos no Brasil colonial foram frutos de uma história de quase um século numa luta contínua em favor da vida e da liberdade. Não foi à toa que os rivais investiram em vinte e cinco expedições para destruir Palmares. Mesmo assim, não conseguiram abater a organização. Somente com a tropa de Jorge Velho que contava com nove mil homens, mais o apoio da tropa pernambucana, é que o fim dos Palmares foi consumado.

Depois de quatro anos de luta contra os escravos, o algoz e cruel bandeirante e a sua tropa, conseguiram derrotar o Quilombo finalizando a batalha com a morte de Francisco Zumbi dos Palmares. Sua cabeça foi cortada e enviada para Recife. No total, mais de 15 mil quilombolas lutaram ao lado dos Palmares. Dandara dos Palmares foi uma guerreira negra que dominava a caça, a agricultura e técnicas de capoeira e lutou junto com sua comunidade. Depois de ser presa, cometeu suicídio se jogando de uma pedreira ao abismo para não retornar à condição de escrava. Zumbi dos Palmares foi seu marido e com ele teve três filhos.

Continuando a missão sangrenta do bandeirante, Jorge Velho recebeu mais outra tarefa do ex-governador geral do Brasil, Matias da Cunha, para dominar e catequizar os índios do Maranhão, Ceará e de Pernambuco, chegando a guerrear contra a Confederação dos Cariris.

Ainda hoje encontramos em Palmares e por todo o Brasil registros de escravidão. “STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirma condenação por trabalho escravo em cidade que homenageia Palmares. Caso envolve 241 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em duas usinas em Pernambuco.”.

(https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/03/stj-condenacao-trabalho-escravo-palmares/).


 



  21 – A MIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA MINAS GERAIS

 

"Ele estendeu a mão sobre o mar, fez tremer os reinos..." (Is 23,11).

 

Nos contos do reino temos a história da migração portuguesa nas terras de Minas Gerais. Aqui a narrativa da migração traz o motivo da exploração do ouro. Isto mesmo. O território mineiro era ocupado por nativos, mas os portugueses guerrearam e dominaram os povos, a terras e toda riqueza.

A corrida pelo ouro foi e continua sendo a motivação dos gananciosos. Tendo em vista os motivos dados pela crise econômica em Portugal, as dificuldades do regime monárquico e a corrupção administrativa, os colonizadores, inicialmente, começaram a exploração do pau-brasil e da cana-de-açúcar, depois avançaram pelos campos em busca de ouro. Assim, os irmãos bandeirantes, capitão João Lopes e o padre Manuel Lopes, foram exploradores do ouro em Minas Gerais no ano de 1705.

Este padre Manuel Lopes, logo foi nomeado pelo governador como oficial de comando (guarda-mor) das Minas, sabendo da incumbência de continuar a exploração do ouro em toda região. Esta era a preocupação do Rei de Portugal ao enviar cartas ao Brasil proibindo aos governadores o comércio entre a Capitania da Bahia e Pernambuco e também com as “minas de São Paulo”. Não era permitido a entrada de mais gente para as Minas. A Corte pensava monopolizar tentando resolver as fraudes que havia na comercialização do ouro. A questão era mais complexa. De fato, como fiscalizar uma região tão vasta, sem ter funcionários, sem soldados e tão deserta? Diante das circunstâncias, houve muitos infratores que foram presos, deportados e confiscado sua fazenda. A situação chegou ao ponto de fechar as minas.

Minas de Ouro não tinha uma estrutura judiciária e o atendimento jurídico vinha do Rio e de São Paulo para uma visita restrita em alguns territórios. Os representantes da Bahia se revoltaram contra este tipo de estrutura e o comércio proibido entre o Sudeste e o Nordeste brasileiro. Depois de alguns anos é que os governos de São Paulo e Minas de Ouro montaram uma nova estrutura administrativa e judiciária para atender as conveniências entre as regiões, criando comarcas, mas ainda não se entendia ao Nordeste.

Artur de Sá Menezes, governado da capitania do Rio de Janeiro, criou um imposto sobre o ouro, conhecido como o Quinto. Era um imposto cobrado pelo Reino de Portugal sobre o ouro encontrado em suas colônias, correspondia a 20% do metal extraído. A cada quilo de ouro, um quinto desse valor era para pagar o imposto. As fraudes não deixaram de existir. Os conflitos pelo ouro aumentaram. Houve muitas invasões pelas terras mineiras. O reino português resolveu abolir as ordens proibitivas. Com essa política aumentou as intrigas entre pessoas de regiões diferentes.

Durante muito tempo os colonos viveram em função de um comércio que negociava açúcar, farinha, tecido, rede, trigo, couros e carnes, aguardente, feijão, arroz, armas, sal e outros produtos europeus, além de venderem escravos. Nesta mesma sociedade desenvolveu o contrabando. O avanço comercial passou a ser o ouro e assim elevou a cobiça.

No Brasil atual, “Em plena pandemia, extração de ouro aumenta na Amazônia. Estudo revela que 29 toneladas de ouro foram extraídas no Brasil apenas nos quatro primeiros meses de 2020. Com a alta na cotação do ouro, o valor das exportações cresceu 15% em relação a 2019 e ultrapassou a marca de US$ 1,2 bilhão. Quatro dos dez municípios com maior volume de extração de ouro ficam na Amazônia, dominados por grandes multinacionais e donos de garimpo de larga escala. Esses municípios, localizados no Pará, Maranhão, Amapá e Mato Grosso, colecionam conflitos socioambientais com povos indígenas e comunidades tradicionais.”.

(https://brasil.mongabay.com/2020/07/em-plena-pandemia-extracao-de-ouro-aumenta-na-amazonia/#:~:text=Estudo%20revela%20que%2029%20toneladas,US%24%201%2C2%20bilh%C3%A3o.)





22 – GUERRA DOS EMBOABAS


“Já não haverá nobres que proclamam a realeza; os seus príncipes desaparecerão.” (Is 34,12).

 

A Guerra dos Emboabas aconteceu no período de 1707 a 1709 entre paulistas e estrangeiros pela disputa das minas de ouro, região que hoje pertence ao estado de Minas Gerais. Depois da crise da produção de açúcar no Nordeste do Brasil, O Rei de Portugal aumentou as expedições para o interior do Brasil para explorar ainda mais os metais preciosos.

O vocábulo “emboaba” traz um significado tupi que quer dizer “pássaro de pés emplumados” e foi utilizado para representar os forasteiros porque usavam botas e que chegaram depois na região.

Os bandeirantes exploraram primeiro a região das minas e reclamaram por exclusividade ao território aurífero. Com a descoberta do ouro, milhares de pessoas chegaram para fazer a mesma exploração. Este grupo era formado por portugueses e migrantes nordestinos, chamados de “emboabas”, liderado pelo radicado baiano Manuel Nunes Viana. Os bandeirantes paulistas eram apelidados de “nômades”, “bandoleiros sem lei”, e formavam um grupo liderado por Borba Gato, um hábil administrador e símbolo da escravidão paulista. Segundo os escritos da história, Borba Gato chegou a massacrar índios e estuprar índias, foi acusado de assassinato e enriqueceu explorando ouro em Minas Gerais. Terminou sendo isento das acusações e não foi punido por ser muito rico. Por conta desta exploração do ouro em Minas, houve vários conflitos entre esses dois grupos, além dos preços altos dos mantimentos, e a reação dos criadores de gado, como outras causas da guerra.

Mais de 50 mil pessoas foram em buscam do ouro em Minas. A briga pelo direito de território do ouro foi crescendo e a população também. Assim, foi aumentando o povoado pelas regiões entre paulistas e emboabas como dois grupos rivais.

Alguns acordos foram tentados entre esses dois grupos, mas sem resultado. Os emboabas criaram uma estratégia para desarmar os paulistas e começaram a controlar duas áreas de mineração mais importantes.

Entre um ataque e outro, os emboabas conseguiram sobrepor perante os paulistas que eram minoria. Contudo, os paulistas partiram para novas explorações do ouro que descobriram nas regiões do Mato Grosso e Goiás. Por fim, o governo português procurou melhorar a administração na colônia na região das minas, criando a Capitania das Minas de Ouro e passou a controlar a mineração com mais proximidade.

Atualmente, podemos ler na mídia as notícias relacionadas as explorações de minério. Vejamos.

“Mineração em Minas Gerais: um cenário de desenvolvimento e impactos. A mineração é responsável pelos mais graves desastres ambientais em Minas, ao mesmo tempo em que gera parte substancial das riquezas de mais 50% dos municípios”.

Uma das consequências desse ciclo de superprodução do minério e a pressão sobre as barragens foram os tristes acidentes de Mariana (05/11/2015) e de Brumadinho (25/01/2019). O rompimento das barragens de rejeitos do Fundão (Samarco) e do Córrego do Feijão (Vale S.A), respectivamente, ceifaram a vida de centenas de pessoas.  O rompimento da mina do Córrego do Feijão é considerado o maior desastre em número de vidas humanas promovido por uma barragem na história do Brasil e do mundo

(https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/2022/01/08/noticia-sueli-vasconcelos,1336332/mineracao-em-minas-gerais-um-cenario-de-desenvolvimento-e-impactos.shtml).





23 – CIDADE DE SÃO CRISTÓVÃO EM SERGIPE


"... tu és o único Deus de todos os reinos da terra; tu criaste os céus e a terra." (Is 37,16).

 

São Cristóvão é um município de Sergipe de grande valor histórico, fundado pelo capitão português Cristóvão de Barros, quando Portugal estava sob o domínio do Rei da Espanha, Filipe II, e esta cidade ainda conserva muitas ruas e edificações do período colonial, e é considerada um monumento nacional.

A história da cidade de São Cristóvão remonta desde 1590 quando no período das capitanias hereditárias foi a primeira capital da Capitania de Sergipe até 1855, ano em que Aracaju passou a ser a atual capital.

Os espanhóis tinham a intenção de construir uma estrada que ligasse a cidade mãe de Sergipe, São Cristóvão, aos demais estados do Nordeste. Após anos de conflitos e guerras por questões políticas e econômicas sobre as explorações territoriais, a cidade foi destruída e ficou em ruína.

No ano de 1710 São Cristóvão foi invadida por habitantes de Vila Nova, hoje conhecida por Neópolis, da região norte de Sergipe. O motivo da invasão era a revolta pela a cobrança de impostos vinda de Portugal. Com o passar dos anos, a cidade foi reconstruída. Sergipe estava anexada à Bahia e por decreto de Dom João VI, em 1820, o Estado de Sergipe ficou independente e São Cristóvão tornou-se a capital.

Diante da realidade econômica, os senhores de engenho começaram a liderar um movimento tendo como objetivo transferir a capital para outra região que atendesse a comercialização açucareira. Para tanto, era necessário um porto com a capacidade de embarcações de grande porte que facilitasse o mercado. A partir desse movimento, Aracaju passou a ser a nova capital. Já a cidade de São Cristóvão sofreu com o êxodo da população e consequentemente uma crise prejudicando seu próprio desenvolvimento. Apesar disso, a solução de seu progresso veio no século XX com a construção de fábricas de tecidos e da via férrea.

Não bastasse as perdas sobre São Cristóvão, outro golpe ocorreu, quando sofreu a perda da sua área litorânea para Aracaju. O território sancristovense passou a conviver com as tensões em seus limites restritos.

Apesar de tudo, São Cristóvão dispõe da Praça São Francisco, tombada como Patrimônio Mundial da Unesco, com uma arquitetura barroca que marcou os séculos 17 e 18. O conjunto arquitetônico da igreja e convento São Francisco incluindo mais de quinze prédios tombados pelo Patrimônio Histórico e Cultural na parte alta da cidade. O Museu Histórico e o Museu de Arte Sacra com mais de quinhentas peças. O Museu da Polícia Militar do Estado de Sergipe, criado em 1969, transferido para São Cristóvão em 2012. A Casa do Folclore. O monumento do Cristo Redentor com quase cem metros de altura construído em 1599. A culinária regional com uma gastronomia que envolve a famosa “queijadinha de São Cristóvão”, um doce típico português que se encontra na Casa da Queijada, com opções de vinhos, licores, balas e biscoitos.

Quero deixar registrado também outra descoberta de grande valor. Trata-se de uma tese de doutorado em geografia por Rafael Henrique Teixeira da Silva, pela Universidade Estadual Paulista, com o tema: “ Patrimônio e Poética em São Cristóvão (SE): Entre a Razão e a Imaginação”, do ano de 2018, que defende em seu terceiro capítulo, “por uma poética do patrimônio” que diz: “... caminhar no sentido da busca pelas manifestações do patrimônio no espaço geográfico de São Cristóvão. Fomos à procura do patrimônio revelado nas geograficidades, na cumplicidade do homem com a Terra, nessa relação intrínseca que aflora no correr mundo adentro. A composição das experiências consideradas na Tese constitui-se de nossas vivências, de relatos da população local e de imersões na literatura e outras expressões artísticas de São Cristóvão. Nesse sentido, visamos as ações individuais ou coletivas do ser humano – sobre si e sobre o mundo – nas quais o mesmo adquire consciência de sua existência.”

(file:///C:/Users/Usuario/Desktop/silva_rht_dr_rcla_int.pdf).

 

 



 24 – GUERRA DOS MASCASTES EM PERNAMBUCO

 

“Mas agora, Iahveh nosso Deus, salva-nos da sua mão, a fim de que todos os reinos da terra saibam que só tu, Iahveh, é Deus.” (Is 37,20).

 

A Guerra dos Mascaste foi um combate que aconteceu na Capitania de Pernambuco entre os anos de 1710 e 1711, envolvendo os fazendeiros de Olinda, que era a principal cidade, e os comerciantes de Recife, para conseguir o domínio político e econômico desta Capitania.

Depois da expulsão dos holandeses em 1654, os fazendeiros de Olinda passaram por uma crise financeira para reconstruir seus engenhos, e para recompor suas perdas, resolveram aumentar os impostos, consequentemente, os comerciantes de Recife que não estavam com dificuldades financeiras, foram atingidos.

Os senhores de terras e de engenhos pernambucanos de Olinda - os aristocratas rurais - e os comerciantes recifenses, considerados os portugueses da metrópole, - os mascates - vendedores de porta em porta, confrontaram-se, porque pensaram que fazendo contenda, iriam resolver os problemas da crise econômica da região, decorrente da baixa do açúcar no mercado internacional e pela concorrência. Tal situação afetavam os ricos senhores de engenho de Olinda que perdiam seus lucros e por isso entraram em decadência. Diante da crise agrícola, os latifundiários começaram a pedir dinheiro emprestado aos mascates de Recife que tinham condições para emprestar, e estes cobravam juros muito altos, e assim, endividavam cada vez mais os olindenses.

 O rei de Portugal, atendendo ao pedido dos comerciantes de Recife, promoveu a cidade à condição de capital de Pernambuco. Depois da Carta Régia que Recife recebeu tornando-a uma cidade capital e sendo formada por comerciantes bem-sucedidos, estes mascates resolveram inaugurar um Pelourinho e o prédio da Câmara Municipal, formalizando a separação entre Recife e Olinda.

     Os senhores de engenho não aceitaram a emancipação político-administrativa de Recife. A separação entre as duas cidades causou a revolta dos senhores de Olinda. O proprietário de engenho Bernardo Vieira de Melo, conduziu a rebelião. No primeiro momento, os aristocratas de Olinda invadiram Recife, demoliram o Pelourinho e libertaram os presos. Os recifenses não resistiram e fugiram. Depois, houve uma reação militar de Recife, junto com o apoio de outras capitanias contra os revoltosos de Olinda, que foram derrotados e presos. Os mascates invadiram Olinda, incendiaram prédios, destruíram vilas e engenhos.

No decorrer da história, a aristocracia rural de Olinda refugiou-se em seus engenhos. Enviaram algumas exigências ao rei Dom João V querendo assegurar benfeitorias para os proprietários de Olinda e que Recife não fosse elevado à condição de Vila. Recife foi elevado à sede administrativa de Pernambuco, reconstruiu a Câmara Municipal e o Pelourinho. Era a vitória do predomínio do comércio (capital mercantil) sobre a produção colonial.

Para evitar maiores conflitos na região, alguns foram anistiados e outros fazendeiros foram perdoados das dívidas. Assim, continuou o reino do sistema colonial. Porém, o domínio português sobre os lucros passou a ser uma dificuldade para os colonos. Isto despertou um sentimento autônomo e antilusitano que repercutiu em todo Brasil.

Qual o pensamento crítico dessa história e da ética na convivência social entre os seus sujeitos em seu tempo? Diante de tantas guerras por terra e por dinheiro. Tanta ganância e egoísmo em detrimento da boa convivência e da paz. Como o ser humano é muito prepotente. Até quando a humanidade será desumana?

 



 25 - O GUERREIRO SEPÉ TIARAJU


“Com efeito, a nação e o reino que não te servirem perecerão, sim, essas nações serão reduzidas a uma ruína.” (Is 60,12).


No final do século XV, o Brasil era habitado por tribos seminômades e viviam da caça, da pesca, da coleta de frutos e da agricultura. Os nativos tinham um contato respeitoso e de reverência com a natureza e dependia dela para tudo em sua vida. Não existia cerca dividindo propriedade particular. Tudo era para o bem coletivo. Depois de mais de dois séculos de colonização, a realidade nativa havia mudado consideravelmente. Neste mundo nativo havia um jovem líder guerreiro e guardião de toda a aldeia que recebia os conselhos do cacique e tinha a bênção do pajé, era chamado de Sepé Tiaraju do período entre 1723 a 1756.  Um dos conselhos dado pelo cacique era de nunca aceitar a dominação dos colonizadores europeus em suas terras. A questão é que os colonizadores já haviam invadido o litoral baiano e os reinos de Portugal e Espanha, com o apoio do papa, traziam um documento chamado Tratado de Tordesilhas, mas depois redefiniram como Tratado de Madri, denominando as posses do “Novo Continente” às coroas luso-hispânicas. Sepé tinha que resolver esse problema.

Sepé estava meio confuso com algumas informações fora de seu costume. Era um líder treinado pelos guerreiros Guaranis, mas também tinha algum estudo influenciado pelos missionários jesuítas. Diante desta situação perigosa, Sepé procurou seu mentor espiritual, o pajé Ubirajara, que significa “Senhor da lança”. Sepé escutou o místico conselheiro que orientou organizar um grande movimento com todas as aldeias que era de sua incumbência. Que deveria encorajar os combatentes com estratégia de defesa nos perímetros de todo o povoado. E que diante do inimigo e da morte iminente, a luta em defesa da vida deve continuar.

Os inimigos se aproximavam como vento no meio da floresta. O tempo era outro adversário que não contribuía para que os guerreiros estivessem prontos para a batalha. Os colonizadores invadiam o território nativo com armas de fogo, espadas e facões. O domínio dos colonizadores aumentava pelo ataque do poder de fogo. Os corpos espalhados pelo chão, e o sangue que escorria nos pés de Sepé, fazia pensar nos conselhos do pajé que ecoava no seu ouvido.

 Por um milagre, se é que possa dizer assim, os nativos encontraram uma caverna e se esconderam. Os invasores ficaram à toa pela floresta até retornarem para o alojamento de suas embarcações no litoral. Outras batalhas foram travadas depois dessa. O guerreiro Sepé organizou vários agrupamentos com os cavaleiros de todas as aldeias, mas o poder de fogo colonizador dizimava a vida nativa. A tragédia era grande aos olhos do aguerrido Sepé.

Depois de muitas lutas e mortes de 1500 guerreiros de todo o povoado, Sepé gravemente ferido e capturado, vendo algumas aldeias pegando fogo, percebe o inimigo ao seu lado desprevenido, e num golpe, pega a espada de seu rival e o sacrifica. De imediato, os invasores jogam o líder guarani sobre as cinzas de uma fogueira e arrastaram até aos pés do capitão que lhe tira o último suspiro. Para os invasores a luta era pela exploração da terra. Para Sepé e todas as aldeias, a luta era em defesa da vida na própria terra. A liderança de Sepé significava o caminho para novas lideranças em favor da vida.

O caminho a seguir se entende por uma visão de conquista do lado do dominador. Por ouro lado, os nativos seguem o caminho de volta e retorna as suas aldeias e tenta resgatar a vida normal. Mataram mais um irmão. Mas a partir da morte de um líder nativo que sempre lutou em defesa da sua tribo e da natureza, a aldeia sente ressurgir novos libertadores. Sepé foi considerado entre os seus conterrâneos como um herói, embora não fosse reconhecido pela historial oficial. Sua resistência abençoada pelo pajé ficou na frase consagrada que percute até hoje que diz: “esta terra tem dono”.





26 – FRANCISCO DE MELO PALHETA E O CAFÉ

 

"... entre todos os sábios das nações e em todos os seu reinos, ninguém é como tu!” (Jr 10,7)

 

Existe um conto, melhor dizendo, nos contos do reino, existe uma história que conta sobre os feitos de Francisco de Melo Palheta nos anos de 1727. Foi um militar luso-brasileiro, um sargento que se responsabilizou pelo cultivo do café no Brasil e em Portugal.

Entre as missões de Palheta estava uma secundária, não menos especial, que era de adquirir sementes de café para implantar o cultivo nas terras brasileiras. Nesta missão, o sargento Palheta partiu de Belém do Pará comandando uma expedição seguindo pelos Rios Madeira e Mamoré até chegar na aldeia de Santa Cruz de Cajajuvas, local de uma missão dos jesuítas situado nas terras do Peru. O relato desta viagem consta nas publicações de Capistrano de Abreu.

O café, a “semente de ouro negro”, ainda não era uma produção em Portugal, mas, em 1727, o governador e capitão-general do estado do Maranhão, João da Maia da Gama, determinou para o sargento Palheta a missão de se dirigir para a Guiana Francesa e estabelecer a fronteira, tendo em vista o acordo feito no Tratado de Paz de Utreque de 1713, e evitar a violação francesa deste tratado na divisa territorial às margens do rio Oiapoque.

Conta a história que o Sargento Palheta, um bandeirante da Amazônia, recebeu de forma clandestina da esposa do governador francês Claude d’Orvilliers, algumas sementes de café mais cinco mudas e que a exportação destes grãos era proibida pela França. Tem também a versão de que o governador do Maranhão Maia Gama, certamente sabendo da produção de café, deu uma ordem dizendo que ao encontrar em algum quintal ou jardim onde houver café que desse um jeito de pegar escondido alguns grãos.

O café é uma planta nativa de origem africana das regiões altas da Etiópia, mas foi no Iêmen, na região da Arábia, que começou a ser cultivada. Posteriormente, foi introduzida na América do Sul começando nas terras de Suriname, Guiana Francesa e Jamaica.

O cultivo do café foi desenvolvido aos poucos pelos estados do Maranhão e do Pará. Depois que a família real portuguesa veio morar no Brasil, em 1808, é que a produção de café veio ter grande importância no mercado internacional. Um novo ciclo econômico expandiu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santos e cresceu, tornando o principal produto das exportações de todo o país. A produção de café favoreceu o desenvolvimento do comércio, a criação de cidades, a construção de ferrovias em São Paulo para facilitar a comercialização, tornando a metrópole do café. Era um produto consumido na Europa e nos Estados Unidos.

Olhando na realidade de hoje, percebemos algumas denúncias sobre o café e que merece nossa reflexão histórico-social. Veremos.

Nos últimos anos, a produção de café no Brasil já foi alvo de inúmeros relatórios e denúncias sobre as condições dos trabalhadores assalariados rurais. Informalidade, pobreza e trabalho escravo são alguns dos problemas recorrentes.

Entre 1995 e 2020, foram resgatadas 2.808 pessoas em condição de trabalho escravo contemporâneo nas lavouras de café em todo o país, segundo levantamento da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. E o estado de Minas Gerais foi onde a maioria dos resgastes nas lavouras de café ocorreu. Em 2018, das 210 pessoas resgatadas, 109 eram de Minas. Em 2019, das 106 de todo o Brasil, 105 estavam no estado mineiro. E, no ano passado, todas as 140 estavam em fazendas deste mesmo estado.”.

(https://www.oxfam.org.br/noticias/safra-e-exportacao-de-cafe-batem-recordes-enquanto-trabalhadores-rurais-do-setor-sofrem/#:~:text=Informalidade%2C%20pobreza%20e%20trabalho%20escravo,Subsecretaria%20de%20Inspe%C3%A7%C3%A3o%20do%20Trabalho.)





27 – MARQUÊS DE POMBAL E O FIM DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

 

 “E em toda matéria de sabedoria e de inteligência, sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou dez vezes mais doutos do que todos os magos ou astrólogos que havia em todo o seu reino” (Dn 1,20).

 

As capitanias hereditárias eram as terras do Brasil colonizadas pelo rei de Portugal a partir de 1534, divididas entre donatários portugueses (os novos donos das terras) para administrar principalmente a plantação de açúcar, começando do litoral para o interior, e estas terra eram passadas de forma hereditária.

Sebastião José de Carvalho e Melo, Marques de Pombal, foi um nobre, diplomata e estadista português, Secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I (1750-1777). Defensor do absolutismo, combinando em sua gestão a monarquia com o racionalismo iluminista. Aumentou seu poder nas áreas controladas pelos jesuítas, tomando posse de propriedades da Igreja Católica no Brasil e criando escolas régias leigas, sem o controle religioso. Expulsou os jesuítas do Brasil. Modernizou a administração colonial extinguindo as capitanias hereditárias em 1759; transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro

As capitanias fracassaram, primeiro porque havia resistência dos nativos que são os verdadeiros donos das terras e lutaram o quanto pôde com arcos e flechas, tocando fogo nas plantações em combate ao sistema colonial. Mesmo com a mão de obra escrava africana, a luta foi ainda muito maior e mais resistente, até porque havia mais confronto entre povos. Outro aspecto diretamente ligado aos colonizadores, trata-se da falta de uma boa administração dos donatários e do seu poder centralizador, a falta de recursos e de comunicação no campo local e com o reino de Portugal. Neste contexto podemos acrescentar o desinteresse em um projeto a longo prazo; a questão de transporte e a falta de manutenção para a própria defesa.

Além de todo estas dificuldades, os capitães donatários tinham que repassar 10% dos lucros da exploração colonial, mais 20% de impostos sobre os metais extraídos da terra que correspondia um quinto de toda a produção. Este imposto era tão alto e tão odiado que passou a ser chamado de “o quinto dos infernos”, referindo-se também a tudo de ruim. Quando não dava para pagar o quinto e ficava acumulado, foi criado a “Derrama”, isto é, correspondia a cobrança forçada dos quintos atrasados. Na administração de Marquês de Pombal aumentou a fiscalização sobre a exploração do ouro fazendo uso da “Derrama”. Não era fácil.

Foi assim que a administração pombalina buscou ampliar lucros para Portugal no contexto da economia colonial brasileira, principalmente na região das Minas Gerais, a terra do ouro.

Dando um salto para o século XXI veremos que os governos posteriores criaram mais impostos do que condições dignas de vida. Vejamos uma notícia atualizada sobre os impostos no Brasil.

O Brasil está entre os países com maior taxa tributária do mundo, sendo que 38% (trinta e oito por cento) da economia nacional está destinada ao pagamento de impostos.

Ao todo, entre impostos federais, estaduais e municipais, taxas e contribuições, o Brasil possui uma lista de 92 tributos vigentes que pode ser acessada no site do Portal Tributário.”.

(https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/impostos-federais-estaduais-e-municipais/#:~:text=Ao%20todo%2C%20entre%20impostos%20federais,no%20site%20do%20Portal%20Tribut%C3%A1rio.).





28 – RIO DE JANEIRO – CAPITAL DO BRASIL


“Tu, ó rei, rei dos reis, a quem o Deus do céu concedeu o reino, o poder, a força e a honra;" (Dn 2,37).

 

O tempo passa e com ele as pessoas passam fazendo a história. Em cada história um lugar diferente, uma organização social, uma política, uma cultura, muitas decisões e luta.

Foi assim no tempo do Brasil colonial que se estendeu por mais de três séculos. E foi percebendo nas pessoas o jeito como viviam em cada lugar que passavam, tentando crescer mais na produção econômica do que na condição de vida mais humanizante.

A exploração das terras e das pessoas perseveravam mais do que tudo ao ponto de pensar em evoluir somente no aspecto do crescimento da cidade, a famosa pólis dos filósofos. As pessoas pareciam não perceber a relação existente entre si e a natureza. Na verdade, esta virtude estava presente nas aldeias nativas.

Com o crescimento das cidades e com a exploração da agricultura e principalmente das Minas de ouro, tendo em vista a circulação de mercadorias e de pessoas, o rei de Portugal, D. José I, resolveu transferir a capital de Salvador, fazendo do Rio de Janeiro a nova Capital, como dizia na carta-régia, a “cabeça do Estado do Brasil”, no ano de 1763.

Foi na administração de Marquês de Pombal que em 1763, a “cidade maravilhosa cheia de encantos mil”, como diz na marcha carnavalesca de 1935, o Rio de Janeiro, passou a ser a capital do Brasil, por ter proximidade com a região de Minas Gerais, onde o ouro e as pedras preciosas eram os principais produtos da produção econômica brasileira. O Rio tem em seu litoral um porto favorável para grandes embarcações. Além disso, na época, facilitava com uma estratégia geopolítica e militar portuguesa, contra as tropas espanholas no litoral ainda não muito explorado. Era chamada a Nova Lisboa, a cidade da nova monarquia, um lugar com terreno pantanoso, úmido e com muitos insetos, que perdurou até o ano de 1960, quando Brasília passou a ser definitivamente a nova capital do Brasil.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021, o Rio conta com quase sete milhões de habitantes. É o maior destino turístico internacional do Brasil e do Hemisfério Sul. Consta como um dos principais centros econômicos, culturais e financeiros, representando o segundo maior PIB do país. É o segundo maior polo de pesquisa e desenvolvimento do Brasil. No tocante aos problemas ambientais, existe uma concentração de indústrias na região metropolitana e com isto a cidade tem enfrentado sérios problemas de poluição ambiental. A baía de Guanabara perdeu áreas de manguezal e sofre com os resíduos dos esgotos domiciliares e industriais, como óleos e metais pesados. Desta forma o Rio é apontado como a quinta capital mais poluída do Brasil. Além disso, mais de um milhão de pessoas da cidade ou 22% da população do Rio vivem em aglomerados subnormais, como no Complexo do Manguinhos, com condições de moradia, saúde, educação e segurança extremamente precárias. Com isto, a cidade do Rio contribui com a violência urbana, a criminalidade e o narcotráfico, intensificando a injustiça social e a pobreza.

Deixo aqui uma reflexão de Marielle Franco, a “Rosa da Resistência”, carioca que foi socióloga, política e defensora dos direitos humanos, ativista feminista, eleita vereadora do Rio de Janeiro em 2016. Foi assassinada em 2018. Disse, Marielle, sobre sua cidade natal: “Essa cidade precisa ser de fato cuidada, e a gente sabe que não está sendo. Os nossos corpos, o nosso transitar, a nossa mobilidade sempre fica ameaçada.”.





29 – A POLÍTICA DA VIRADEIRA

 

“Quão grandiosos os seus sinais! Quão portentosas as suas maravilhas! Seu reino é um reino eterno e seu domínio vai de geração em geração!” (Dn 3,33// cf. 4,31).

 

“1777 - Morte de D. José I e ascensão de D. Maria I ao trono português. Pombal é afastado do governo e os rumos da política e administração lusas sofrem uma mudança radical (fase conhecida como “Viradeira”).”.( https://www.sohistoria.com.br/ef2/lista/p1.php).

A política da “Viradeira” representou o período de reação contra o governo de Marques de Pombal, depois que D. Maria I assumiu o trono (1815 – 1816) como a primeira rainha do Brasil, nomeou novos Secretários de Estado entre outros cargos, e isto serviu para reabilitar a nobreza atingida pela administração de Marquês, que fora exilado, e assim, a situação seria reorientada para outra realidade. Na verdade, a virada não passou de algumas medidas adotadas vetando outras decisões pombalinas. Durante o mandato da rainha D. Maria I aconteceram as revoltas emancipacionistas da Inconfidência e da Conjuração Baiana. Era a época em que Napoleão Bonaparte mudava as fronteiras da Europa.  

A situação financeira do país estava lastimável e provocava graves consequências deixando o Estado na miséria e todos os negócios públicos se encontravam em grande   desorganização, além do total desinteresse pelas questões da guerra, resultando na queda do Exército. Ademais, houve uma quebra do controle estatal sobre as áreas econômicas; a extinção de monopólios mercantis; o retomo da influência da Igreja e da alta nobreza sobre o Estado.

No tocante à Universidade de Coimbra, professores e alunos acusados por heresia, enciclopedismo, naturalismo e deísmo, foram expulsos. Neste contexto, um médico português de nome Francisco de Melo, escreveu em retaliação, “O Reino da Estupidez”, um lindo poema que fala da “desgraçada sorte” de uma “Europa desterrada”.

D. Maria I era apelidada de “a Louca”, provavelmente por demonstrar depressão profunda, o que era confundido com melancolia e insanidade. Contam alguns relatos que ela tinha tristeza constante, perda de autoconfiança, tinha irritabilidade, distúrbio do sono, fadiga, isolamento, sentimento de vazio, de culpa e de inutilidade. Era chamada também de “a Piedosa”, referindo-se a sua fé católica e a dedicação às obras sociais. Além disso, devido a condição de uma pessoa fraca e sem opinião própria, que se deixa levar pelos outros, a rainha D. Maria I, nos seus últimos dias só saía em companhia de suas damas nas ruas do Rio de Janeiro. Segundo o dito popular, ao ver a monarca conduzida pelas mãos, o povo dizia: “Maria-Vai-com-as-Outras”. Este ditado é dito até hoje.

Neste período, houve a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso entre Espanha e Portugal para resolver as disputas territoriais de possessões dos dois reinos na América do Sul. Foi quando Portugal recuperou o Rio Grande do Sul. No outro lado do mar, a Inglaterra crescia com a sua indústria têxtil. O mundo passava por uma virada revolucionária industrial. Foi o tempo da criação do torpedo. Este projétil explosivo automotivo, uma arma potente feita para atingir alvos marítimos. Relembro aqui a triste atuação da ciência em favor da guerra. Perceba o ser humano como uma superpotência causador das guerras que também é mortal, mas, a nossa origem vem do Princípio do Bem, e o livre arbítrio está incluso. E entre uma guerra e outra segue a história humana justificando-se pela liberdade ou autonomia. Assim, vemos neste espaço de tempo, a Guerra da Independência dos Estados Unidos. Foi assinada a Declaração de Independência do Estados Unidos da América.

Perante a tantas reviravoltas contadas aqui neste escrito, penso agora em Voltaire, filósofo desta mesma época que escreveu: “As ideias que encontramos nos livros são como fogo. Arrancamo-lo da casa dos vizinhos, alimentamo-lo em nossa casa, transmitimo-lo a outros, e ele passa a pertencer a todos.”.





30 – A INCONFIDÊNCIA MINEIRA

 

“Eis a sentença… o Altíssimo é quem domina sobre o reino dos homens: ele o concede a quem lhe apraz e pode a ele exaltar o mais humilde entre os homens!” (Dn 4,14).

 

Minas Gerais, 1789. A cidade de Vila Rica que hoje é Ouro Preto, respirava os ares das montanhas com o peso dos minerais explorados e exportados para o reino português. Registra-se que 800 toneladas de ouro foram enviadas a Portugal no século XVIII, fora o que circulou de forma ilegal. O sentimento religioso da fé católica se expressava através das ornamentações de suas igrejas coloniais brilhantes em ouro. A ambição insaciável pelo ouro de Minas, provocou em muitos a saída de suas terras em busca enlouquecida pelo minério entre caminhos ásperos, aumentando consideravelmente a população local, causando desflorestamento, escavações nas montanhas e até o desvio de percursos de rios. Exploradores com escravos subiam e desciam pelas serras lutando contra os nativos por esta fortuna. Esta era a visão panorâmica colonial nas terras onde o horizonte não era tão belo.

Diante de uma insatisfação da população local pelos altos impostos e pelo aborrecimento da elite econômica da Capitania de Minas Gerais pela política fiscal imposta pelo rei de Portugal, houve um movimento político que ganhou força e a história tomou novo rumo de conspiração separatista, pois envolviam a Capitania de Minas e o Reino de Portugal, o que os livros tratam sobre a Inconfidência Mineira ou Conjuração ou Conspiração Mineira.

Durante algumas décadas, antes da Inconfidência, aconteceram vários motins e rebeliões por conta de tributação e impostos altíssimos sobre o ouro brasileiro e sobre a escravidão dos africanos e nativos. Havia muitas manifestações violentas no meio da rua com gritos de liberdade. A produção aurífera começava a declinar e o Reino de Portugal não parava de explorar o povo e as terras do Brasil.

Vila Rica cresceu tanto que se tornou a capital de Minas Gerais e transformou-se na maior cidade brasileira sendo o principal centro econômico da América portuguesa. A classe mais rica que era formada por proprietários rurais, comerciantes, intelectuais, clérigos e militares, começou um movimento de conspiração contra a coroa portuguesa na tentativa de uma independência com influência nos ideais republicanos e iluministas da França e da independência dos Estados Unidos. Contudo, nada disso estava relacionado a libertação dos escravos.

O movimento foi denunciado por um membro da conspiração chamado de Joaquim Silvério dos Reis, delatou em troca de perdão de suas dívidas, juntamente com outros participantes. Os traidores do movimento foram acusados como criminosos “inconfidentes”, ou seja, falta de fidelidade ao rei de Portugal. Conforme o inquérito judicial, todos negaram a participação no movimento, menos Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que terminou assumindo toda a responsabilidade. Após três anos, a sentença foi lida no Rio de Janeiro. Dos doze inconfidentes condenados à morte, apenas o Tiradentes, o mais pobre dos culpados, sofreu a pena, enquanto os outros se livraram da morte por decreto de Maria I de Portugal. Os demais inconfidentes foram exilados para África e os religiosos envolvidos foram recolhidos nos conventos em Portugal. Com o tempo, alguns desses inconfidentes se reintegraram na vida política brasileira. A execução de Tiradentes, como o único condenado à morte por enforcamento, aconteceu num sábado de 21 de abril de 1789, no Campo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, o centro da capital colonial do Brasil.





31 – JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER (Tiradentes)

 

 “... o Altíssimo domina sobre o reino dos homens e ele o dá a quem lhe apraz.” (Dn 4,22).

 

Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, nasceu no dia 12 de novembro de 1746, na Fazenda do Pombal, na Vila de São Del Rei, atual cidade de Minas Gerais, foi criado na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto. Foi dentista, condutor de tropas de animais e de transportadoras de mercadorias, minerador, comerciante, militar e ativista político. Era o quarto de sete filhos do português Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e de Antônia da Encarnação Xavier. Sua origem familiar não era pobre, segundo o inventário de sua mãe, que foi aberto em 1756, constatando 35 escravos na grande fazenda de Pombal e uma valiosa quantidade de equipamentos para a mineração. Com a morte prematura dos pais, a família perdeu as propriedades por causa das dívidas e precisou exercer inúmeros trabalhos.

Tiradentes antes de frequentar a escola, aprendeu a ler e escrever com a mãe. Seu tio Sebastião, que era cirurgião dentista, possibilitou um pouco dos conhecimentos odontológicos para o sobrinho. Participou como sócio de uma farmácia de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, dedicando-se a Prática farmacêutica, fazendo uso dos conhecimentos sobre as plantas medicinais, e exerceu a profissão de dentista. Interessou-se pelos escritos políticos, pelas leis da Constituição dos Estados Unidos e pelas causas de independência, em seu tempo de vida adulta dos trinta anos.

Aos poucos, as ideias de Tiradentes iam se divergindo dos interesses dos governos, tanto do meio local como o do Império Português, que submetiam a população às condições de impostos altíssimos, retirando, assim, as riquezas da região sem parar. Segundos os escritos da história, Tiradentes era republicano convicto e adepto do iluminismo. Tramou a morte de Visconde de Barbacena (Luís Antônio Faro), governador de Minas da época, que provocou a cobrança de centenas de quilos de ouro, sob a orientação do Reino de Portugal. Tal astúcia não foi concretizada, e nem a conspiração mineira, porque um dos inconfidentes, Joaquim Silvério dos Reis, coronel-comandante, rico fazendeiro, dono de minas de ouro, delatou numa carta ao governador de Minas, o movimento, e em troca pediu o perdão de suas dívidas, ainda cobrou mais ouro, nomeação para o cargo de tesoureiro das Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, uma mansão e pensão vitalícia.

Tiradentes queria promoção na carreira militar e como não conseguiu ficou desgostoso. Conheceu a mulher “Perpétua Mineira” com quem teve um romance por mais de dois anos. Perpétua passou a ser espionada, teve a casa invadida e seu bem-amado já havia sido preso. Tiradentes era desprezado até em seus projetos de irrigação e essa indiferença aumentava sua indignação contra o domínio português. Como excelente comunicador reconhecido, começou a pregar em Vila Rica e arredores, pela independência da capitania. Depois de 21 de abril de 1792, sua voz continuou nos movimentos populares de libertação e na bandeira seu sentimento ecoa: “Liberdade ainda que tardia”.

Pense em nossa realidade de hoje, os políticos em seus partidos, com ideologias corruptas, racistas, homofóbicas, xenofóbicas, fascistas.... Contudo, há uma luz no fim do túnel. Existe Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que compartilham o pão de cada dia e se organizam pelo bem coletivo, assim como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimentos Feminista, Negro, Indígena, Sem Teto, entre tantos. Nem tudo está perdido. Existe uma esperança na essência da humanidade de muitos corações sensíveis com solidariedade e com atitude na luta pela fraternidade e pela liberdade. Como você pensa esta realidade?





32 – CONJURAÇÃO BAIANA

 

“Em todo o domínio do meu reino, todos devem tremer e temer diante do Deus... Ele é o Deus vivo, que permanece para sempre” (Dn 6,27).

 

A Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates e também chamada de Revolta dos Búzios, aconteceu no período entre 1798 a 1799, como um movimento emancipacionista na Capitania da Bahia com característica popular de independência e radical, em favor de um governo republicano, democrático, pela abolição da escravatura e o fim do preconceito, com livre comércio, diminuição dos impostos, e um salário melhor para os soldados.

Este movimento contou com a participação de sapateiros, bordadores, ex-escravos, escravos e alfaiates. Teve muita influência das ideias iluministas da revolução francesa, da independência da América do Norte e do Haiti, e da Inconfidência Mineira.

Com a insatisfação da população pelos pesados impostos e por tanta escravidão, o pensamento humano reconstruía um novo cenário mundial. Alguns anos antes, quando Salvador deixou de ser a capital da colônia brasileira, passando para o Rio de Janeiro, a Bahia passou a ser menos assistida, os recursos tornaram-se bem menores, provocando uma dificuldade administrativa e a realidade econômica foi prejudicada, causando mais revolta na população.

Na cidade de Salvador a fome já afetava a qualidade de vida de todos. A falta de alimento provocava um custo muito alto. A carne não fazia parte da mesa da população local.

Diante deste cenário, destacaram-se para alavancar o movimento alguns líderes como o soldado baiano Luiz Gonzaga das Virgens, o militar Lucas Dantas, os alfaiates Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus Nascimento. Todos eram negros e foram condenados à forca. Por causa de um dos integrantes do movimento que contou os planos da revolta para o governo, a força militar foi mobilizada e reprimiu os revolucionários.

O movimento desenvolveu com a estratégia da base popular, distribuindo panfletos na porta das igrejas e colando nas esquinas das ruas que diziam: “Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”. (RUY, Afonso. A primeira revolução social do Brasil. p. 68.).

Os baianos menos favorecidos em seus direitos sociais e engajados na luta por uma vida digna, começaram a participar de discussões sobre os pensadores da época. O médico Cipriano Barata foi um atuante entre a população mais pobre e junto aos escravos, difundiu propostas e ideias radicais entre os regimentos de soldados e para toda a população baiana. Discutiam textos dos pensadores Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. Houve também influência de membros da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz que traduziam e estudavam textos desses pensadores. Este processo formativo embasou a Conjuração Baiana, ampliando o movimento para a participação e mobilização popular.

Embora a batalha contra a escravidão não tenha alcançado o seu objetivo imediato, mesmo assim, com toda repressão, o movimento da Conjuração Baiana, semeou com o adubo da consciência crítica, a firmeza permanente e a resistência na luta popular pelo fim da escravidão.

Deixo aqui a reflexão do filósofo iluminista Rousseau:Nunca acreditei que a liberdade do homem consiste em fazer o que quer, mas sim em nunca fazer o que não quer, e foi essa liberdade que sempre reclamei, que muitas vezes conservei, e me tornou mais escandaloso aos olhos dos meus contemporâneos. Porque eles, activos, inquietos, ambiciosos, detestando a liberdade nos outros e não a querendo para si próprios, desde que por vezes façam a sua vontade, ou melhor, desde que dominem a de outrem, obrigam-se durante toda a sua vida a fazer o que lhes repugna, e não descuram todo e qualquer servilismo que lhes permita dominar. (Jean-Jacques Rousseau, in 'Os Devaneios do Caminhante Solitário').





33 – A CONSPIRAÇÃO DOS SUASSUNAS

 

“A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e a todos os povos, nações e línguas o serviram. ... e seu reino jamais será destruído.” (Dn 7,14).

 

No ano de 1801, o Brasil apresentava um cenário de crise geral sobre o modo de vida sobreposto pelo sistema colonial. E foi neste contexto que eclodiram vários movimentos emancipatórios como a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798), a Revolução de Pernambuco (1817), até culminar na Independência política do Brasil em 1822.

 A suposta conspiração dos Suassunas foi mais um desses movimentos libertários que surgiram de um sentimento de insatisfação e de revolta dos colonos frente as políticas deficitárias da metrópole Portugal, em Olinda, Capitania de Pernambuco, em 1801.

Os irmãos Francisco, Luiz e José, donos de um engenho denominado de Suassuna, planejaram secretamente um plano pela independência da capitania de Pernambuco. Como em outros casos, houve também denúncia contra o plano secreto, por parte de um dos “amigos” dos irmãos, o José da Fonseca Silva e Sampaio, que acusava o envio de cartas de Portugal dos irmãos Suassunas para os demais de Pernambuco, tramando assim uma conspiração.

As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade do iluminismo impactaram os movimentos emancipacionistas como aconteceram na Independência dos EUA (1776) e na Revolução Francesa (1789). Outra grande influência local foi a participação de lideranças que em 1796 antecederam a conspiração, tendo a participação de Manuel Arruda Câmara, cientista, médico e religioso brasileiro, um dos fundadores da loja maçônica Areópago de Itambé, lugar de divulgação das ideias que percorriam pela Europa. O Seminário de Olinda, fundado em 1800, foi também outro espaço onde padres e seminaristas discutiam estas mesmas ideias. Diante de um Brasil onde a maior parte da população era pobre e analfabeta, encontramos um grupo de pessoas e associações que mergulhavam nas discussões filosóficas e políticas com o intuito de acabar com o domínio colonizador português. O caminho seria a luta por um Brasil independente e um governo republicano.

O Areópago de Itambé fundado pelo padre Arruda Câmara em 1798 como uma sociedade secreta, chegou a ser fechado em 1802, mas foi reaberto anos depois com o nome de Academia dos Suassunas, tendo como sede o próprio engenho que havia sido o lugar para as reuniões para a conspiração. O padre Manoel Arruda Câmara ensinou ideias avançadas numa terra de pessoas analfabetas, formou muitas lideranças e inspirou revoluções. Os ideais dos irmãos Suassuna permaneceram e emergiram no ano de 1817 na Revolução Pernambucana.

Ao escrever esta história fiquei pesquisando e descobri o quanto é pouco conhecido o movimento dos Suassuna. Entre os estudos acadêmicos se encontra até “carta de amor extraviada” com indagações sobre a existência do grupo contra o domínio colonial. Em outras palavras, o fato parecia ser mais uma intriga e conflito entre homens poderosos da época. Em artigo cientifico podemos constatar a “casa dos Suassunas” como uma “rede de sociabilidade na América e em Portugal”. Diante dos depoimentos acerca da sociabilidade com os irmãos Suassunas foi afirmado haver laços amigáveis pela maioria dos depoentes. É isto! De uma insatisfação pode-se nascer uma conspiração, mesmo que não venha acontecer. Aliás, a palavra conspiração traduz-se em com inspiração. Mas, a história não nega os fatos. Deixando de lado os aspectos contrários às questões humanitárias, por outro lado, os líderes da liberdade continuam vivos na luta com os ideais da fraternidade.





34 – A CORTE PORTUGUESA NO RIO DE JANEIRO

 

Os que receberão o reino são os santos do Altíssimo, e eles conservarão o reino para sempre, de eternidade em eternidade.” (Dn 7,18).

 

Quando a realidade da política econômica entra em crise, o pensamento e a atitude são conduzidos por esta realidade. Por este caminho seguiu a Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, no dia 8 de março de 1808, no tempo em que D. João VI era rei de Portugal.

A família real portuguesa e a sua corte de nobres, servos e empregados domésticos, desembarcaram no Rio de Janeiro trazendo uma biblioteca com mais de sessenta mil livros. A capital do Reino de Portugal passou a ser a cidade do Rio de Janeiro. A colônia passou a ser soberana e governo do império português.

Antes de tudo isto acontecer, o plano da família real vir para o Brasil, já sofria com a ideia de uma fuga. O fato em si não ara muito bom. Alguns fatores levaram a cogitar esta possibilidade de refúgio, como as interferências durante a crise de sucessão no período de exploração colonial; as ameaças militares de outras potências vizinhas como a Espanha e a França; o contexto internacional de ascensão do império de Napoleão Bonaparte com o Bloqueio Continental em toda a Europa contra o poderio econômico e militar do Reino Unido; a preocupação pelo reforço à segurança nacional e a relação no mundo europeu, entre outras questões, estes fatores serviram para a mudança da Corte portuguesa se instalar no Brasil. A história conta por si os motivos dos fatos. A invasão de Portugal sob o comando de Napoleão Bonaparte levou a família real portuguesa a mudar-se para o Brasil.

Chegando aqui nas terras nativas, não foi possível alojar todos como era na terra lusitana. A comitiva palaciana foi acolhida em residências, quartéis e conventos. Aos poucos, a vida da Corte portuguesa ia moldando as moradias com aparência inglesa, tendo casas com janelas de vidros e jardins externos. Seria o começo de um plano urbano no Brasil. A cidade começou a ter policiamento, chafarizes para o abastecimento de água, pontes, calçadas, estradas e ruas foram construídas, instalaram iluminação pública... tudo isto, é claro, foi realizado com a contribuição dos moradores ricos, em troca de benefícios da nobreza. Não era nada só dos cofres da Corte, embora enriquecida pela exploração colonizadora das terras nativas, onde agora vieram escapar de impérios maiores da Europa.

As mudanças ocorridas neste período foram: a abertura dos portos às nações amigas; a criação do Banco do Brasil; a Imprensa Régia; a abertura da Academia Real Militar; a abertura de escolas incluindo duas de medicinas, a Real Biblioteca ou atual Biblioteca Nacional.

Durante a permanência de D. João VI no Rio de Janeiro, a população da capital dobrou de 50 mil para 100 mil. Muitos europeus (espanhóis, franceses, ingleses, suíços...) chegaram aqui atrás de “fazer negócio” ou “fazer a vida”. Eram médicos, professores, alfaiates, farmacêuticos, modistas, cozinheiros, padeiros, e representantes diplomáticos.

Por outro lado, na mesma história, encontramos os negros sendo usados como escravos no serviço doméstico e trabalhando nas ruas para dividir os ganhos com os seus senhores. Além disso, muitos desses escravos eram alugados para outras pessoas para saírem vendendo de porta em porta todo tipo de mercadoria. Outros armavam tabuleiros nas esquinas e ficavam vendendo aos gritos os produtos. Desta forma, os senhores de escravos rendiam um bom lucro e aumentavam a quantidade em até mais de quarenta escravos, além de obrigar as escravas a se prostituírem. Diante dessa escravidão de três séculos, centenas de negros fugiam das fazendas e formavam quilombos nas matas da Serra da Carioca, tendo em vista a sua liberdade.





35 – NÍSIA FLORESTA

 

“O reino, o império e a grandeza de todos os reinos que existem debaixo do céu serão entregues ao povo dos santos do Altíssimo. O seu reino será um reino eterno, e todos os impérios o servirão e lhe prestarão obediência” (Dn 7,27).

 

Eu sou o João. Comecei a estudar tardiamente. Aliás, no Brasil e principalmente no Nordeste, muitos da minha idade sexagenária, iniciaram os estudos fora de faixa. Sobre os estudos sempre gostei de História, mas estudei Ciências da Religião por influência dos meus pais que me incentivaram a ingressar num Seminário para ser padre, mas resolvi ser professor.

Numas destas férias de julho fui visitar minha terra natal, Recife, melhor dizendo, Peixinhos que fica em Olinda. Havia combinado com um amigo para irmos no carro dele. Concordamos em irmos juntos em família. Passamos por Mossoró, Natal, João Pessoa e daí em diante fui com minha esposa num ônibus até Recife. A curiosidade de tudo isto é que me chamou atenção, entre tantos outros lugares, foi o Museu Nísia Floresta que fica em Natal. Desci do carro e fui tentar ver e ouvir os relatos sobre esta mulher que consta na nossa história. O Museu estava fechado. Como professor aprendiz fui investigar por conta própria esta história. Vi um idoso que estava sentado na calçada contemplando o pôr do sol, me aproximei e comecei uma conversa:

- Boa tarde, Senhor!

- Boa tarde! Respondeu o velho nativo defumando um cachimbo.

- O senhor pode me explicar um pouco sobre esta Nísia Floresta?

O velho senhor tirou o chapéu de palha da cabeça, passou a mão em seus poucos cabelos esbranquiçados, fitou nos meus olhos e começou a falar:

- Caro visitante, vou contar a história. Esta mulher se chamava Nísia Floresta Brasileira Augusta. Ela nasceu em outubro de 1810, numa fazenda no município de Papari, atual Nísia Floresta, aqui no Rio Grande do Norte, no período em que a família real de Portugal veio morar no Rio de Janeiro, fugindo dos ataques de Napoleão Bonaparte. Foi o tempo em que o Brasil se elevou a Reino Unido de Portugal (1815). Ela era filha de uma brasileira, Antônia Clara Freira e de um advogado, o português se. Defendeu dos ideias abolicionistas e republicanos além de denunciar as injustiças contra os povos nativos daqui do Brasil.

Percebi que o idoso era bem informado e descobri durante a conversa que ele era um conselheiro daquela comunidade. Aproveitei e fiz outra pergunta:

- O que posso saber mais sobre esta ilustre mulher?

- Meu caro, tem muita coisa que as pessoas não sabem da história do Brasil. Nísia Floresta chegou a fundar e dirigir um colégio para meninas no Rio de Janeiro. Escreveu muitas coisas em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos. Administrou e lecionou em uma escola gaúcha. Segundo os documentos escritos sobre suas frases uma delas eu me lembro muito bem e diz o seguinte: "Quanto mais ignorante o povo, tanto mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado poder".

Neste momento eu olhei para o Museu amarelo de janelas verdes e o monólito que fica em frente. Um rapaz passou por mim e entregou um panfleto que comecei a ler. No folheto dizia que o Museu Nísia Floresta estava localizado em um casarão do século XIX, no centro da antiga Papari e havia sido inaugurado no ano de 2012.





36 – REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA 1817

 

Quebrado este, os quatro chifres que surgiram em seu lugar são quatro reinos que saíram de sua nação, mas não terão a sua força.” (Dn 8,22).

 

Durante uma viagem de férias, saindo de Fortaleza para visitar meu tio João em Recife, minha terra natal, relembrei das histórias que ele contava quando ministrava aula. Por curiosidade sobre as terras pernambucanas, conversamos um pouco a respeito da origem do povo desse lugar que fora iniciado pelos nativos caetés, cariris e tabajaras. Mas a curiosidade que despertou nossa conversa foi sobre a Revolução Pernambucana de 1817.

Meu tio falou que essa revolução era conhecida como Revolução dos Padres, sendo um movimento liberal e republicano sob a influência das ideias iluministas e divulgadas pelos maçônicos contra o poder absolutista monárquico português. Segundos os historiadores este teria sido o início da proclamação da República no Brasil. Por conta desta insurreição muitos revoltosos foram executados, enforcados e esquartejados e fuzilados.

Pedi ao meu tio para sairmos um pouco. Ele concordou, apesar do problema de glaucoma. Andamos até ao Shopping RioMar porque era perto de sua casa e como já era meio dia aproveitamos para almoçar. Durante a refeição insisti em voltar ao assunto da revolução pernambucana e perguntei quais as causas dessa revolução. Depois disso, o tio professor começou a contar alguns detalhes de suas lembranças históricas. Disse que Pernambuco era uma capitania muito rica e que Recife e Olinda tinham em torno de 40 mil habitantes na época. O porto de Recife transportava grande produção de açúcar. Além disso, contou que as ideias liberais que chegaram aqui no Brasil através dos viajantes estrangeiros e por meio de livros, incentivaram o sentimento de revolta entre a elite pernambucana. Continuou explicando que a fundação do Seminário de Olinda foi de grande destaque na formação dos seminaristas e padres sob a influência das ideias iluministas. Daí o motivo porque o movimento foi chamado de “revolução dos padres”. Entre estes, tem o Frei Caneca que foi um dos líderes que terminou sendo executado.

Mais precisamente sobre as causas dessa revolução, eu já sabia do incômodo pelo domínio dos portugueses no governo em nossas terras e que viviam criando impostos sobre o povo, além disso, uma grande seca aumentou a fome e a miséria, afetando a produção de açúcar e de algodão. Ah! É bom lembrar também da influência da pressão dos abolicionistas.

Tio João esperou eu acabar de falar, como era de seu costume não interromper a conversa. Logo em seguida retomou o argumento e expandiu um comentário. E dizia, tudo isto serviu para que houvesse a ocupação de Recife por líderes militares e padres insatisfeitos com o domínio português. Vale ressaltar a participação de Bárbara de Alencar, uma comerciante e revolucionária brasileira que atuou também na Confederação do Equador. Ela era avó do escritor José de Alencar. Foi a primeira presa política do Brasil. Lembra disso?

Foi assim que me senti seu aluno e sendo também professor, fiz o meu comentário. Disse que a revolução desafiou o poder da coroa portuguesa questionando os abusos dos impostos sobre o povo. Por isso veio a repressão ao movimento de forma violenta e sangrenta. Toda essa insatisfação foi para se opor ao poder do reinado português no Brasil, que vinha assumindo os comandos da política, da economia e da força militar de maneira abusiva e escravocrata. Aqui pode-se cogitar a possibilidade do surgimento de um governo mais humano. Por fim, no ano de 2007, o dia 06 de março foi declarado a Data Magna de Pernambuco, por causa da Revolução Pernambucana.





 37 – O PRÍNCIPE REGENTE NO BRASIL DE 1818

 

“Agora eu vou lhe contar a verdade. Ainda surgirão três reis na Pérsia, mas o quarto rei que virá depois será o mais rico de todos e empregará toda a sua força e toda a sua riqueza contra os reis da Grécia. (Dn 11,2).

 

Dando uma olhadinha no Google, comecei a revisar a sequência dos fatos históricos destes contos que transcrevo para algumas pessoas curiosas da leitura.  Seguindo nossa história, trago aqui um fato que podemos entender como episódio de transição. Trata do Príncipe Regente do Brasil, D. Pedro I, em 1818.

Aos 9 anos de idade, veio para o Brasil com a família real portuguesa, que fugia da invasão de Napoleão Bonaparte ao país. Pedro, apesar de muito inteligente, não gostava de estudar. Se dedicou, então, a aprender os mais diversos instrumentos, como piano, flauta, trombone, violino, clarinete, violão. Durante aquele período, o Brasil foi elevado de colônia para o status de Reino Unido.

Dom Pedro I foi nomeado Príncipe Regente do Reino do Brasil por causa da partida de seu pai, D. João VI, para Portugal. Em 1818, quando completou 19 anos, casou-se no Rio de Janeiro com a Arquiduesa Leopoldina, filha do Imperador Francisco I da Áustria. Foi coroado como imperador e reinou até 1831. Seu reinado foi regido sob a força autoritária, não aceitava ser contrariado, causando atrito com a elite brasileira.

Vamos ver esse tempo em que contexto o Príncipe Regente se encontrava.

Neste período, os primeiros imigrantes europeus não-portugueses a se estabelecerem no Brasil foram suíços. Devido à falta de terras na Suíça, cerca de duas mil pessoas imigraram se tornando os “súditos do Rei de Portugal”. No Rio de Janeiro, começou as primeiras experiências de substituição de mão-de-obra escrava por imigrantes estrangeiros, principalmente europeus.

O comércio português concedeu permissões para que navios partindo de Lisboa fossem traficar escravos africanos com destino ao Brasil. Essas autorizações foram dadas com base nos tratados firmados entre as coroas de Portugal e da Grã-Bretanha. Neste acordo se discutia o contexto em que esses traficantes agiram, o modo pelo qual essas autorizações foram concedidas e como as fontes existentes neste acordo comercial identificavam pessoas humanas como escravas.

Historiadores procuraram compreender a perda do controle de Lisboa em relação ao tráfico de africanos e o predomínio dos traficantes do Rio de Janeiro nesse negócio, tendo em vista outros fatores que extrapolavam o período regencial que envolve a economia, a política e a sociedade como um todo, e saber como esse porto concentrou oitenta por cento dos escravos importados pelo Brasil.

Observando a conjuntura do Brasil no início do século XIX, no tocante ao comércio de escravos, entende-se que os interesses mercantis sobre africanos, os tratando como escravos, seria de grande rentabilidade na sociedade colonial, e esta era a mercadoria produzida na colônia americana.

De uma olhadinha pesquisadora pelo Google Acadêmico, percebe-se a dimensão das descobertas feitas em um período histórico que se celebra como história oficial. Nos dias atuais os discentes têm em mãos um celular que abriga estes fatos com várias fontes expondo diversas curiosidades que a memória humana guarda no Drive.

Aqui conto um ponto que conta algo do reino português nas terras brasileiras. Conto fora dos contos, mas escrevendo o que foi dito e feito no tempo em que um jovem foi posto para administrar uma monarquia constitucional.





38 –  JOANA ANGÉLICA DE JESUS

 

“Logo, porém, que ele surgir, o seu império será dividido e repartido pelos quatro ventos da terra. Seus descendentes não herdarão o seu império, nem será tão poderoso; seu império cairá em mãos alheias” (Dn 11,4).

 

Joana Angélica de Jesus (1761-1822) nasceu em Salvador da Bahia e foi uma religiosa da Igreja Católica da Ordem da Imaculada Conceição, fundada por Santa Beatriz da Silva. Ela tinha uma vida de contemplação e de clausura feminina. Considerada mártir e primeira heroína da independência do Brasil. Nasceu no período colonial e morreu aos 60 anos por um golpe de baioneta durante a resistência à invasão pelas tropas portuguesas ao Convento da Lapa, na Bahia.

Seu pai foi capitão do exército português e seu irmão serviu a Portugal chegando também até o posto de capitão. Apesar disso, o fato histórico sobre os resistentes em busca da independência brasileira expõe a realidade num batismo de sangue.

Os documentos da época afirmam que o brutal ataque dos soldados contra o Convento de Nossa Senhora da Lapa, não dispensou a morte da Madre Joana Angélica.

Entre as versões desse ataque temos a história lusitana que conta que agentes do partido reacionário havia se escondido no convento e atirados nos soldados. Outra versão dos historiadores brasileiros conta que as tropas portuguesas estavam entrando nos edifícios, roubando e matando, sob o pretexto de que os tiros estavam saindo de dentro desses locais, inclusive do convento. O jornal Diário da Bahia divulgou em sua edição (02/07/1936), uma reportagem descrevendo esse conflito e a crise política da época, sobre os excessos cometidos pelos soldados lusitanos, incêndios e saques, ataques às casas, morte de civis, mulheres violentadas, o ataque ao convento e o martírio da freira Joana Angélica.

Há registro de que um grupo de soldados invadiram e arrombaram o portão de ferro do convento, enquanto a conselheira Joana Angélica ordenava às irmãs que fugissem pelos fundos. Protegendo a integridade das suas companheiras, Joana se posicionou com bravura no final do corredor diante da tropa invasora e confrontou, como mulher combatente da opressão machista e mártir da fé, dizendo:

- “Para trás, bandidos. Respeitem a casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta casa passando por sobre o meu cadáver”.

Joana tombou atingida por uma baioneta.

Esta luta da independência continuaria para definir a libertação da Bahia. A resistência do povo aumentou contra anos de injustiça e colonização.

No decorrer da história foi feito uma pesquisa para que houvesse um processo de beatificação. Vários arquivos foram consultados entre mosteiro, convento, institutos públicos e biblioteca, em busca de comprovação sobre o martírio da Madre Joana Angélica, mas foram insuficientes.

Atualmente, o dia 02 de julho, comemora-se a Festa da Independência da Bahia entre os soteropolitanos, é a festa cívica da Independência do Brasil na Bahia.

As homenagens com o seu nome surgiram em quarenta e duas ruas em todo o Brasil, incluindo a rua da Lapa onde está localizado o convento, hoje é a Avenida Joana Angélica. No Rio de Janeiro, em Ipanema, existe a Avenida Joana Angélica. Em Brasília se encontra seu nome inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.

 

 

 

 

39 – MARIA QUITÉRIA

 

“Este tentará invadir o reino do rei do sul, mas será obrigado a voltar para a sua terra” (Dn 11, 9).

 

Maria Quitéria de Jesus Medeiros (1792-1853), filha primogênita que nasceu no sertão da Bahia, sem ter acesso à educação formal, aprendeu assinar o seu nome. Era inteligente, alegre e autônoma. Pessoa independente e aspirante da liberdade. Viveu numa sociedade interiorana onde as mulheres aprendiam a costurar e a bordar. Aprendeu a andar a cavalo a atirar com armas de fogo para caçar ou para a própria defesa. Durante as lutas de combates contra a colonização do Brasil, Quitéria pediu permissão para se alistar, mas o pai negou o pedido dizendo que mulher só serve pra vida doméstica.

Aos 30 anos fugiu de casa com ajuda da irmã. Cortou o cabelo bem curto, vestiu uma roupa de seu cunhado, passando a ter uma identidade masculina e partiu para um novo rumo. Alistou-se como Soldado Medeiros no Batalhão de Voluntários do Príncipe, na Vila de Cachoeira. Atuou no regimento de artilharia. Participou ativamente nas lutas pela independência do Brasil em 1822. Apesar de seu pai ter amaldiçoada por esta decisão, Maria Quitéria foi hábil e competente na luta pela independência. Sua disciplina militar fez com que permanecesse no exército, mesmo com sua identidade revelada.

 No ano de 1821, militares se concentraram na praça de Salvador para exigir a adesão ao movimento constitucional de Portugal, iniciando assim, a formação para uma guerra civil. A contrapartida desse movimento alinhava-se militares brasileiros e parte da população urbana de Salvador que apoiava a regência e a liderança do príncipe D. Pedro.

Quitéria permaneceu na tropa do Batalhão de Voluntários do Príncipe, de setembro de 1822 a julho 1823. Participou na defesa da ilha de Maré, protegeu o município paraibano de Conceição, e os bairros de Salvador, Pituba e Itapuã, e também atuou nas batalhas na foz do Rio Paraguaçu da Bahia.

Nesta história da Independência da Bahia e da luta pela emancipação humana, destaca-se o protagonismo do movimento feminista. No meio do protagonismo coletivo do povo baiano, as mulheres como Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Filipa de Oliveira, foram reconhecidas na luta em defesa da liberdade e da vida com dignidade. Após a guerra, Maria Quitéria, foi condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro pelo imperador D. Pedro I.

Maria Quitéria se casou com Gabriel Pereira e teve uma filha, Luísa Maria da Conceição. Foi a primeira mulher a integrar o Exército Brasileiro, sendo reconhecida em 1996 como Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, morreu por consequência de problemas no fígado, em agosto de 1853 em Salvador. Em 2018 seu nome foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, junto com Joana Angélica e Maria Filipa Oliveira, reconhecidas na luta da Guerra de Independência do Brasil na Bahia.

O engajamento de mulheres nos movimentos populares de libertação e emancipação na história, merece grande reconhecimento no sentido de valorização das mesmas em nosso contexto social. A motivação que levou Quitéria e sua irmã, assim como muitas outas mulheres que hoje lutam por independência, demonstram uma atitude de consciência política. A luta das mulheres pela igualdade de direitos no Brasil é contínua e constante, sempre em busca de seu espaço social, econômico, político, cultural e religioso. Atualmente, Maria da Penha, uma farmacêutica da cidade de Fortaleza que foi vítima de violência doméstica pelo próprio marido, tornou-se inspiração na defesa dos direitos das mulheres. Em 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha que combate a violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil.




40 – DIA DO FICO

 

“O rei do norte terá em mente conquistar todo o reino do sul. Fará um acordo com o rei do sul e, para tentar arruiná-lo, lhe dará sua filha em casamento. Mas o projeto não terá êxito” (Dn 11,17).

 

Era nove de janeiro de 1822. Neste dia, D. Pedro I resolveu dizer que não iria cumprir as ordens das Cortes portuguesas que exigiam a sua volta para Lisboa, e resolveu continuar no Brasil.

Quando a família real portuguesa chegou aqui no Brasil, escapando de uma provável invasão francesa em 1808, as terras de Pindorama deixaram de ser uma simples colônia portuguesa e passou a ser o centro do Império Português, elevando o Brasil à condição de reino em 1815. Tendo em vista os acontecimentos revolucionários da elite dos políticos liberais em Portugal, o rei João VI voltou para o seu reino para tentar assegurar seu domínio de origem, e pediu para que o seu filho Pedro de Alcântara ficasse como príncipe-regente para cuidar do Brasil, chamados por alguns como o rei soldado libertador.

No decorrer dessa história entre Portugal e Brasil, as discussões entre as lideranças de ambos os lados, tentavam se apoderar cada vez mais, no sentido de obter o comando do poder político independente. O Reino de Portugal queria retroceder o Brasil à condição de colônia. O Partido Brasileiro formado por um grupo de pessoas aliadas a D. Pedro I, lutava pela autonomia do Brasil, cogitando assim uma independência.

Num amanhecer destes dias ensolarados, nestas terras nativas dos povos originários, ouviu-se as exigências das Cortes portuguesas ordenando ao príncipe regente D. Pedro de Alcântara, o seu retorno imediato a Portugal, criando uma junta de governantes para o Brasil. Muitos anos se passaram e muito foi inculturado no seio da nova geração desenvolvida por brasileiros, entre tantos descendentes formado pela miscigenação. Nesta conjuntura programada ao longo da história, a ideia de liberdade política dos seguidores de D. Pedro era diferente da luta de libertação entre nativos e africanos escravizados que foram submissos ao cativeiro secular. A convicção dos brasileiros partidário a D. Pedro, carregava uma bandeira de luta conhecida como a dos liberais radicais que queriam uma autonomia ainda dentro do reino. Foi por este caminho que estes liberais resolveram colher oito mil assinaturas reivindicando a permanência de D. Pedro aqui no Brasil, contrariando as ordens do Reino de Portugal.

Desde o começo, antes da colonização portuguesa sobre os nativos, esta ideia monárquica patriarcal não fazia parte da vida das tribos locais. É bom lembrar que a vida nativa, antes da chegada de Cabral, continha mais de duzentas etnias com mais de duzentas língua e dialetos. Havia já o desenvolvimento de diferentes grupos humanos, com atividade coletora, agrícola e a formação de sociedades complexas.

Continuando a história e contando os feitos dos brasileiros mestiços, encontramos as marcas do europeu dominador, civilizado, branco, cristão, machista e heterossexual. Na síntese do dominante, a colonização é uma conquista contra os selvagens que não são brancos e nem batizados como cristãos. Trata-se de um negócio, não de uma negociação. Portanto, para cumprir o plano da história colonizadora portuguesa no Brasil de 322 anos, o trato culminava nas decisões de um povo misturado entre culturas e, sobretudo, tomado por uma política liberal europeia com os ideais de um reino fadado ao fracasso.

Passando por todo esse cenário, chegamos ao ponto de uma decisão na história do Brasil. D. Pedro I, cobrado pelos brasileiros, contrariando as ordens de Portugal, negando seu retorno à Europa, declarou em público: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”.





2ª PARTE - MONARQUIA IMPERIAL (1822-1889 - 67 ANOS)


41 – PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA

 

“No seu lugar surgirá outro rei, que vai mandar um cobrador para requisitar o tesouro do Templo. Mas, depois de alguns dias, ele será derrotado sem ira e sem guerra” (Dn 11,20).

 

 Certa vez estava eu a caminhar em direção da biblioteca da escola que leciono para tratar dos fichamentos de leituras dos alunos e ao me aproximar da bibliotecária, um grupo de alunos e alunas chegaram até mim perguntando sobre uma pesquisa da professora de história. O fato em si não me surpreendeu por me encontrar num ambiente escolar, mas o que me chamou atenção foi a curiosidade dos discentes pela diversidade de livros sobre a história do Brasil que vi sobre a mesa.

Uma das alunas da equipe pegou um dos livros e abriu na página sobre a Independência do Brasil e fez uma pergunta curiosa que pedia várias explicações.

- Professor, esta pintura sobre a “Independência ou Morte” mostra como aconteceu a história?

- Boa pergunta, respondi com acréscimo. Na verdade, o pintor que fez esta arte se chama Pedro Américo, era um paraibano também poeta e romancista. Ele quis transmitir em sua tela a ideia do poder monárquico no Brasil, mostrando D. Pedro I proclamando a independência.

Os alunos estavam entre conversas e aos poucos iam prestando atenção sob a repreensão de outros colegas. Continuei explicando.

- O fato é que o Brasil fora colonizado por 322 anos por Portugal e continuava sendo dependente do reino português. Com a Proclamação da Independência o Brasil teria sua autonomia. Contudo, a realidade agora seria de uma nova nação, de uma nova nacionalidade brasileira. Porém, a nova nação deveria assumir um endividamento acordado com os portugueses, sendo ainda uma monarquia.

- Sim, professor, mas... neste quadro pintado por este... Pedro Américo, a independência parece que foi resolvida, não? Perguntou um aluno de olhar curioso.

- Parece? Respondi perguntando. Veja que o quadro é uma imagem fixa de um momento da história. Pode ser visto como se não estivesse em guerra, supondo até uma ideia de paz...

Deixei no ar uma reflexão para ver se alguma outra pessoa indagava sobre algo mais. E eis que veio. Um aluno autista que gostava muito de perguntar várias vezes a mesma pergunta, fez a interrogação:

- Professor, professor! Aqui está escrito “Grito do Ipiranga”. O que é Ipiranga?

- Ipiranga é um riacho que fica em São Paulo e esta palavra é de origem tupi que quer dizer “rio vermelho”. Vou dizer mais. No quadro pintado da Independência do Grito do Ipiranga, esses soldados de branco em seus cavalos, representam Os Dragões da Independência. Esses Dragões só adotaram esse uniforme branco que é visto na pintura, mais de cem anos depois deste fato brasileiro. Curioso né? Assim mesmo, o retrato oficial da Independência passou a ser esta pintura, como se tivesse sido capturado por um celular naquele exato momento, às margens do riacho Ipiranga, na cidade de São Paulo, em 7 de setembro de 1822. Ah! E tem mais. O grito “independência ou morte” pode ter sido uma frase do tipo: ‘Viva o Brasil livre!’ ou coisa assim. Depois disso, o príncipe D. Pedro I foi aclamado imperador do Brasil, sendo coroado e consagrado em 1º de dezembro de 1822, assim o país passou a ser o Império do Brasil.

O tempo parecia não passar na biblioteca da escola. O assunto sobre a Independência do Brasil ocupou o cognitivo de todos. Percebi que até a bibliotecária estava atenta à nossa conversa sobre a Proclamação da Independência do Brasil.

A coordenadora da escola tocou para o Intervalo e todos saíram correndo.





42 – MARIA FILIPA DE OLIVEIRA

 

“Não me venha mais fazer profecias em Betel, pois isto aqui é o santuário do rei, e é templo do reino” (Am 7,13).

 

Saindo do Ceará para uma viagem histórica, navegando com amigos numa lancha, conduzido por um nativo bem informado sobre o litoral baiano, eu como desbravador em um episódio dos sonhos, e por aventurar pelos lugares do meu povo de origem, resolvi investigar mais, como um curioso do saber, sobre a imensa paisagem que avistava.

- Bom dia, amigo! Por favor, você sabe dizer qual a importância curiosa desse lugar? Perguntei bem interessado.

- Bom dia a todos! Que bom ter vocês por aqui. Respondeu o piloto e continuou falando.

- Vou contar algo bem informativo para matar um pouco a curiosidade de vocês. Na bela paisagem da Ilha de Itaparica, que pela etimologia os estudiosos em tupi, traduzem com o significado de “pedra faiscante” ou “cerca de pedra”. Ela se encontra localizada aqui na Baía de Todos os Santos, neste estado da Bahia, a 45 minutos de Salvador, entre as 56 ilhas do lugar, e a curiosidade é que foi neste lugar onde nasceu Maria Filipa de Oliveira, no ano de 1799. Sabiam?

- Que aula! Respondi admirado.

O piloto passeava com a lancha devagar por vários lugares da ilha e enquanto íamos contemplando a maravilha de cada ponto por onde passávamos, cada um perguntava cada vez mais sobre Maria Filipa.

- Quem foi Maria Filipa? Perguntou meu amigo de viagem que também é professor.

- Conta a história que foi uma mulher marisqueira, pescadora e de trabalho braçal. Além disso, destacou-se como comerciante e navegadora. Foi uma heroína que aos 23 anos participou das lutas pela Independência do Brasil travadas na Bahia, na Ilha de Itaparica, antigo Arraial da Ponta das Baleias, imortalizada na memória popular. Maria Filipa foi uma líder corajosa engajada nas lutas sociais. Era alta e lutava capoeira. Descendente de negros escravizados, vindos do Sudão. Liderou um grupo para lutar contra os soldados portugueses e com o apoio de homens da cidade, queimou quarenta embarcações portuguesas que estavam próximas à Ilha, diminuindo o poderio colonizador no decorrer da batalha. Liderou também um grupo de 200 pessoas, entre mulheres negras, nativos tupinambás e tapuias nas batalhas contra os portugueses que atacavam a Ilha de Itaparica. Ela tinha uma fé dos orixás pela qual sofria perseguição.

Durante a viagem, enquanto escutava o guia e contemplava a paisagem nativa, meu amigo professor folheava um romance que estava disponível a bordo que trazia o título de “O Sargento Pedro” do autor Xavier Marques, um jornalista, político e poeta brasileiro. Lembro muito bem quando ela fez um belo comentário como gostava de exercer em sua oratória. E dizia que a figura histórica de Maria Filipa estava citada no romance deste ilustre escritor.

Maria Filipa de Oliveira faleceu em 04 de janeiro de 1873 aos 74 anos. Sua vida transmite uma inspiração que nos ensina a resistir e lutar pela emancipação que transforma a sociedade de submissão em uma convivência fraterna, onde as relações humanas se compreendem com a participação das mulheres livres e com dignidade. Contudo, ainda temos muito que lutar contra o racismo, contra uma sociedade de exclusão, e fazer valer uma política pública eficiente em favor da população negra.





43 – A MONARQUIA


“Vitoriosos, eles subirão a montanha de Sião, para daí governar a montanha de Esaú. E o reino pertencerá a Javé” (Ab 21).

 

No primeiro dia de aula, na turma do nono ano, chegou a professora de história e logo começo a falar pausadamente.

- Bom dia! Desejo uma manhã agradável. Vou me apresentar. Eu sou Coélet. Ensino história em duas escolas públicas...

Antes que a professora continuasse, um aluno dedicado interrompeu e disse.

- Professora! A gente vai estudar tudo o que tem nesse livro durante esse ano todo? Perguntou o aluno levantando com a mão o livro de história.

- Qual o seu nome, filho?

- Ledor. Respondeu o discente.

- Caro Ledor, vamos estudar para aprender a viver melhor a nossa história. Se alcançarmos esta meta, o livro será como uma fonte contínua para aprendermos a fazer sempre o que é melhor em nossa convivência social.

A aula começou com um breve debate acerca da fala da professora. Coélet tomou a palavra, aumentou um pouco a caixinha de seu áudio e retrucou:

- Vocês sabem dizer o que foi a monarquia no Brasil?

A turma fez um silêncio sepulcral. Perante a calmaria a professora começou a ensinar:

- Vamos lá! Prestem bem atenção. Houve um tempo na história do Brasil em que a monarquia imperou até que suas estruturas foram abaladas. Nesta época existiam dois grupos rivais e com ideias totalmente opostas. De um lado, os monarquistas, e do outro, os republicanos que passaram a contar com o apoio dos militares que estavam sem amparo do imperador.

Ledor levantou a mão e pediu a palavra e a professora concedeu.

- Professora, vou ler aqui no livro. “A monarquia foi a forma de governo adotada no Brasil desde a Independência, que aconteceu em 7 de setembro de 1822. Até o dia 15 de novembro de 1889, o Brasil foi uma monarquia e, ao longo desse período, o nosso país possuiu dois imperadores, D. Pedro I (Primeiro Reinado) e D. Pedro II (Segundo Reinado). Após conquistar a independência, o Brasil transformou-se em uma monarquia e foi governado por D. Pedro I, de 1822 a 1831, em um período conhecido como Primeiro Reinado.”.

A professora percebeu que os alunos acompanhavam pelo livro a leitura de Ledor. Vendo a preocupação deles com o texto em si, retomou a leitura e começou a fazer uma interpretação.

- Caros estudantes! A nossa história brasileira passou por um processo muito longo de colonização que durou 322 anos. Diante do impasse político, econômico e militar, surgiu um movimento popular de revolta pela insatisfação às questões sociais sob o governo do poder vigente da monarquia. Por conta de um desgoverno autoritário de escravidão, pobreza, fome e doenças, ocorreram várias rebeliões em diferentes regiões do país. Foi um desastre nacional. Essa fase do Primeiro Reinado durou até 1831, quando o imperador D. Pedro I abdicou ao trono brasileiro em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro II. Os desgastes do governo de D. Pedro I com a grande parte da elite política e econômica da sociedade, fizeram com que o imperador renunciasse o trono para o seu filho. Desta forma, o Primeiro Reinado chegou ao fim.

O toque para o intervalo foi acionado e a turma toda fez sinal para sair às pressas. A professora alertou para continuar a história na próxima aula.





44 – ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DO BRASIL

 

“E você, Torre do Rebanho, colina de Sião; a você virá, retornará a soberania de antes, a realeza da capital, Jerusalém.” (Mq 4,8).

 

Depois de um final de semana prolongando, devido um feriado, um grupo de jovens que estudavam na mesma escola, resolveram apresentar na hora do intervalo da aula, uma peça teatral com o tema “Assembleia Constituinte”. A gestão da escola fez algumas objeções e uma delas era que não podiam tomar muito tempo das aulas e que deviam fazer a apresentação apenas no tempo limite do intervalo. A situação não ficou muito agradável. Os jovens do teatro foram diretos falar com a diretora.

- Diretora, com licença. Podemos entrar? Perguntou Alana, a aluna roteirista meio desconfiada.

A diretora olhou para os jovens estudantes e logo perguntou do que se tratava. Mas permitiu que entrassem e sentassem.

- Diretora, a gente quer saber por que não podemos ocupar o tempo da aula depois do intervalo para continuar com um debate sobre nossa encenação.

Nessa hora a professora de História mais o professor de Arte, sabendo um pouco do ocorrido, pediram permissão para entrar na sala.

- Com licença. Falou Jacinta, a professora de História. Quero dizer algo que pode ajudar.

- Pois não, professora, diga o que tem pra dizer. Manifestou a diretora com expectativa.

- Quero dizer que o tema da minha aula trata da Assembleia Constituinte do Brasil de 1823, do tempo de Dom Pedro I. Estes jovens querem apresentar esta história numa encenação que sugeri em sala de aula, pensada também com o professor de Arte.

- É isto mesmo, diretora.  Heitor continuou a conversa, o professor de Arte. E dizia:

- Esta é uma experiência inovadora para estes estudantes. Poderão desenvolver de forma criativa uma visão aula marcante para todos da escola. Veja só. A roteirista pode dizer por si ou em nome do grupo, o que tem para apresentar. Pode falar, Alana.

- O que temos escrito no roteiro dá para uma bela apresentação e depois um bom debate. Aqui no papel temos um resumo sobre o tema. No primeiro ato temos uma manifestação com alunos e alunas demonstrando a insatisfação com o Império de D. Pedro I submetido a monarquia portuguesa, a situação de escravidão e todo o sistema de opressão. No segundo ato, a gente pensou em fazer um grande movimento circular tentado mostrar a ideia de organização de uma grande reunião, seria a Assembleia Constituinte. Neste momento, seria feito uma espécie de debate sobre a construção do Estado, da Nação e do Direito nacional. Por fim, o terceiro ato, entraria em cena um grupo de nativos e africanos com cartazes em protestos contra o exterminio de muitos que morreram pelo poder do Império colonizador e escravocrata.

A diretora ouvia tudo até com admiração. Mas antes que pronunciasse alguma fala, veio a interferência artística da professsora Jacinta.

- Como vê diretora, estes jovens têm uma dedicação especial para encenar e debater a aula.

Neste instante, Alana quis acrescentar mais um datalhe sobre a apresentação. Jacinta percebeu e perguntou se a roteirista queria falar mais alguma coisa.

- Queria dizer que no final da cena provocaríamos um debate sobre as ideias liberais de hoje e a vida excluída do povo faminto; o autoritarismo e a democracia; a relação entre a escola e a familia.




45 – A CONSTITUIÇÃO DE 1824

 

“Vou derrubar os tronos dos reis, vou acabar com a força dos reinos das nações. Derrubarei o carro de guerra com o seu condutor...” (Ag 2,22).

 

Ao entrar no museu, vi que havia na parede um grande quadro com uma imagem dourada nas cantoneiras da tela e o emblema do brasão áureo da Constituição do Império em destaque no centro. O fundo do quadro era todo verde. Embaixo estava escrito: Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Estando de pé e imaginoso, admirando o quadro, veio a mim um historiador e museólogo e perguntou:

- O que chama tanta atenção diante da tela?

Atônito por ser pego de surpresa e desconcentrando-me da figura cívica, respondi:

- Estava admirando a imagem e tentando entender o seu significado.

- Caro admirador. Posso adiantar que esta imagem remete a uma longa história.

- Então, pode contar?

A partir daí o historiógrafo começou a contar a história.

- Depois da Independência houve a formação de uma Assembleia Constituinte, eleita de forma indireta e composta por cem deputados da elite econômica. Eram homens letrados, padres, proprietários de terra, servidores públicos, militares, médicos. Nenhuma mulher poderia participar. Era período da escravidão.

Neste momento, olhei para os visitantes no museu e sem entender muito o que ouvia, interrompi.

- Desculpe. Mas o que toda esta história tem a ver com o quadro?

O historiador continuou.

- Como vê, o quadro representa a Constituição do Império do Brasil. Além disso, por traz desta história está a representação dos partidos elitistas.

- E quais eram estes partidos? Atalhei com curiosidade imediata.

- Entenda. Existia um grupo de pessoas consideradas da ala liberal. Era gente que defendia a liberdade civil, isto é, os direitos das pessoas e a monarquia constitucional. Outra ala seria a dos liberais exaltados republicanos. Estes defendiam mudanças políticas e sociais. Uma terceira ala seria a dos portugueses conservadores que defendiam a monarquia absolutista.

Depois de tanta informação por conta de um quadro da Constituição do Império, e como visitante do museu, a curiosidade só aumentava.

- Continuando. Após D. Pedro I ter formado um conselho para atender seus interesses, contrapondo os radicais, resolveu articular o seu grupo e fazer de forma imposta a Constituição.

- Como assim, imposta? Interpelei como um aluno.

- Imposta ou outorgada, foi assim que aconteceu. Explico. O imperador D. Pedro I, vendo que a Assembleia não atendia seus interesses e nem à Coroa do Reino português, resolveu fazer um decreto dissolvendo a Constituinte. Ordenou ao exército a invasão do congresso, prendendo e exilando diversos deputados. Esse ato ficou conhecido como a “noite da agonia”. Desta forma, dez defensores do partido português, às portas fechadas, redigiram a Carta e D. Pedro I Outorgou a primeira Constituição do Brasil, em 25 de março de 1824. A única Constituição monárquica do Brasil. Uma Constituição centralizadora, com quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e o poder Moderador privativo do monarca. Detalhe, a escravidão foi mantida.

- E os ideias da independência por uma nação livre? Inquiri o historiador, ainda olhando para o quadro da Constituição.

- Ah... Esta é outra história.




46 - 





 - O FEIRANTE

 1975

Saí de Recife tinha oitos anos e me lembro da feira e dos feirantes de Peixinhos. Passei a morar em Fortaleza, numa favela chamada Cidade Aflita, por trás do Hospital Geral, e a cena dos feirantes não saiu da minha cabeça. Meu pai trabalhava na Cervejaria Astra que passou a ser Brahma e agora é o Shopping Riomar. Minha mãe cuidava da casa e minha avó Cecília ajudava. Junto com meus irmãos fazíamos as tarefas da escola, confecção de chaveiros artesanais, aguação das plantas e ajudava nas atividades domésticas. Às seis horas da tarde rezávamos o terço à luz do lampião e passava o tempo com entretenimento na rua com os amigos até a hora de dormir. No dia seguinte, nem sempre, íamos à feira comprar verduras e tocar a vida pra frente.

- Olha a verdura! Olha a verdura! Gritava o feirante que usava uma blusa branca com a imagem estampada do futebolista rei Pelé e ouvia músicas do rei Roberto Carlos num radinho de pilha pendurado com um arame. E continuava gritando:

- Olha a verdaura! Olha a pimenra do reino! Olha o cravo da Índia! 

A feira lembrava o feriado dos dias de santo e tem origem na Antiguidade. Meu tio dizia que todo dia era dia de feira e fundamentava nos dias da semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira… e até sábado e domingo tem feira. 

- Olha a verdura! Olha a verdura! Insistia o feirante gritando.

Todas as vezes eu ia à feira com a minha vó, ela comentava que tinha muitas verduras pelo chão e eu via também este estrago que prossegue até os dias atuais. A partir desta observação começamos a pegar as verduras do chão e aproveitar para fazer uma sopa. Assim, também, eu pegava junto com outros meninos, os carvões que caiam do caminhão que passava vendendo pela rua, e levava pra mãe usar no ferro de engomar. Hoje com a tecnologia mudou tudo. Apesar disso, muitos ainda têm as dificuldades causada pelo capitalismo. 

Um dia, o Feirante que tinha percebido nossa coleta de verduras soltas pelo chão, chegou pra gente e indagou:

- Por que vocês estão catando verduras pelo chão?

Explicamos sobre o problema do desperdício e a necessidade que passamos. O feirante entendeu e se solidarizou. Senti que chamamos atenção do feirante e com isso penso que muitos devem ter percebido. 

Depois desta histórica conversa, a vida do feirante e a nossa passou a ter uma relação mais próxima. Mas descobrimos um inesperado. O feirante morava na Cidade dos Mortos. Improvisou uma casa dentro de um cemitério. Talvez os outros feirantes não soubessem. Esta foi uma revelação impactante que provocou em todos uma indiferença e causou mudança em quem descobriu.  Outro aspecto intrigante foi a plantação de uma horta suspensa no muro interno do cemitério. Com o cenário do habitat do vendedor de verduras, não pude esconder minhas curiosidades. Perguntei tudo sobre a vida do feirante. Fiquei sabendo que sua família tinha sido assassinada e que todos tinham sido sepultados naquele campo-santo. Ele se tornou o coveiro daquele lugar que também era o seu dormitório. Como se não bastasse, apareceu um grupo de pessoas e começou a perguntar se a gente era os novos moradores. Assim descobrimos que o feirante vivia com mais outras pessoas no cemitério, e estes eram os marginalizados da sociedade que também conviviam com as pessoas nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nos estádios, nas festas, nas padarias e nas feiras de cada santo dia.




 - O CONTADOR DE HISTÓRIAS

  

Vou contar uma história que aconteceu comigo e posso dizer que aconteceu com toda a nação brasileira. Quando eu tinha vinte anos, o país ainda estava no regime militar. No ano de 1982 eu morava no Conjunto Ceará. Deixei de viver no Seminário e voltei a conviver com a minha família. Terminei o nível médio em Contabilidade junto com meu irmão Serafim. Comecei logo a fazer amizade com os jovens da Igreja Católica do Grupo Libertação. Neste campo das amizades surgiram vários tipos como, boêmios, esportistas, artistas e políticos. Chegamos a fazer algumas manifestações artísticas como o “Feirart”, criações de espaços como Shangri-Lá, Kuarup, Makulelê Bar… 

Estive muito imbuído com o movimento eclesial na Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), junto com outros jovens articulamos reuniões nas escolas do Conjunto Ceará, em nome da Campanha da Fraternidade para formações em combate a violência em favor de uma cultura de paz. Nesse período surgiram os namoros, pois, no Seminário não era propício. Enquanto tentava um namoro sério, começava a curtir as novas bandas que surgiram: Legião Urbana, Titãs, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, RPM, Barão Vermelho… 

No ano de 1983 comecei o meu primeiro emprego na Livraria Paulinas, frequentei o Sesc, fui auxiliar de pedreiro, consegui um contrato na Prefeitura de Fortaleza na Secretaria de Serviços Urbanos, foi um reboliço. 

O Brasil passava por um período final de uma ditadura militar no governo do General João Figueiredo. Foi neste ínterim que dois amigos secundaristas, o Fernando Santiago e o João Luiz (vulgo, “Santinho”), sequestraram um avião de Fortaleza para Cuba. Virou um documentário chamado o “Último Pau de Arara”. Escrevi muitas cartas pra eles e todas foram respondidas, vindas de Cienfuegos, local onde ficaram. Até pensei escrever um livro com as cartas com o título: "Cartas de Cuba". Mas foram descartadas.

Em 84 casei. Enquanto isso, as camadas populares e democráticas do Brasil celebravam as Diretas Já!  Era um movimento político que defendia a eleição direta para presidente da República do Brasil. Foi neste processo democrático que em 85 Tancredo Neves tinha sido eleito presidente do Brasil, mas não pôde tomar posse por motivo de saúde e morreu pouco mais de um mês depois. Seu vice José Sarney ocupou o cargo.

Neste ano de 85 nasceu meu primeiro filho, o Jonas Filho. Fiz um soneto pra ele com o nome “Geração”. Neste mesmo período era o fim do regime militar e o nascimento da redemocratização. Em 87 nasceu a minha primeira filha, a Luana Lúcia, e pra ela escrevi o poema “Teu nome é Luana”.

Nesta história toda, veio à minha memória a letra de “Eduardo e Mônica" de Renato Russo da banda Legião Urbana. A letra começa e termina dizendo: “Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração”. De fato, quando eu tinha vinte anos, enfrentei o mundo sob a ditadura militar, convivi com tantos que já se foram e outros tantos mais que investiram em algum estudo e trabalho. Nesta caminhada da vida, aprendi com minha família a ser uma pessoa de fé e trabalhar com honestidade, continuei os estudos pelo esforço de um trabalhador assalariado, resolvi constituir uma família, mesmo sem ter as condições necessárias como deveria ser. Dediquei muito tempo às pastorais sociais em detrimento de uma profissionalização para o meu futuro. Apesar de alguns percalços entre jovens de famílias carentes e resistentes no sonho de uma vida digna, onde contextualizava a realidade brasileira da década de oitenta, a história construída neste período, demonstra o fruto de uma geração que ainda luta. 




  – JURUNA

1983

No reino das tribos autóctones do território brasileiro, muito antes da colonização europeia, há mais de doze mil anos, havia mais de cinco milhões de nativos numa floresta de extensão imensa que atendia a todas as necessidades da vida com sua biodiversidade. O povo que vivia nestas terras sentia o sagrado presente na natureza e em tudo compartilhava com todos.

Séculos passaram e o mundo indígena ficou dominado pela urbanização.  Entre tantos índios, teve um chamado Juruna que chegou a ser o primeiro deputado federal do Brasil. Juruna era um líder político que lutava pelo seu povo e sua terra. Andava sempre com um gravador para registrar o que o branco dizia e constatar as mentiras das autoridades. Chegou até a publicar um livro chamado “O Gravador do Juruna”.

Tentaram subornar o democrático, militante, corajoso e combativo Juruna, para apoiar os candidatos dos empresários e dos militares, mas recusou. De fato, entre os índios e a aliança de empresários e militares há um abismo imensurável.

Juruna confrontou com uma realidade de políticos envolvidos com roubo de terras indígenas e assassinatos. Nesta história, surgiu a presença de missionários que apoiaram os índios. Por outro lado, os missionários também causaram impactos sobre a cultura e a saúde indígena. Apesar das denúncias sobre o abuso de poder, da má gestão do governo sobre o latifúndio, e da exploração das multinacionais, a comunidade indígena teve a defesa de um líder nato por meio do movimento popular.

O tempo passou. No ano de 2020 encontramos uma realidade ainda mais complexa e com muitas dificuldades para todos. As terras indígenas sendo cada vez mais invadidas no governo de Bolsonaro; vários incêndios provocados neste território; exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio; aumento de assassinatos; aumento do desmatamento; alto consumo de bebidas alcoólicas, envolvimento com o mundo das drogas, estupros e roubos; suicídios; pandemia pelo coronavírus...

A história não retorna e o que passou serve de aprendizado. As transformações atravessaram o mundo das pessoas nas diversas culturas e crenças. Agora resta saber discernir toda a mensagem dos antepassados diante das crises que vivemos hoje e lutar para reconstruir uma nova vida em benefício da coletividade. Assim como o aguerrido Juruna alertou sobre o autoritarismo dos opressores, saibamos relutar contra os tiranos.





 - MARIA

1986  

Maria era uma jovem mulher militante do movimento estudantil no município de Fortaleza, atuou nas comunidades eclesiais de base e dedicou-se ao serviço social às famílias carentes. Pertencente ao partido dos trabalhadores, conseguiu vencer as eleições e se tornou a primeira mulher a governar uma capital do Brasil. Isto foi também um anúncio de uma capital nordestina que combatia o modo de produção capitalista. Neste cenário estava as intenções da jovem Maria que queria organizar frentes populares de vanguarda e combater o poder opressor. Os conflitos sociais e econômicos se misturavam às demais questões das classes trabalhadoras. Os motoristas de ônibus e os garis, entre outras classes trabalhadoras, se organizavam numa greve em oposição à elite empresarial. De fato, houve um avanço nas decisões políticas em que Maria era sujeito histórico no processo de construção de uma cidade mais humana.

O período era do ano de 1986. O governo brasileiro de José Sarney tinha lançado o Plano Cruzado que estabelecia uma economia de estabilização e de congelamento de preços. A moeda brasileira deixava de ser o cruzeiro e passava a se chamar Cruzado. Neste período, o empresário Tasso Jereissati assumiu o governo do estado do Ceará com vistas à iniciativa privada. Mas a miséria continuava e uma greve geral tomava conta do Brasil.

Diante das dificuldades de uma prefeitura endividada, com uma folha de pagamento sem condição para ser efetivada e com uma política fiscal que concentrava os recursos nas mãos da União e do Estado, Maria não podia operar milagre, mas tinha que organizar e administrar a cidade. Sem dinheiro, sem apoio do governador do estado e com muitas exigências da população que quer resolver tudo de forma imediata, Maria tentava com sua equipe, pôr em prática uma administração popular. Os desentendimentos ideológicos conduziram a história para outro rumo que configura o capitalismo. 

Maria expressava a vontade socialista, mas o impulso dos citadinos seguia a correria do imediatismo dos interesses politicamente egocêntricos. A sociedade fortalezense aceitava passivamente a política empresarial de quem governava o Estado, ao mesmo tempo, este governo que dispunha das verbas, deixava de apoiar o município. Será que não existia nenhuma intenção político-ideológica por trás de um governo que não caminhava unido com a administração municipal para o bem do povo?

Depois de três anos administrando a cidade de Fortaleza, a jovem professora Maria, continuou na luta participando dos movimentos populares e ampliando sua articulação, chegando a fazer parte da Assembleia Nacional Constituinte em 1987, e deste desfecho, foi promulgado a nova Constituição Brasileira em 1988.

Maria fundou a União das Mulheres Cearenses (UMC) e o Grupo Crítica Radical, juntamente com sua amiga Rosa, Célia e Jorge. Este grupo atua contra toda forma de violência, prega o boicote às eleições e realiza estudos de formação político-filosófica, tendo em vista uma transformação do pensamento e da ação humana na construção da sociedade emancipada. 

No mais, fico com o conto que conta a criticidade, que canta e encanta a realidade da vida de tantas Marias deste Brasil de meu Deus. E como a voz do poeta entoa: “Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta”.


 JOÃO E MARIA

 1990

João e Maria se conheceram em um grupo de jovens, no Seminário Seráfico Nossa Senhora do Breasil, em Messejana, nos anos de 1980, ainda no tempo de chumbo da ditadura militar. Ele tinha 19 anos, ela 16. Ambos ficaram fascinados um pelo outro pelas conversas e descobertas que fizeram nos encontros de domingo no Seminário. Sim, no seminário, porque João era seminarista por influência do pai e coordenava o gruop da Juventude Fransciscana. Durante alguns meses tiveram encontros escondidos do Seminário, para um namoro do primeiro amor. Quando chegou em dezembro, nas férias das aulas em pleno natal, João desistiu do Seminario por não ter vocação para ser padre e voltou a morar com a família no Conjunto Ceará, localizado na fronteira do município de Caucaia. A mãe de Maria a proibiu severamente de ver João. Maria foi obrigada a ir para o Rio de Janeiro para cuidar da tia que precisava de cuidados.

O tempo passou e dez anos depois, João estava andando próximo a igreja Coração de Jesus, quando sentiu um calafrio nas costas de cima a baixo. De repente, vira aos poucos, olha um ônibus passando e ver a bela Maria na janela do veículo. Sem pensar mais em nada, como um vulcão que explode, ele grita: Maria! Maria! O ônibus segue viagem, mas Maria pede para descer e sai do ônibus e corre em direção de João. Os dois se abraçaram longamente e com um aperto da saudade ficaram grudados por um bom tempo. Devagar vão soltando os braços. Ficaram colados de frente um para o outro se olhando incansavelmente. E se olharam lacrimejando, lembrando dos primeiros beijos desse amor original. Os beijos são infinitos...

Pouca conversa e muitos abraços e beijos. Depois resolveram sentar num banco da praça. Conversaram muito sobre tudo rememorando o que fizeram desde quando se conheceram e tiveram o primeiro beijo inesquecível. 

João estava de moto e convidou Maria para um passeio a beira mar. Maria ficou temerosa por andar numa moto, mas João encorajou com ar de segurança. Resolveram e partiram.

Passeando pela areia da praia de Iracema, Maria começou a fazer um monte de perguntas. João respondia todas com classe de poeta. Por falar em poeta, Maria sabia que João escrevia muitas poesias. E ela tinha guardado um caderninho com as poesias que João escrevera dedicado ao amor dos dois.

Andando pela areia molhada da praia, sobre as espumas flutuantes, lembrando das poesias de Castro Alves e de Vinicius de Moraes, os dois contemplavam em silêncio amoroso a imensidão do mar, como Afrodite e Eros.

Depois, sentados numa pedra da praia, se entreolharam, beijaram e se abraçaram.

O tempo passava e já era o pôr do sol, despedindo daquele encontro apaixonante que entregava o dia para a lua entre as estrelas. 

Antes de partirem para seus destinos, João teve que revelar sua realidade. Maria desconfiou do segredo que parecia querer não saber. Mas a aliança no dedo de João já explicava o significado. Sem muitas explicações, quando pensava em dizer algo.... Maria logo perguntou se ele era casado. A afirmativa de João foi dita em poucas palavras. João disse também que não vivia feliz a vida que tinha. Que há muito tempo queria sair dessa vida. E agora, vendo o seu primeiro e grande amor da sua vida, deixaria tudo para ficar juntos. Maria disse que não queria atrapalhar a vida dele. Foi uma uma conversa diferenciada de quando começaram com abraços e beijos. Mas, é assim mesmo a natureza da vida. João pensava em se encontrar mais vezes com Maria. A ideia parecia ser recíproca. Porém, João não tinha a liberdade que Maria queria sentir ao lado dele. Assim, Maria resolveu deixar como está e combinou com João continuar vivendo um dia de cada vez.


 - O EX-SEMINARISTA

1996

Outro dia desses da vida, numa praça de Fortaleza, mas precisamente, na Praça do Ferreira, cartão postal da cidade da luz, encontrei um amigo ex-seminarista, colega do Ensino Fundamental do Seminário Seráfico Nossa Senhora do Brasil, lá de Messejana, do tempo entre 1976 a 1981. Fazia alguns anos que não tinha notícias do tempo de seminário. O nome dele é Maurício e a gente tinha contato esporádico pelas redes sociais. No instante de um aperto de mãos e poucas palavras, Maurício me chamou para auxiliar num evento que poderia reunir os outros colegas de seminário. Concordei e pensei ser uma ideia surpreendente. Trocamos algumas palavras e nos despedimos.

Repensei na ideia do reencontro com os colegas de seminário, mas pressenti uma fala solta de ambas as partes. Saí andando pela Rua Guilherme Rocha perdido na zoada dos camelôs. Maurício também saiu em direção oposta e se perdeu no meio da multidão. Nossa saída parecia o oposto do que conversamos sobre um reencontro de amigos. Se queríamos nos aproximar, então, deveríamos combinar um contato com mais calma e tentar uma busca virtual para encontrar outros companheiros do tempo de seminário. Percebi um distanciamento em nosso colóquio. Mas a amizade estava presente no instante de aperto de mãos. Fora isso, continuei andando e vendo que as pessoas estavam atropelando umas às outras, entre os camelôs e um amontoado de transeuntes consumistas, entre esses, estávamos nós, eu e o Maurício.

 O cruzamento entre as pessoas no corre-corre do consumismo da vida, as exigências do trabalho, as propagandas de incentivo às compras, conduzem a sociedade para um funil capitalista e individualista. O progresso econômico do mundo não corresponde com o desenvolvimento humano. Deveria ter uma relação mútua, mas não tem. É um fato constatado em cada expressão entre as pessoas que andam passando umas pelas outras, sem quase nenhum sentimento de solidariedade, ou pretensão de parar para repensar este estilo de vida fechado. Este engessamento antagônico, de intolerância e sem compaixão com a vida no mundo, precisa ser compreendido e transformado numa sociedade fraterna. As abordagens que fazemos nas praças da cidade quando deparamos com um velho amigo, faz a gente repensar este modo letal de relação humana. As amizades feitas no tempo de Ensino Fundamental, muitas vezes, são desconstruídas e apagadas na obscuridade da correria consumista. As consequências desta estrutura social capitalista são ansiedade, depressão, estresse e até o suicídio.

Reparando a cena inicial aqui contada de dois ex-seminaristas que aprenderam a fé com a vida, fico a pensar no restante da sociedade. Muitos repetem o jargão: "cada um faz a sua parte”. Mas cada parte faz parte de um todo. Neste sentido, retorno às atitudes de um simples aperto de mãos. Este é um ato social e carrega todo um contexto transformador para uma convivência fraterna. Neste gesto é possível encontrar o poder de uma contribuição para a boa convivência.

Diante de uma situação social simples e politicamente complexa, ainda encontramos a falta de prioridade para a sustentabilidade das relações coletivas mais humanizantes. Ficamos escondidos no meio da multidão, como camelôs querendo ganhar o bendito pão de cada dia.

 



 – O CAMPONÊS

2000

- Corram! Corram! Venha por aqui! Gritou um camponês barbudo com uma foice sobre os ombros. Era um homem alto e magro que cuidava das terras de seus avós já falecidos, situado no sertão cearense. A situação era de perigo. O lugar estava dominado por latifundiários exploradores. No momento ocorria a cena de perseguição de mandantes dos proprietários rurais contra meia dúzia de homens que foram socorridos pelo camponês. Era final de tarde.

Os homens acudidos na casa do rústico sertanejo conversaram até altas horas. Parecia até que o camponês se sentia chamado a fazer o socorro que fez. Entre eles havia algo empático. Os perseguidores já haviam ameaçado o camponês e viviam intimidando sob as ordens dos latifundiários.

Passaram a noite escondidos na casa do camponês. Foi uma noite de muitas histórias. O camponês propôs um plano de no dia seguinte fazer uma jornada rumo ao centro do sertão, onde se encontrava um grupo organizador de um movimento em defesa da terra e dos camponeses. Todos concordaram e de manhã cedo partiram.

Quando chegaram ao grupo de defesa camponesa, depararam com outros desafios. O local tinha sido invadido e destruído. A jornada não seria em vão. O camponês passou a mão na barba, pensou e disse: 

- Vamos reunir toda a comunidade e decidirmos juntos o que fazer.

O grupo acatou a ideia do camponês e fizeram uma grande assembleia. A decisão resultou numa marcha em direção a casa grande do chefe dos latifundiários. Fizeram um grande círculo em torno do casarão. Alguns pensaram em fugir, mas foram encorajados pelo velho camponês. Fizeram o combinado. Cada um estava com suas ferramentas de trabalho na mão e gritavam palavras de ordem em defesa da vida. Assim passaram umas duas horas.

Um fazendeiro gordo com chapéu de couro saiu de dentro do casarão com mais dois capangas armados. Houve uma expectativa. O grupo ao redor da casa ficou em silêncio. Depois de um tempo, o fazendeiro pediu para que dois representantes dos camponeses entrassem na casa para uma conversa. Assim foi feito. Na conversa falaram sobre a posse da terra, herança familiar, roubos e mortes. Por alguns momentos ocorreram discussões severas uns contra os outros.

Após uma longa e cansativa conversa, o grupo de fora já não aguentava com tanta ansiedade, diante de um problema tão sério que é a luta pela terra. Deste lado estavam os aliados com a ousadia do camponês que propôs uma marcha para confrontar os latifundiários. Do lado de dentro da casa grande estava a representação de um sistema opressor. O medo era aparente frente as armas dos capangas. Apesar de tudo, e de um acordo obscuro entre as partes, pode-se dizer que houve um ganho muito sutil por um lado da questão toda. Mesmo assim, o grupo saiu andando de volta às suas casas, contudo, sabendo que a qualquer hora, podiam retomar a luta em um novo desfecho.



- O INVESTIGADOR

 2010

Havia um homem de nome Abílio, formado em psicologia e direito, que trabalhava na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para apurar as informações que aconteciam pelo país em todos os estados e era conhecido como o investigador. Este agente foi chamado urgente para investigar as manifestações que vinham ocorrendo nos estados do Nordeste e que eram suspeitas de ameaças à segurança nacional, assim era compreendido. O espião tinha em mãos um projeto secreto do governo que tratava de análise de informações que pertenciam ao poder judiciário e foram fornecidas por outros parceiros do local onde deveria ser investigado. Assim, o investigador partiu para a sua missão secreta e ficou na espreita, como uma fera hábil e sutil, e depois, deveria entregar à Agência de Inteligência, as confidências da política dos estados frente às manifestações populares.

A jornada do investigador começou logo com a ajuda de um aposentado do Gabinete de Segurança do presidente da República. Este passou uma lista com informações secretas acerca dos movimentos sindicais, era um envelope em que estava escrito "Operação Motus” ou Operação Movimento. O investigador perguntou do que se tratava. Ao saber que era confidencial, pensou nos perigos que iria enfrentar e, se por acaso recusasse a missão, poderia ser rebaixado. Não hesitou em seguir adiante, afinal, era o seu trabalho.

Logo no começo da investigação, Abílio descobriu vários volumes de documentos sobre desaparecimentos e mortes de trabalhadores que não eram do conhecimento da população. Ao tentar saber mais detalhes sobre o assunto, deparou com o segurança desses dossiês que tinha ordens diretas para ninguém ter acesso. O segurança era envolvido com crimes que iriam comprometer a sua vida e a da polícia.

O investigador decidiu seguir por outra estratégia. Procurou falar com alguns velhos amigos do setor de investigação confidencial e encontrou uma ajuda de um colega detetive que tinha influência política com muitas autoridades.

Depois de vasculhar a vida de meio mundo de gente, o investigador descobriu com o apoio da influência política do detetive, que a maioria das pessoas do departamento de investigação policial estava envolvida com corrupção, suborno e tráfico de drogas. As manifestações sindicais que eram alvos para o governo desarticular ficaram em segundo plano, mas não foram esquecidas.

O fato do investigador esmiuçar o departamento policial e constatar um bloco de crimes, fez com que conduzisse até a Agência de Inteligência as informações transgressoras. A denúncia chegou aos ouvidos dos corruptos, e por causa disso revidaram destruindo o apartamento de Abílio.

O trabalho do investigador não é diferente dos afazeres dos policiais. Contudo, havia um impasse. Era preciso separar o trigo do joio e fazer uma reparação diante de pessoas públicas e poderosas. Muitos se escondem por trás das fardas e prejudicam o convívio social. A vida poderia ser bem melhor. Tudo isso era pensado por Abílio. Diante desta reflexão, e por ameaças de corruptos, a decisão de Abílio foi retornar para a Agência de Inteligência e resolver seu trabalho numa situação aparentemente normal, continuando com suas atividades triviais.


 – O DOM DE DOWN

2012

Down, tu és um vencedor! Bradou aquela voz interior. Tua mãe parecia escutar e entender o que tu sentias. Teu mundo, só tu sabes o que sente. E a voz se fez carne e começou a conviver com o mundo que é de todos. E dizia assim: Tu partirás amanhã bem cedo. Estudarás muito. Deixarás teus pais e seguirás o teu caminho.

Um dia tu deixaste os brinquedos e o tablet jogados pelo chão para fazer o que é próprio da tua missão. É, por que cada um tem uma missão aqui na terra, não é verdade?

Depois de algum tempo de estudo na escola, tu sabes, o casal de amigos autistas, Autran e Aury, te repassaram uma incumbência sobre um acordo entre os três para ser cumprido enquanto viverem. Qual era esse acordo? Tudo estava escrito numa carta feita e com a assinatura dos três. O propósito deste acordo consistia numa campanha em defesa do respeito pela diversidade entre as pessoas. Deixaste aquela carta guardada numa gaveta da estante do teu quarto. Esta era uma realidade que te consumia por saber dos poucos amigos que a ti se aproximavam. Precisava de ajuda para ampliar o pacto do teu acordo. A voz do teu silêncio gritava entre as vozes externas da família e do resto do mundo.

Tu começas a procurar a superar teu próprio desafio, quando tentas em pensamento, recusar tudo o que escutas deixando as pessoas dizendo o que pensam de ti. Entretanto, teus amigos autistas, entre outros, não te repreendem por ter o dom de Down.

O mundo é um abismo de testes a enfrentar até por uma simples campanha de respeito entre as pessoas por suas diferenças. O normal já era ignorado. Apesar de tudo, tu estavas sempre com teus amigos e estes nunca deixaram de te apoiar. Mesmo tendo alguns medos, e isso é normal, tua crença era maior diante da travessia que passavas. Teu discernimento era superior para distinguir o que fazer e superar, entre aqueles da escola ou aqueles que te viam pelas ruas por onde andavas e te rejeitavam. Tu sabias bem exatamente o que devias fazer. A campanha acontecia na estampa de teu rosto, na tua blusa e nos teus gestos de solidariedade, de cooperação e cuidado. Olhas ao teu redor e suspiras. Tu és uma pessoa que humaniza. Estás a falar para o mundo da inclusão da unidade na diversidade. Tu compartilhas amor, paz e felicidade.

Depois de algum tempo, tu preparaste uma ação na escola e nas ruas de tua vizinhança. Criaste a partir da campanha escrita na carta, um movimento já conhecido chamado de um quilo de amor, junto com teus amigos e envolvendo a participação das famílias do bairro. O movimento consistia em arrecadar um quilo de alimento para fazer cestas para serem doadas às famílias mais carentes. O fato serviu de reconhecimento para ti e para teus amigos autistas, entre outros.

Teu dom trouxe de volta a autoestima e te fez retornar ao princípio da missão que está escrita no teu coração. Embora as perseguições na escola e nas ruas sobre o teu jeito de ser bem humano, não modificaram a tua essência, mas causaram em ti uma maneira introspectiva, ensimesmado e casmurro. Por outro lado, fizeste um retorno olhando no retrovisor da história, dando volta por cima, quando criaste com teus amigos, um movimento em favor das famílias desprovidas. Para elas parecia um começo de uma nova vida. E para ti uma renovação em tudo que resolveste fazer.

Diante de tuas decisões, uma era preciso saber e continuar ativa, a missão de viver e conviver reconstruindo cada dia, tuas ações como um processo de transformação, onde as pessoas pudessem compartilhar no mundo cada vez mais o amor.

(O Dia Internacional e Nacional da Síndrome de Down é celebrado em 21 de março. A data tem o objetivo de conscientizar e de quebrar o estigma social a respeito da síndrome. A Organização das Nações Unidas (ONU) reconhece a data desde 2012).





 – ENTRE PROFESSORES E ALUNOS 

 2020

Em tempo de pandemia por um coranavírus denominado de Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, encontrei um desafio na arte de ensinar. Era preciso entender a novidade da situação mundial onde havia mais de três milhões de mortes por esta doença. No Brasil, já contava em torno de 600 mil mortes. Governar uma nação neste contexto, precisa ter uma força tarefa coletiva nacional e internacional em nome da ciência. É neste ambiente que encontramos professores e alunos estudando uma nova forma de viver, apesar das mortes e da falta de dedicação de muitos governos.

De repente, a vida muda com a morte. É assim, inesperado. Meu trabalho foi todo transportado para dentro de casa. Aliás, de todo mundo. Eram decretos e mais decretos sobre como viver diante de uma calamidade. A frase mais usada era “fica em casa”.

O meu serviço acontece nas escolas públicas. Assim atendia ao meu chamado diário de compartilhar entre alunos o ensino-aprendizagem. Não é tão difícil de entender este mundo comum. A transição que passou a atormentar muita gente, começou quando não podíamos mais sair de casa. Tudo era on-line. Qualquer compra ou negociação possível era de forma remota. Era o que se chamava de distanciamento social. Prefiro dizer distanciamento físico. Não somos antissociáveis. O ser humano se torna social. Apesar dos crimes...  

desafio de conviver com a pandemia provocava ansiedade e depressão, além das questões econômicas que já afetavam a sociedade. Na verdade, tudo era afetado nesse cenário obituário. Como professor, descobri um mundo virtual com os alunos. A porta da escola era um portal pelo celular ou notebook. Esse era o novo contato entre professores e alunos.

As avaliações passavam pelo crivo de conviver também com as doenças e até com as ideologias díspares que causavam bloqueio entre familiares nas redes sociais. Aliados que pareciam ser, ficaram inimigos de fato. Neste processo todo de duro trabalho on-line, muitas foram as transformações: tornei-me um assistente digital para com os alunos, fiz chamada de vídeo, preenchi plataformas de planejamento das aulas, os alunos usaram chips que a prefeitura distribuiu tardiamente e muitos não funcionaram, transmiti aulas pelo Google Meet, vivia ilhando o tempo todo os grupos de WhatsApp dos alunos e das escolas... cansei a vista. A vida cansou.

Era outro paradigma que se formava no processo de viver a vida como um todo, diante das crises obscuras das mortes por Covid, além de outras causas. Como reparar tudo isso? Uma parte da resposta segue no parágrafo seguinte.

A luta pela vida se engaja no cotidiano. Era um calor de outubro, quando estávamos às 4h da manhã no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, com professoras e professores na luta em favor dos serviços públicos, pressionando os deputados cearenses que se dirigiam para Brasília, tratar da votação da reforma administrativa. Enquanto isso, entoávamos palavras de ordens como: “Fora Bolsonaro!”; “Reforma não! Saúde, educação!”. Depois disso, seguimos para as salas de aulas para continuar na luta da “educação como prática da liberdade”.




 - O PAJÉ

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Em nosso mudo cibernético ainda temos pajés. É nesse campo que esta narrativa acontece. Neste ano de 2020, a força que move a natureza fez algo diferente e modificou a vida de todos, obrigando a viver com máscara como arma que combate um vírus mortal de uma pandemia.

Em plena festa de carnaval no Rio de Janeiro, os carros alegóricos e foliões desfilavam pela avenida aglomerada. No meio do asfalto houve uma explosão e um palhaço caiu do alto de um trio elétrico sobre o chão. Todos que estavam por perto correram e formaram um círculo fechado em torno do palhaço caído. Porém, havia um pajé todo pintado com um cocar e um cachimbo segurando um maracá. Aproximou-se do palhaço e começou a fazer um ritual defumando e balançando o chocalho. Em seguida virou-se e saiu do meio da multidão perdendo-se de vista. O palhaço ficou de pé e saiu à procura do pajé.

Depois de alguns meses de buscas, o palhaço descobriu numa tribo do nordeste brasileiro, uma aldeia onde vivia o pajé que o salvou daquela queda na festa de carnaval. O encontro foi surpreendente. O palhaço e o pajé conversaram por longas horas. Já no fim da tarde, antes do por do sol, o palhaço partiu, mas deixou uma mensagem de viagem para o pajé.

No dia seguinte, logo de manhã cedo, o pajé pegou seu cocar, o cachimbo e o maracá e todo pintado seguiu numa vereda que dava acesso a uma caverna. Era o começo da mensagem entre o pajé e o palhaço. O percurso pela caverna fazia a transição para o destino do pajé. O caminho levava direto para uma gruta onde se ouvia de um oráculo os conselhos e ajudas para as viagens. O pajé passou por uma cachoeira como se fosse um portal que fazia atravessar para o seu destino. Como disse, uma força movia o pajé.

Ao passar pela cachoeira o pajé tinha que usar uma máscara que encontrou embalada em saco plástico. Nela estava escrito "símbolo de superação". Era um ícone com um sentido de transformação. O mesmo recusou usar porque cobria a sua pintura no rosto. Foi como um teste. Mas resolveu usar a máscara. Logo que colocou a máscara apareceu um desafio. Uma luz focava sobre o seu corpo. Era um holofote sobre um caminhão. Dentro desse caminhão havia pessoas infectadas pelo vírus mortal. Antes de o pajé seguir para o caminhão, sentiu medo pela grande quantidade de enfermos. Havia um abismo cultural entre as duas realidades. Foi uma provação para o pajé. Além disso, já tinha muitas pessoas mortas pelo chão. A morte podia ser também o destino do pajé.

Por alguns instantes o pajé ficou pensativo e relutou em seu pensamento até começar um ritual de renascimento. O pajé deitou, abraçou a terra e se ergueu. A luz do sol já clareava sobre todos e assim restaurava o fôlego da natureza. Era a recompensa para empoderar a vida. O pajé fez a defumação e como magia do rito sobre os enfermos do vírus, muitos conseguiram sobreviver.

Na aldeia já de volta o pajé foi criticado e perseguido por arriscar a tribo com um vírus mortal. Mas o seu retorno trazia uma nova vida.



 - O OPERÁRIO E O PRÍNCIPE

qdo o pricipe morreu 09/04/2021

 

Nos reinos do mundo e no mundo dos reinos a vida segue com suas histórias. Em um ambiente não muito distante, aqui mesmo. Eis a narrativa em três tempos.

No primeiro tempo desta história os fatos giram em torno um simples operário chamado Luiz de origem pobre e humilde que nasceu no nordeste do Brasil, migrou ainda criança de Pernambuco para São Paulo com sua família, saindo de uma condição de agricultor para uma vida urbana e industrial. Luiz se tornou operário metalúrgico e sindicalista sendo atuante nos movimentos populares. Lutou em favor da redemocratização opondo-se à ditadura militar e por isto foi preso. Sua vida de luta contínua conduziu até chegar a ser deputado federal e consequentemente presidente da república. Criou os programas Bolsa Família e o Fome Zero chegando a ser reconhecido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação que o Brasil reduziu a pobreza extrema em 75%.

No segundo tempo desta narrativa encontra-se um capitão reformado do exército de nome Messias que era deputado federal por sete mandatos, sendo oportunizado por vários partidos políticos. Defensor da ditadura militar, da tortura e de uso de armas. Em sua fala expressa um discurso de ódio. Diz ser católico, que frequenta a Igreja Batista e que foi batizado no rio Jordão por um pastor da Assembleia de Deus. Fala em nome de Deus e da família.

No terceiro tempo ou se quiser dizer numa terceira dimensão da realidade, do outro lado do oceano Atlântico, precisamente no Reino Unido, nas ruas da Inglaterra, o príncipe Philip vai caminhando e segurando um guarda-chuva ao lado do operário-presidente Luiz. A cena viralizou pelo mundo todo como uma expressão de quando o Brasil era bem reconhecido internacionalmente. O príncipe reinou por sete décadas sendo o maior reinado na história da monarquia britânica.

O operário e o príncipe contam uma história de líderes democráticos que apesar das suas lutas distintas, podem manter uma relação de governos defensores da fraternidade mundial, ao contrário de falsos governos que buscam vantagens pessoais sem respeito a ética como princípio político. O príncipe não é mais que o operário e vice-versa, quando se compreende a dimensão da vida em sua realidade simples onde todos têm uma relação interdependente. Fico aqui agora a pensar imaginando a conversa que o Luiz e o Philip diziam um para o outro. Talvez algumas frases como estas: “Precisamos vencer a fome, a miséria e a exclusão social. Nossa guerra não é para matar ninguém - é para salvar vidas.”.  “O que me frustra não é o ódio que as pessoas estão vendendo ou tentando contra o Partido dos Trabalhadores. O que me assusta é um programa como o Bolsa Família ser tão odiado por uma elite que todo dia joga comida fora.”.





 –  O MOVIMENTO POPULAR

 bozo 2019-2022

Numa cidade central do Brasil, existia um governante tirano determinado a desfazer tudo que os governos passados tinham realizados em favor das classes pobres. Aos poucos, os movimentos populares e sobreviventes das ruas resolveram formar uma grande organização poderosa reunindo todos os grupos contrários ao governador tirano. Decidiram denominar toda a organização como Movimento Popular (MP).

 O MP tinha que passar por um processo de experiência e maturidade na formação de sua luta. Muitos recusaram em participar e desistiram logo de início. Houve atritos entre as famílias e muitos grupos por divergência ideológica e religiosa. Setores da saúde e educação também encontraram divergência por parte de membros que pareciam defender também a tirania do governante. Apesar de um desgoverno, a país era regido por tal situação.

Havia um distanciamento entre as pessoas por conta de um governo tirano e o movimento popular. De um lado estavam os que defendiam a ditadura. Do outro, os que relutavam pela democracia.

A situação ficou crítica. A crise econômica tomou conta de toda a nação.  Diante do problema o MP criou um conselho com cinco pessoas sendo representantes das regiões do Brasil. Foi a partir desse momento que desenvolveu uma célula de inteligência do movimento. O mundo virtual ocupou grande espaço neste campo de atuação. A articulação estava criando força e desenvolvendo uma mobilidade especial em favor dos mais pobres. Aparentava uma recompensa pelo movimento. Mas só aparentava...

Enquanto o MP articulava sua luta, os tiranos se uniam aos empresários, latifundiários, militares e até ao Congresso Nacional, o Senado, incluindo também o Supremo Tribunal Federal...

Durante algum tempo havia um impasse em toda sociedade brasileira, em cada família e em cada canto das ruas. Houve até mortes por questões ideológicas, por feminicídio, por homofobia, por racismo...

Mesmo passando por tantas mortes e miséria, a luta da classe trabalhadora por meio do MP, sabendo que a luta é contínua e que precisa de muita resistência, o desfecho de tudo chegou num recolhimento. Houve um retorno temporário para pensar novas estratégias de luta conta a perseguição da tirania. Repararam alguns erros da caminhada de todo o movimento e repensaram novas formas com as experiências da história.

Ao passar por vários confrontos com policiais e seguranças do governo, o MP resolveu articular com mais resistência, pois essa era a saída perante os tiranos. Permanentes e firmes, a transformação viria de uma forma ou de outra.




ENDYRA…. 2022...

 


O HOMEM DA RUA

 

Eu estava sentada à mesa de uma loja de artesanato, degustando tacacá com jambu, camarão, arroz de cuxá e bebendo um suco de cupuaçu. A loja situa-se na Av. Litorânea, na orla marítima da Praia do Calhau, em São Luís do Maranhão. Estava com minha esposa que saboreava um vatapá. Era uma noite quente de lua cheia. Os transeuntes curtiam as festas juninas da cultura local nas férias de julho de 2023.

Relembrando a passagem dessa viagem, posso ver nas fotos as imagens da cidade de Barreirinhas e os Lençóis Maranhenses, o Centro Histórico de São Luis, a cidade de Raposa, a Praia do Araçagi, o município de Alcântaras, com suas comunidades quilombolas e a relíquia do Pelourinho, as ruínas da Matriz de São Matias feita em pedras, entre outras.

Enquanto olhava as imagens pelo celular, um homem se aproximou da mesa na calçada onde estávamos e mostrou umas pulseiras de artesanato com as cores do reggae. De imediato, olhei a beleza das cores e fiquei pensativo. Disse que não usava pulseiras. O homem ofereceu a minha esposa. Ela também falou que não era do seu estilo. O homem com roupas velhas e encardidas, insistiu em vender as pulseiras de qualquer modo, até como presente para alguém. Alegou que vivia na rua e andava pelo calçadão da praia para vender aqueles braceletes que ele mesmo fazia e com o dinheiro comprar o que comer.

Vi que era um homem da rua. Perguntei pelos seus familiares, mas ele não disse nada. Não deu atenção a minha pergunta. Puxei uma conversa sobre a vida que levava na rua. O homem da rua relatou que dormia no chão em algum recanto que encontrava. Como não conseguiu vender as pulseiras, pediu comida. O dono do recinto aproximou-se da mesa demonstrando que não queria a presença do pedinte. Logo que vi o garçom, pedi par servir o andarilho. Continuei a conversa perguntando pelo seu nome. Mas agiu como se não tivesse ouvido. Indaguei de novo pelo seu nome, mas não disse. Desconversou falando que queria levar a comida, que tinha uma sacola plástica para colocar o alimento. Falei que não precisava, já tinha dito que era para viagem. Inqueri pela família. O homem disse que sua família parecia estar pelo sul do Brasil. Achei muito estranho. Mas ele continuou dizendo que não tinha família. Parecia um mendigo. Era um homem que aparentava algo mais, que precisava de companhia, o básico da vida, uma boa conversa amiga, algo para se alimentar e vestir.

O garçom chegou com a comida no recipiente para viagem. Mas, antes que minha inquietação chegasse ao fim, pela terceira vez, olhei para o homem e perguntei pelo seu nome, mas foi em vão. Ele continuou sem dizer nada. Aquela pessoa incomum pegou a comida colocou na sacola, agradeceu por tudo e saiu andando no rumo da estrada. Não me disse o seu nome. Fiquei pensativo.

Em meus pensamentos algo parecia dizer com um ponto de interrogação. Alguma coisa parecia revelar diante daquela situação. Não sei ao certo. Já tendo terminado de apreciar a culinária maranhense com minha esposa, saímos pelo calçadão contemplando a noite abafada da paisagem marítima. Absorvido pela conversa e pelo mistério de um sujeito normal, caminhava conversando com minha companheira, e na companhia do vento que soprava segredos nos meus tímpanos.

De uma coisa estava certo. Em meus pensamentos não parava de sussurrar uma melodia. Por causa da conversa com aquele caminheiro das calçadas que insinuava veredas nos pensamentos. Lembrei de uma música que aprendi no grupo de jovens da igreja que dizia assim: Seu nome é Jesus Cristo e passa fome / E grita pela boca dos famintos / E a gente quando vê passa adiante / Às vezes pra chegar depressa a igreja. (...) E dorme pelas beiras das calçadas (...) Entre nós está e não O conhecemos / Entre nós está e nós O desprezamos”




 

 - DIÁLOGO COM O AVÔ


O neto chegou para o avô e começou a perguntar:

- Vô, o lobo mau existe?

- De onde você tirou essa ideia, meu neto?

- É por que meu amigo mostrou um jogo no celular de uns guerreiros que lutam contra um lobo mau.

- Entenda. O jogo é uma brincadeira. Mas, o lobo mau trata de pessoas malvadas e que são ruins com a gente.

- E tem gente malvada de verdade?

- Ah, se tem? Tem muita gente malvada e cruel. Escute. Alguns anos atrás um homem foi eleito para governar o país e logo que começou a governar retirou do banco o dinheiro do povo. Foi um tempo muito difícil e isto causou até suicídio.  

- Ele era um lobo mau? 

- Podemos dizer que sim. Em todo canto encontramos pessoas como um lobo mau. 

- Vô, eu vi um menino malvado lá na escola.

- Como assim? Ele estava batendo em alguém? 

- Não! Mas ele pegou as canetas da minha amiga e a professora disse pra devolver. Ele não fez igual aquele homem que retirou o dinheiro do povo? 

- É verdade! E a professora agiu bem. 

- Assim, meu neto, todas as pessoas que são violentas, que roubam, que discriminam e oprimem, que são falsas, governos que fazem guerras, podemos dizer que estão do lado do lobo mau. Entende?

- Entendi, vô. Então, aquelas pessoas que estão do lado do homem que retirou o dinheiro do povo, também estão do lado do lobo mau, né vô?

- Perfeitamente, meu neto. Vejo que tem bom raciocínio. E o que mais você pensa de tudo isso?

- Vô, penso que o dinheiro retirado o povo deve ser devolvido, certo?

- Certíssimo, meu neto. É isto mesmo! Mas acontece que muitas vezes isto não acontece. Na verdade, este homem que fez o mal ao povo deveria ser preso. 

- Mas, vô, e este homem mau não foi preso, não? 

- Neste caso, meu neto, este homem foi julgado e condenado, sendo impedido de governar mais o país.

- Então, vô, quer dizer que o lobo mal deixou de existir? 

- Meu pequeno grande neto! Às vezes, a gente faz coisas que não deveria fazer as outras pessoas, e as coisas ruins que fazemos, magoam demais as outras pessoas e terminam ferindo tanto por ser tão cruel. Quero dizer que, o homem que retirou o dinheiro do povo vai continuar existindo, mas o que ele fez, não deverá existir mais. O lobo mau não é o homem, mas a sua atitude malvada é que faz esta imagem de mal.

- Então, vô, o lobo mau só existe se a gente for ruim com os outros?

- Esta é a moral da história, meu neto.



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OS RECICLADORES 

https://www.revistaea.org/pf.php?idartigo=2429


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FORTALEZ: A TERRA DA LUZ. pontos turisticos/ comerciais/ praças...





 - DRAGLÔMENTIS

 

Draglômentis (ou Drag) era o nome do grande líder advindo de Andrômeda M31, NGC 224, que chegou à Terra no ano de 2222. Veio com a força da Via Láctea e com a ajuda da princesa Mística da galáxia espiral. Sua missão era libertar a Terra do poder das guerras de extinção. (Andrômeda tem o significado de "estar atenta ao homem'').

No primeiro momento, os olheiros do governo mundial do reino animal humano, perceberam algo estranho no centro do mundo, na cidade de Quito, no Equador. Muitas pessoas estavam morrendo por causa de uma doença letal que atingia a pele e os ossos. Mesmo com o avanço da medicina, tendo curado as DSTS, o câncer, a pressão alta, diabetes, Covid 19, e as novas arboviroses curadas só com inalação e adesivo no corpo, o governo não sabia como tratar dessa pandemia. A terra tinha 70 bilhões de habitantes.

Draglômentis viu morrer um presidente de uma nação em pouco tempo de contágio. Este sinal aumentou a vontade do líder Drag em executar de imediato sua missão. Drag (que em inglês significa arrastar) deveria arrastar da Terra todo o mal. Este era o seu desafio que talvez deixasse de realizar por sentir que seria um ato violento sobre alguns animais e vegetais desprotegidos. Além disso, na cidade de Quito, havia um abismo de um antigo vulcão que ameaçava entrar em erupção e atingiria o núcleo da Terra.

A realidade do andromedano aculturava-se à Terra na medida em que ia se envolvendo com os problemas dos terráqueos. Aos poucos uma transformação começava a acontecer na pele escamosa do estranho estelar. Não demorou muito, uma multidão de inimigos apareceu contra Drag, dizendo ser este lunático o culpado de todos os males na Terra. Apesar disso, muitos aliados a Drag defenderam-no, afirmando que este era o líder que descobriu a verdade sobre o plano de guerra de extinção elaborado pelos poderosos do reino animal humano. A Terra vivia em guerras e sob o domínio dos opressores.

Drag ficou com a pele igual à dos humanos da Terra, mas seu poder extraordinário permanecia intacto. Nele havia a força do fogo, do ar, da água, da terra e do avatar. Começou então a agir. Seu poder de aparecer em diversos cantos era incrível. As mortes estavam aumentando em todo planeta, além das crises ambientais e da fome de milhões de miseráveis largados pelos poderosos imperadores da Terra.

Várias guerras biológicas vinham acontecendo por iniciativa de dez por cento da elite mundial em detrimento do resto da humanidade. Os continentes eram governados por representantes dessa elite. A devastação da civilização era lenta e controlada, assegurando um exército de reserva para o trabalho. Apesar da crise mundial, existia uma política da Terra que era uma iniciativa de lideranças de vanguarda, entre as nações que tinham acesso à tecnologia, e nesta estratégia, criou-se uma aliança forte com as camadas marginalizadas, e para a vitória final, Drag se uniu aos líderes de vanguarda, fomentando assim, as condições objetivas para derrotar o poder da liderança de extermínio

O planeta sofria com o aumento do aquecimento global. A alta temperatura agravou a vida da fauna e da flora. No verão as queimadas destruíam as florestas. No inverno as enchentes inundavam as cidades. No deserto iraniano a temperatura chegava acima de 70 graus. Na Antártida registrava abaixo de 90 graus negativos. Havia milhões de desempregados e em extrema pobreza e bilhões de pessoas estavam sem acesso a alimentação adequada. As várias dificuldades aumentaram o índice de suicídio. 

As perseguições e ataques ideológicos pioraram a convivência em todos os ambientes. Drag pensou e repensou, e partiu em sua nave espacial. Do alto do céu, olhou com sua visão quântica, e teleguiou uma luz sobre a Terra. As nuvens escureceram e uma chuva tomou conta do espaço. Em seguida, uma voz ecoava da cosmonave para Terra que dizia: Escutem os trovões e observem os raios! As nuvens anunciam os relâmpagos! Uma luz virá sobre a Terra!



  

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Contos do Reino (religião e ecumenismo/lgbtqianp+ fobia/ racismo/brotheragem, mulher trans... ... )

Três amigos de longas datas, um católico, um evangélico e outro umbandista, resolveram visitar espaços religiosos um do outro, no dia de domingo, escolhido por eles. ...

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