13 – DUARTE DA COSTA
“Cantem a Deus, reis da terra...” (Sl
68,33).
Quando
o mundo colonial brasileiro foi governado por Duarte da Costa no período entre
1553 a 1558, a sua política de tratamento com os nativos era de muita
escravidão permitida aos colonos, o que aumentou muito a hostilidade contra
esses forasteiros.
Os
nativos não tiveram escolha, foram escravizados. Contra esse problema, as
tribos tiveram se reorganizar ao longo dos anos. Nesta realidade cruel, os
anciãos de todas as tribos começaram a fazer novos ensinamentos aos seus
curumins. Enquanto ensinavam como encarar a vida diante dos colonizadores, o
mesmo tempo trabalhavam como escravos e resistam como podia.
Duarte
desembarcou em Salvador junto com missionários jesuítas, como José de Anchieta,
Manoel da Nobrega e centenas de pessoas vindas do reino de Portugal. Ao chegar
nas terras nativas, teve que lutar contra os nativos, no conhecido recôncavo baiano,
para o progresso da dominação portuguesa. Além disso, enfrentou vários combates
contra os franceses que também chegaram invadindo as terras do Rio de Janeiro.
Os
nativos precisavam de encorajamento a cada dia que passava para viver como
escravos. Era uma realidade difícil. Entre uma luta e outra, os desafios só
aumentavam. A situação era de dominação de um governo escravocrata como o pior
inimigo que sacrificava a vida nativa e que aos poucos estava sendo dizimada.
Por
algum tempo, os nativos encontraram um aliado do lado dos jesuítas, era o
primeiro bispo do Brasil, D. Pero Fernandes Sardinha. Este, por sua vez, tentou
ajudar os nativos, pois, condenava a escravidão de índios. Outro apoio entre os
nativos veio de algumas tribos formada pelos tamoios, um coletivo de líderes
que organizaram uma aliança em combate aos colonizadores portugueses.
Havia
uma fronteira cultural e política que não favorecia a convivência entre portugueses
colonizadores e os povos originários. Este confronto resultou em tragédia e
morte. Não em ordem e progresso.
A
conquista histórica dos nativos ancestrais ensinou uma boa convivência entre as
tribos, enquanto a colonização escravocrata dos portugueses destruiu vidas em
nome da exploração e da dominação.
Duarte
da Costa seguia o seu caminho como dominador, abrindo estradas pelas matas, organizando
expedições em busca de metais preciosos, construindo colégios com os jesuítas. Já
os nativos não podiam seguir o caminho que vinham seguindo. Suas vidas foram
expurgadas de suas tribos e do jeito de viver em comunidade. Um povo não
compreende outro povo até que se permita e aceite uma aproximação. Isto não
aconteceu. A transformação que houve resultou em mortes. Fica aqui a Canção do
Tamoio do poeta Gonçalves Dias: “Não chores, meu filho;/ Não chores, que a vida/
É luta renhida:/ Viver é lutar. / A vida é combate, / Que os fracos abate, /
Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar”.
14 – MEM DE SÁ
“Javé pôs no céu o seu trono, e sua realeza governa o universo.” (Sl 103,19).
Mais um miniconto histórico de
governador geral do Brasil. Desta vez trata-se de Mem de Sá, um nobre
administrador colonial português. Foi também juiz desembargador, o terceiro
governador geral do Brasil, de 1558 a 1572.
Um colonizador pode até aventurar
como forasteiro, mas os fatos dirão que vai além de uma aventura. Os problemas entre
nativos e colonizadores - lembrando que o vocábulo colonizar significa
explorar, dominar, ficar dependente - contados na história oficial, deixa em
silêncio e emudecida a voz nativa dos povos originários, porém, não menos resistente.
No confronto dos colonizadores
portugueses com os nativos não houve um encontro sincero a ponto de um diálogo
intercultural amigável. De fato, houve conflito e muitas lutas em batalhas
infindáveis. Neste cenário vale ressaltar a Batalha do Cricaré ou a Guerra dos
Aimorés. Foi uma série de batalhas de 118 anos, entre os colonizadores e os
nativos, nos anos de 1555 a 1673, que aconteceu na região da Capitania do
Espírito Santo. Os colonizadores queriam explorar e escravizar a população
nativa, pegar as riquezas minerais como ouro e prata e todos os metais preciosos. E assim fizeram.
Podemos imaginar a tensão dos nativos
defendendo suas terras e o seu povo, enquanto os colonizadores do outro lado do
Atlântico chegaram guerreando para tomar as posses de quem já vive nela há
séculos. E entre estes portugueses desembarcaram mercadores, pescadores,
agricultores, criminosos e condenados ao exílio. Além do mais, trouxeram
canhões e armas de fogo. Percebe a intenção? Em meio a tudo isso, já foi
escrito sobre o trabalho escravo nos engenhos, e indo além, muitas índias foram
estupradas, outras tornaram companheiras e esposas dos portugueses.
Esta história não poderia ser uma
aventura. Era uma guerra colonizadora. Muitos reforços de Portugal chegaram ao
Brasil para combater os nativos. As tribos já eram organizadas aqui em suas
próprias terras. Não existia esse negócio de acordos entre amigos ou aliados.
Não havia aliados. A colonização resultou em lutas e mortes.
Apesar de toda tragédia, os nativos
resistiram o quanto puderam para garantir a continuação de suas vidas nas
tribos dos Aimorés, dos Tamoios, dos Tupiniquins, dos Tupinambás, entre tantos,
no reino de Pindorama.
Mem de Sá, segundo alguns escritos,
tentou apaziguar os conflitos no tocante à escravidão indígena. Teria sido isto
mesmo a verdadeira intenção? Expulsou os franceses do Rio de Janeiro.
Transferiu gente para São Paulo. Conviveu com os problemas da peste e da fome
na Bahia e deu continuidade às entradas e bandeiras, explorando assim as terras
em busca de ouro para o reino de Portugal. Esta era a sua missão, numa fala de
muitos que preferem dizer que foi uma “conquista” o ato colonizador, desde
quando ensinaram que Pedro Alvares Cabral “descobriu” o Brasil. Esqueceram da
vida dos povos originários que chegaram primeiro ao Continente Americano, visto
pelos navegadores Cristóvão Colombo e Américo Vespúcio.
A partir daqui o caminho que segue não será mais o
mesmo, com certeza. Já dizia Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez
como tragédia e a segunda como farsa”. Mahatma Gandhi também deu a sua
contribuição ao dizer: “Se
queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova”.
15 – FILIPE II, REI
DA ESPANHA
“iam e vinham, de nação em
nação, de um reino para um povo diferente. Ele não deixou que ninguém os
oprimisse e por causa deles, até reis castigou: “Não toquem nos meus ungidos,
não maltratem os meus profetas!””(Sl 105, 13ss).
Filipe II, rei
da Espanha, configura um cenário histórico de 60 anos que ficou conhecido como
União Ibérica, isto é, trata-se de um domínio espanhol de 1580 a 1640, que
representou a união dos reinos da Espanha e de Portugal através da coroação de
Filipe II como rei de Portugal no período da colonização do Brasil. As posses
pertencentes ao Império Português passaram a ser controladas pelo Império
Espanhol.
Este fato repercutiu no Brasil e não aconteceu à toa e não sem
resistência. A travessia deste acontecimento deve lembrar a crise da dinastia
portuguesa diante de uma guerra quando aconteceu a morte do rei. Isto mesmo.
Por causa desta situação, quando o rei D. Sebastião desapareceu durante uma
batalha entre portugueses e marroquinos. A morte do rei foi anunciada, e com
isto, um impasse ficou para ser resolvido. Quem iria assumir o trono do rei se
não tinha herdeiro? Por este fato, e em nome da aliança luso-hispânica, Filipe
II foi coroado rei para as duas as nações, Portugal e Espanha.
Sabendo que o Brasil era colonizado pelos portugueses, Filipe II deixou
a administração colonial deste território nas mãos dos lusitanos. Entre outras
decisões, houve o fim do Tratado de Tordesilhas que dividia as terras
brasileiras entre portugueses e espanhóis, fazendo com que ambos pudessem ter
acesso livre a novos territórios. O que antes era chamado de Pindorama, a terra
livre dos males, cada vez mais ia crescendo no processo civilizatório e
colonizador.
Com o passar do tempo, os conflitos entre estes dois reinos aumentaram pelo
mesmo motivo de colonização de terras e povos nativos. Estes conflitos
expandiram envolvendo paulistas, jesuítas e índios.
Os povos originários sempre estiveram presentes na história do Brasil. Lamentavelmente,
ignorados de seu protagonismo e tratados como rebeldes, como mão de obra
escrava até a morte. Contudo, não há dúvida de que a sua resistência e luta
possibilitaram limites em toda região brasileira, frente aos exploradores
portugueses. O sangue e a cultura indígenas estão em nossa vida, bem como, a
mesma genética africana. Não é a visão eurocêntrica dos colonizadores que fará
sucumbir esta memória, e que, muitos ainda hoje, defendem uma política de
dominação em nome de Deus, da família, da pátria e da liberdade. É preciso ter
muito cuidado com quem usa estas palavras na modernidade, e que se sustentam
nesta política religiosa como verdadeiros opressores. Fica aqui a reflexão.
Além disso, cabe lembrar que a nossa descendência é fruto também das
mulheres nativas, e por meio destas mulheres ativas e das tribos dos povos
originários, a sua cultura foi ensinada e transmitida através da música, da
culinária, das festas populares, do artesanato e da própria língua. Na memória
do sociólogo Gilberto Freyre se diz: “Da
cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene
do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e
sempre de pente e espelhinho no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo
de coco, reflete a influência de tão remotas avós”. Ainda hoje
praticamos hábitos indígenas como andar descalço, dormir de rede, pescar e
caçar, alimentar-se com mandioca, farinha, beiju, além das crenças nas rezas
com plantas com eficácias medicinais.
16 – LEVANTE DOS
TUPINAMBÁS
“Proclamem a glória do teu reino e falem das tuas façanhas..." (Sl 145, 11ss).
Nos
contos do reino das terras de Pindorama, no mundo comum entre os nativos, os
caciques são reconhecidos por sua valentia e coragem como líderes ou chefes
políticos que exercem grande poder, são como reis de um grupo ou tribo no meio
onde vive.
Foi
neste reino de Pindorama, entre os anos de 1617 e 1621, que aconteceu o Levante
Tupinambá ou a Revolta dos Tupinambás, liderado pelo cacique Tuxaua. O fato
ocorreu quando a tribo foi ameaçada pelos colonizadores portugueses que
exploravam a mão de obra dos índios e das índias tornando-os seus escravos nas
regiões do Maranhão e do Pará. Tuxaua reuniu diversos grupos indígenas de toda
a região do Pará movimentando assim uma série de levantes contra o Forte do
Presépio dos portugueses, às margens do rio Guamá.
Numa
noite estrelada, ao som dos ventos uivantes e latidos longínquos dos cães, na
obscuridade de um chamado para ver o céu limpo, Tuxaua acordou inquietante na
madrugada para contemplar o firmamento e pedir uma resposta ao Grande Espírito,
em meio a sua concentração voltado aos problemas da tribo. Neste ar
contemplativo, Tuxaua se deparou com uma visão atordoante de uma guerra. Não
demorou muito tempo, a cacique Kawany, nome que significa “guardiã dos segredos”,
esposa de Tuxaua, apareceu prontamente com um manto sagrado, o símbolo da memória
e da resistência do povo indígena Tupinambá, e cobriu os ombros do marido e
perguntou o que ele estava sentindo. O manto que serve para aquecer e proteger
o cacique, iluminou a mente nativa e como resposta os dois se abraçaram e se
beijaram.
Considerando
a história à luz dos povos originários, o território brasileiro foi todo
invadido por portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, fazendo
deste chão Capitanias (divisão das terras entre Portugal e Espanha), depois
passaram a gerenciar as terras nativas por meio de uma administração conhecida
por Feitorias que representavam os interesses comerciais, político-militar da
Coroa do império colonial português, escravizando índios e negros. De fato, os
nativos capturados eram escravizados, torturados e obrigados aos costumes
culturais e religiosos, tendo o apoio de missionários franciscanos e jesuítas. É claro que isto daria muitas revoltas, e
entre tantas, uma destas deu no levante dos Tupinambás.
Tuxaua
conhecendo a estratégia dos invasores motivados pela exploração da Amazônia e
pela escravização indígena, preparou junto com Kawany um plano de luta contra esses
dominadores. Vários conflitos ocorreram entre os portugueses e os tupinambás. Nestas
revoltas foi descoberto que muitos indígenas estavam sendo usados como tropas inimigas
dos seus conterrâneos. Além disso, o Forte do Presépio português era muito bem
equipado com armas de fogo e canhões e a luta travada foi a mais sangrenta e
longa de todas a ponto de destruir as tribos resistentes e centenas de índios foram
mortos. O líder indígena Tuxaua foi morto pelos portugueses. O cacique do manto
sagrado e o seu povo foram massacrados e violentados pelo poder da imposição do
reino lusitano.
Muitos
outros movimentos de resistência indígena aconteceram ao longo da história
tendo em vista a retomada ancestral do território sagrado dos povos
originários. Neste sentido, os rituais de retomada e as orações nativas ecoam
na terra e no céu, anunciando e convocando todos e todas para a luta de
libertação integral, promovendo a paz entre os povos, como o apelo da oração
indígena: “Oh! Grande Espírito, cuja voz eu
escuto nos ventos, e cuja respiração dá vida a todo o mundo – escute-me.”.
17 – MAURÍCIO DE
NASSAU
“... a minha mão alcançou os
reinos dos ídolos vãos” (Is 10,10).
Maurício
de Nassau foi um militar alemão de formação protestante, governador
holandês de Pernambuco que ocupou o cargo de
governador-geral da colônia holandesa no Brasil, entre 1637 e 1643.
Chegou ao Brasil com doze navios e dois mil e setecentos homens, entre os
quais, cientistas, teólogos, arquitetos, médicos e pintores. Restaurou engenhos com empréstimos e restabeleceu a produção de açúcar na
região nordeste. Em Recife, transformou numa capital moderna. Construiu a
cidade de Maurícia em homenagem ao seu nome. Drenou terrenos, construiu canais,
pontes e palácios.
Diante de reinos
poderosos encontramos as guerras. Os holandeses começaram a investir em
colônias na América se apropriando da produção de açúcar e do controle de
postos de comércio de escravos na África. Foi assim que aconteceu em Salvador
da Bahia, um grande ataque holandês, uma batalha de um ano.
Depois desse fato, os
holandeses atacaram Olinda com 65 embarcações e mais de sete mil homens. Desta
forma dominaram também a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
Maurício de Nassau entrou
neste contexto de luta. Organizou as guardas de Recife e da Paraíba para
reforçar a tropa e partiu com uma frota naval de 36 embarcações, com mais de
três mil europeus e contando também com mil índios. Assim começou o ataque
contra a Salvador. Nesta noite de batalha o invasor perdeu 300 homens e
resolveu retirar sua tropa de campo. Percebeu que seu exército estava
desfalcado por doenças tropicais e perdas de homens em combate.
Depois de ter reclamado
das dificuldades e ter solicitado ajuda, Nassau recebeu reforços de mais de
seis mil soldados e mais de quarenta navios de guerras para manter o domínio no
litoral brasileiro. Deste modo, o domínio holandês no Brasil atingiu o seu
auge. A ocupação militar consolidou nos espaços de Pernambuco, Ceará, Sergipe e
Maranhão. Com relação a Bahia, a resistência foi maior e fracassaram.
Mesmo tendo um governo
conciliador e tolerante com alguns grupos, depois de sete anos, Nassau
enfrentou divergências entre o seu governo e a Companhia das Índias Ocidentais,
que era o nome das organizações
comerciais criadas para explorar os continentes africano e americano. Estas
divergências levaram o fim do mandato de Nassau e o seu retorno para a Europa. Sua
visão de explorador e colonizador cobiçava também atacar Buenos Aires.
Ao
partir para a sua terra natal, Nassau avistava os frutos da terra de Pindorama.
A riqueza acumulada concentrava-se em milhões e sua bagagem ocupava dois navios
com coleções, barris de conchas e seixos, botijas de farinha de mandioca, toras
de pranchas de pau-santo, trinta cavalos pernambucanos, frutas confeitadas e
abacaxis, e até dentes de elefante, sinal da comercialização das presas de
marfim entre Angola, Brasil e Portugal. Entre as suas coleções estava os
quadros com as pinturas do artista holandês Albert Eckhout. Em suas telas estavam
estampados a representação do homem negro e da mulher negra, do home tupi e da
mulher tupi. Os quadros mostravam a pintura sobre os indígenas brasileiros na visão
de um pintor calvinista europeu. O Tupi era visto como um indígena a ser
civilizado e cristianizado sendo integrados às atividades coloniais. Homens e
mulheres originários da terra das palmeiras eram tratados como submissos aos
forasteiros do além-mar. A mão do pintor mostrava na beleza da arte uma
natureza agressiva e seca. Observava-se também membros decepados na tela
retratando o ritual antropofágico e ignorado na visão europeia que confundia
com o canibalismo. Assim, partiu Nassau sobre o Atlântico, vislumbrando os
quadros do reino de Pindorama.
Vale lembrar aqui a participação de Clara Filipa Camarão que foi uma nativa potiguara brasileira, da região de
Natal, catequizada por jesuítas juntamente com seu marido, Filipe Camarão. Participou
de batalhas durante as invasões holandesas em Olinda e Recife, liderando um
grupo de guerreiras nativas.
18 – INSURREIÇÃO
PERNAMBUCANA
“Eis um tumulto nos montes,
semelhante ao de um povo imenso vozeiro agitado de reinos, de nações reunidas:
é Iahweh dos Exércitos a passar revista o exército para a guerra.” (Is 13,4).
A Insurreição Pernambucana ou
a Guerra da Luz Divina, como era conhecida, foi um movimento português contra a
dominação dos holandeses na Capitania de Pernambuco, entre os anos de 1645 a
1654, culminando com a invasão desses outros colonizadores na região Nordeste
do Brasil. Este fato favoreceu o poder colonizador dos portugueses.
A
vida comum entre os nativos já não era mais a mesma. As gerações já eram outras
e os costumes tinham passados por um processo de enculturação ao longo dos
anos. Os ensinamentos dos ancestrais ficaram resguardados entre as tribos que
resistiam as lutas dos invasores.
Entre
outros fatores que causaram a Insurreição Pernambucana, encontrava-se as
dificuldades nos engenhos de cana-de-açúcar por conta das pragas e da seca, e pela
exploração comercial dos colonizadores que enriqueciam o mundo capitalista
europeu.
A reação
dos nativos e africanos sobre os colonizadores não se comparava a força bruta e
bélica que era imposta contra esses povos indefesos.
Entre
os militares portugueses que organizaram a rebelião contra os holandeses,
estava o conhecido Filipe Camarão, educado por jesuítas, foi também chefe dos
índios potiguares, e tinha influência com os colonos afrodescendentes, os
filhos de escravos africanos. Isto uniu força, e com o reforço vindo de
Portugal com mais de dois mil soldados, a rebelião disparou em duas batalhas. As
tropas portuguesas, mesmo em desvantagem, usaram a arte da guerra, e durante a
noite, cercaram os inimigos holandeses que sem poder recuar, foram derrotados. O
confronto resultou em várias ocupações, centenas de mortes, muitos feridos e
prisioneiros. Filipe Camarão morreu na batalha.
Após
a Insurreição, o rei de Portugal, D. João IV, criou uma Companhia do Comércio
do Brasil para retomar a vida econômica de Pernambuco. Com esta Companhia, o
rei enviou dezenas de navios de guerra e mercantes armados. Os holandeses e os
portugueses assinaram um acordo de paz. Mas a paz para com os nativos e
afrodescendentes não era bem um acordo. A história tem muito a dizer sobre a
vida entre os povos originários e os colonizadores. De um lado, a vida comum
com a natureza. Do outro, a exploração em nome da civilização urbanizada.
Aqui
temos muito o que pensar no tocante ao papel dos colonizadores em terras
alheias e que tem dono. Assim como os portugueses ou holandeses ou outro povo,
tem o direito e a liberdade de viver, da mesma forma os povos originários do
Brasil tem o mesmo direito de resolver a sua vida da melhor forma possível e de
decidir como evoluir no processo de seu próprio desenvolvimento. O problema da
relação humana consiste em um querer dominar o outro. Um grupo começa cercando
uma terra e se torna dono. Vem outro querer tomar esta terra e faz uma guerra
pelos objetivos até de outros grupos aliados, criando uma política de dominação
em torno de um território, das riquezas naturais e do povo local. Assim vemos
as nações poderosas que se aliam e se fortalecem para dominar o mundo. E até em
nome da paz se faz a guerra. Nações mais pobres com um complexo de situações
difíceis, convivendo com um progresso de um pequeno grupo elitista que sobrepõe
a toda população a miséria e a fome, sobrevive relutando por justiça e paz. Não
deveria ser assim.
19 - A
REVOLTA DOS BECKMAN
“Por ventura é este o homem que fazia tremer a terra, que abalava
reinos?”(Is 14,16).
Durante o período colonial brasileiro,
quando os portugueses dominaram as terras dos povos originários e escravizaram
junto com os africanos, exploraram o pau-brasil para comercializar na Europa,
depois continuaram com a escravidão sob a produção da cana-de-açúcar, e no
decorrer da história, enriqueceram mais ainda com o ciclo do ouro, tendo a participação
dos exploradores bandeirantes. Além disso, aconteceu no estado do Maranhão, a
Revolta dos irmãos Backman, em 1684, causado pelo descontentamento contra o monopólio
e privilégios dos empresários e comerciantes.
Vamos adiante, contando a
história nos contos do reino.
Conhecendo um pouco os antecedentes
históricos, podemos perceber que o Maranhão era uma imensa região que se unia
ao Ceará, Piauí, Pará e ao Amazonas, e era subordinado ao Reino de Portugal. Tal
subordinação relacionava-se à produção agrícola, e em destaque, à produção de
açúcar, não se importando com a população que sobrevivia em extrema pobreza.
Diante de uma crise econômica,
os comerciantes locais foram prejudicados pelo monopólio estruturando pelo
reino português. Os proprietários de terras queriam ganhar mais. Os compradores
de escravos indígenas reclamavam das leis que proibiam a escravidão dos
nativos. A população protestava contra a falta de alimentos e os elevados
preços dos produtos. Tudo isso provocava uma revolta.
Passaram-se alguns meses, o
governador estava ausente numa visita em Belém do Pará, era o dia de Nosso Senhor
dos Passos, um festejo religioso em memória ao trajeto da morte de Jesus, a
rebelião já vinha sendo preparada, e a revolta aconteceu sob a liderança dos
irmãos Manuel e Tomás Beckman, senhores de engenho na região, além de outros proprietários
e comerciantes.
Os rebeldes tomaram o Corpo da
Guarda em São Luis e a revolta de Beckman foi consolidada. Para oficializar
suas decisões, organizaram uma cerimônia na Câmara Municipal formando uma Junta
Geral de Governo com representantes de latifundiários, do clero e de
comerciantes. Entre suas decisões estava o afastamento do governador e a extinção
da Companhia de Comércio.
Algumas negociações foram
tentadas para negociar acordos entre o governo local e o reino de Portugal. Mas
foi em vão. Os irmãos Beckman terminaram sendo presos e julgados entre os
revoltosos. A reação do reino português não foi menos do que uma frente efetiva
de militares no combate aos revoltosos. Manuel Beckman foi julgado como líder
da revolta e recebeu como sentença a morte pela forca. Os demais revoltosos
foram condenados à prisão perpétua. Conta a história que Manuel Beckman antes
de morrer fez a sua última declaração dizendo: “Morro feliz pelo povo do Maranhão!”.
Assim como os passos de Jesus,
a história também segue os seus passos. O que foi vivido foi contado. Hoje
temos situações similares em que a população em sua pobreza continua gritando na
voz de revoltosos mais carentes.
“Uma pesquisa do IBGE coletada em 2019, e
divulgada no final de 2020, mostrou que 11,8 milhões de pessoas viviam abaixo
da linha da pobreza na região e 3,6 milhões de pessoas viviam em extrema
pobreza. No Maranhão, estava nessa condição 52% da população. No Amazonas eram
47%, e no Pará, 44%. Juntos, os Estados abrigavam 9,4 milhões de pessoas
vivendo na pobreza”.
(https://cultura.uol.com.br/cenarium/2021/12/04/182650_maranhao-e-amazonas-lideram-extrema-pobreza-no-pais-indica-ibge.html).
20 - DOMINGOS JORGE VELHO
"...
reino contra reino." (Is 19,2).
Domingos Jorge Velho, foi um
bandeirante paulista, mestiço, caçador de índios, destruidor de aldeamentos e
de negros fugitivos, atuante nos estados do Piauí, Ceará e Paraíba, liderou as
tropas que destruíram o Quilombo dos Palmares, no ano de 1695, situado na Serra
da Barriga, onde hoje está a cidade de União dos Palmares em Alagoas. Foi
considerado um mestre de campo, pois exercia um comando de um regimento para
combater os nativos e aniquilar as comunidades quilombolas.
As ações de Jorge Velho consistiam
em atacar e destruir o Quilombo, a maior organização de libertários de toda a
América, formado por várias aldeias que contava com mais de 50
mil pessoas, entre escravizados,
indígenas e pessoas vindas do norte da África.
O
combate ao quilombo dos Palmares aconteceu quando o governador de Pernambuco,
João da Cunha, angustiado com a incapacidade dos governos anteriores e sem uma guarda
militarmente armada para aniquilar os acampamentos dos escravos, contou com a
estratégia do bandeirante Jorge Velho e seus companheiros de luta, entre eles
havia também vários índios submissos. Jorge Velho combateu e derrotou vários
índios janduís na região do Rio Grande do Norte.
Os bandeirantes já tinham a
prática de explorar territórios indígenas em favor dos proprietários de terras
da região Nordeste do Brasil. Perceba como alguém hoje chegou a ser um grande
latifundiário. Foi assim que Jorge Velho ficou famoso. O objetivo era acabar
com os nativos e invadir e se apropriar do espaço dos povos originários para
criar boi. Esses exploradores disseminaram o terror na vida dos nativos para
defender a hegemonia branca, eurocêntrica e cristianizada nas terras brasileiras.
Foi neste contexto que Jorge Velho chegou a ser contratado com a sua tropa para
dizimar os escravos resistentes à colonização portuguesa e que formaram o
Quilombo dos Palmares. Em troca e com exigência, ganhou terras, perdão pelos
crimes cometidos, e 1/5 dos indígenas aprisionados. O acordo foi feito.
A organização e a resistência dos
africanos no Brasil colonial foram frutos de uma história de quase um século
numa luta contínua em favor da vida e da liberdade. Não foi à toa que os rivais
investiram em vinte e cinco expedições para destruir Palmares. Mesmo assim, não
conseguiram abater a organização. Somente com a tropa de Jorge Velho que
contava com nove mil homens, mais o apoio da tropa pernambucana, é que o fim
dos Palmares foi consumado.
Depois de quatro anos de luta
contra os escravos, o algoz e cruel bandeirante e a sua tropa, conseguiram derrotar
o Quilombo finalizando a batalha com a morte de Francisco Zumbi dos Palmares. Sua
cabeça foi cortada e enviada para Recife. No total, mais de 15 mil quilombolas
lutaram ao lado dos Palmares. Dandara dos Palmares foi uma guerreira negra que dominava a caça, a agricultura e técnicas
de capoeira e lutou junto com sua comunidade. Depois de ser presa, cometeu
suicídio se jogando de uma pedreira ao abismo para não retornar à condição de escrava. Zumbi dos Palmares foi seu marido e com ele teve três filhos.
Continuando a missão sangrenta
do bandeirante, Jorge Velho recebeu mais outra tarefa do ex-governador geral do
Brasil, Matias da Cunha, para dominar e catequizar os índios do Maranhão, Ceará
e de Pernambuco, chegando a guerrear contra a Confederação dos Cariris.
Ainda hoje encontramos em Palmares
e por todo o Brasil registros de escravidão. “STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirma condenação por trabalho
escravo em cidade que homenageia Palmares. Caso envolve 241 trabalhadores
submetidos a condições análogas à escravidão em duas usinas em Pernambuco.”.
(https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2022/03/stj-condenacao-trabalho-escravo-palmares/).
21 – A MIGRAÇÃO PORTUGUESA PARA MINAS GERAIS
"Ele
estendeu a mão sobre o mar, fez tremer os reinos..." (Is 23,11).
Nos contos do reino temos a
história da migração portuguesa nas terras de Minas Gerais. Aqui a narrativa da
migração traz o motivo da exploração do ouro. Isto mesmo. O território mineiro
era ocupado por nativos, mas os portugueses guerrearam e dominaram os povos, a terras
e toda riqueza.
A corrida pelo ouro foi e
continua sendo a motivação dos gananciosos. Tendo em vista os motivos dados
pela crise econômica em Portugal, as dificuldades do regime monárquico e a
corrupção administrativa, os colonizadores, inicialmente, começaram a
exploração do pau-brasil e da cana-de-açúcar, depois avançaram pelos campos em
busca de ouro. Assim, os irmãos bandeirantes, capitão João Lopes e o padre
Manuel Lopes, foram exploradores do ouro em Minas Gerais no ano de 1705.
Este padre Manuel Lopes, logo
foi nomeado pelo governador como oficial de comando (guarda-mor) das Minas,
sabendo da incumbência de continuar a exploração do ouro em toda região. Esta
era a preocupação do Rei de Portugal ao enviar cartas ao Brasil proibindo aos
governadores o comércio entre a Capitania da Bahia e Pernambuco e também com as
“minas de São Paulo”. Não era permitido a entrada de mais gente para as Minas. A
Corte pensava monopolizar tentando resolver as fraudes que havia na
comercialização do ouro. A questão era mais complexa. De fato, como fiscalizar
uma região tão vasta, sem ter funcionários, sem soldados e tão deserta? Diante
das circunstâncias, houve muitos infratores que foram presos, deportados e
confiscado sua fazenda. A situação chegou ao ponto de fechar as minas.
Minas de Ouro não tinha uma
estrutura judiciária e o atendimento jurídico vinha do Rio e de São Paulo para
uma visita restrita em alguns territórios. Os representantes da Bahia se
revoltaram contra este tipo de estrutura e o comércio proibido entre o Sudeste
e o Nordeste brasileiro. Depois de alguns anos é que os governos de São Paulo e
Minas de Ouro montaram uma nova estrutura administrativa e judiciária para
atender as conveniências entre as regiões, criando comarcas, mas ainda não se
entendia ao Nordeste.
Artur de Sá Menezes, governado
da capitania do Rio de Janeiro, criou um imposto sobre o ouro, conhecido como o
Quinto. Era um imposto cobrado pelo Reino de Portugal sobre o ouro encontrado
em suas colônias, correspondia a 20% do metal extraído. A cada quilo de ouro,
um quinto desse valor era para pagar o imposto. As fraudes não deixaram de
existir. Os conflitos pelo ouro aumentaram. Houve muitas invasões pelas terras mineiras.
O reino português resolveu abolir as ordens proibitivas. Com essa política
aumentou as intrigas entre pessoas de regiões diferentes.
Durante muito tempo os colonos
viveram em função de um comércio que negociava açúcar, farinha, tecido, rede,
trigo, couros e carnes, aguardente, feijão, arroz, armas, sal e outros produtos
europeus, além de venderem escravos. Nesta mesma sociedade desenvolveu o
contrabando. O avanço comercial passou a ser o ouro e assim elevou a cobiça.
No Brasil atual, “Em plena pandemia,
extração de ouro aumenta na Amazônia. Estudo
revela que 29 toneladas de ouro foram extraídas no Brasil apenas nos quatro
primeiros meses de 2020. Com a alta na cotação do ouro, o valor das exportações
cresceu 15% em relação a 2019 e ultrapassou a marca de US$ 1,2 bilhão. Quatro
dos dez municípios com maior volume de extração de ouro ficam na Amazônia,
dominados por grandes multinacionais e donos de garimpo de larga escala. Esses
municípios, localizados no Pará, Maranhão, Amapá e Mato Grosso, colecionam
conflitos socioambientais com povos indígenas e comunidades tradicionais.”.
(https://brasil.mongabay.com/2020/07/em-plena-pandemia-extracao-de-ouro-aumenta-na-amazonia/#:~:text=Estudo%20revela%20que%2029%20toneladas,US%24%201%2C2%20bilh%C3%A3o.)
22
– GUERRA DOS EMBOABAS
“Já não haverá nobres que proclamam a realeza; os seus príncipes
desaparecerão.” (Is 34,12).
A Guerra dos Emboabas
aconteceu no período de 1707 a 1709 entre paulistas e estrangeiros pela disputa
das minas de ouro, região que hoje pertence ao estado de Minas Gerais. Depois
da crise da produção de açúcar no Nordeste do Brasil, O Rei de Portugal
aumentou as expedições para o interior do Brasil para explorar ainda mais os metais
preciosos.
O vocábulo “emboaba” traz um
significado tupi que quer dizer “pássaro de pés emplumados” e foi utilizado
para representar os forasteiros porque usavam botas e que chegaram depois na
região.
Os bandeirantes exploraram
primeiro a região das minas e reclamaram por exclusividade ao território aurífero.
Com a descoberta do ouro, milhares de pessoas chegaram para fazer a mesma
exploração. Este grupo era formado por portugueses e migrantes nordestinos,
chamados de “emboabas”, liderado pelo radicado baiano Manuel Nunes Viana. Os
bandeirantes paulistas eram apelidados de “nômades”, “bandoleiros sem lei”, e formavam
um grupo liderado por Borba Gato, um hábil administrador e símbolo da
escravidão paulista. Segundo os escritos da história, Borba Gato chegou a
massacrar índios e estuprar índias, foi acusado de assassinato e enriqueceu
explorando ouro em Minas Gerais. Terminou sendo isento das acusações e não foi
punido por ser muito rico. Por conta desta exploração do ouro em Minas, houve
vários conflitos entre esses dois grupos, além dos preços altos dos mantimentos,
e a reação dos criadores de gado, como outras causas da guerra.
Mais de 50 mil pessoas foram
em buscam do ouro em Minas. A briga pelo direito de território do ouro foi
crescendo e a população também. Assim, foi aumentando o povoado pelas regiões
entre paulistas e emboabas como dois grupos rivais.
Alguns acordos foram tentados
entre esses dois grupos, mas sem resultado. Os emboabas criaram uma estratégia
para desarmar os paulistas e começaram a controlar duas áreas de mineração mais
importantes.
Entre um ataque e outro, os
emboabas conseguiram sobrepor perante os paulistas que eram minoria. Contudo, os
paulistas partiram para novas explorações do ouro que descobriram nas regiões
do Mato Grosso e Goiás. Por fim, o governo português procurou melhorar a administração
na colônia na região das minas, criando a Capitania das Minas de Ouro e passou
a controlar a mineração com mais proximidade.
Atualmente, podemos ler na
mídia as notícias relacionadas as explorações de minério. Vejamos.
“Mineração em
Minas Gerais: um cenário de desenvolvimento e impactos. A mineração é
responsável pelos mais graves desastres ambientais em Minas, ao mesmo tempo em
que gera parte substancial das riquezas de mais 50% dos municípios”.
“Uma
das consequências desse ciclo de superprodução do minério e a pressão sobre as
barragens foram os tristes acidentes de Mariana (05/11/2015) e de Brumadinho
(25/01/2019). O rompimento das barragens de rejeitos do Fundão (Samarco) e do
Córrego do Feijão (Vale S.A), respectivamente, ceifaram a vida de centenas de
pessoas. O rompimento da mina do Córrego do Feijão é considerado o maior
desastre em número de vidas humanas promovido por uma barragem na história do
Brasil e do mundo”.
(https://www.em.com.br/app/colunistas/sueli-vasconcelos/2022/01/08/noticia-sueli-vasconcelos,1336332/mineracao-em-minas-gerais-um-cenario-de-desenvolvimento-e-impactos.shtml).
23 – CIDADE DE SÃO
CRISTÓVÃO EM SERGIPE
"... tu és o único Deus de todos os reinos da
terra; tu criaste os céus e a terra." (Is 37,16).
São Cristóvão é um município de Sergipe
de grande valor histórico, fundado pelo capitão português Cristóvão de Barros,
quando Portugal estava sob o domínio do Rei da Espanha, Filipe II, e esta
cidade ainda conserva muitas ruas e edificações do período colonial, e é considerada
um monumento nacional.
A
história da cidade de São Cristóvão remonta desde 1590 quando no período das
capitanias hereditárias foi a primeira capital da Capitania de Sergipe até
1855, ano em que Aracaju passou a ser a atual capital.
Os
espanhóis tinham a intenção de construir uma estrada que ligasse a cidade mãe
de Sergipe, São Cristóvão, aos demais estados do Nordeste. Após anos de
conflitos e guerras por questões políticas e econômicas sobre as explorações
territoriais, a cidade foi destruída e ficou em ruína.
No ano
de 1710 São Cristóvão foi invadida por habitantes de Vila Nova, hoje conhecida
por Neópolis, da região norte de Sergipe. O motivo da invasão era a revolta
pela a cobrança de impostos vinda de Portugal. Com o passar dos anos, a cidade
foi reconstruída. Sergipe estava anexada à Bahia e por decreto de Dom João VI, em
1820, o Estado de Sergipe ficou independente e São Cristóvão tornou-se a
capital.
Diante da realidade econômica, os senhores de engenho
começaram a liderar um movimento tendo como objetivo transferir a capital para
outra região que atendesse a comercialização açucareira. Para tanto, era
necessário um porto com a capacidade de embarcações de grande porte que
facilitasse o mercado. A partir desse movimento, Aracaju passou a ser a nova
capital. Já a cidade de São Cristóvão sofreu com o êxodo da população e consequentemente
uma crise prejudicando seu próprio desenvolvimento. Apesar disso, a solução de
seu progresso veio no século XX com a construção de fábricas de tecidos e da
via férrea.
Não bastasse as perdas sobre São Cristóvão, outro golpe
ocorreu, quando sofreu a perda da sua área litorânea para Aracaju. O território
sancristovense passou a conviver com as tensões em seus limites restritos.
Apesar de tudo, São Cristóvão
dispõe da Praça São Francisco, tombada como Patrimônio Mundial da Unesco, com
uma arquitetura barroca que marcou os séculos 17 e 18. O conjunto arquitetônico
da igreja e convento São Francisco incluindo mais de quinze prédios tombados
pelo Patrimônio Histórico e Cultural na parte alta da cidade. O Museu Histórico
e o Museu de Arte Sacra com mais de quinhentas peças. O Museu da Polícia
Militar do Estado de Sergipe, criado em 1969, transferido para São Cristóvão em
2012. A Casa do Folclore. O monumento do Cristo Redentor com quase cem metros
de altura construído em 1599. A culinária regional com uma gastronomia que
envolve a famosa “queijadinha de São Cristóvão”, um doce típico português que
se encontra na Casa da Queijada, com opções de vinhos, licores, balas e
biscoitos.
Quero deixar registrado também
outra descoberta de grande valor. Trata-se de uma tese de doutorado em
geografia por Rafael Henrique Teixeira da Silva, pela Universidade Estadual
Paulista, com o tema: “ Patrimônio e Poética em São Cristóvão (SE): Entre a
Razão e a Imaginação”, do ano de 2018, que defende em seu terceiro capítulo,
“por uma poética do patrimônio” que diz: “... caminhar no sentido da busca pelas manifestações
do patrimônio no espaço geográfico de São Cristóvão. Fomos à procura do
patrimônio revelado nas geograficidades, na cumplicidade do homem com a Terra,
nessa relação intrínseca que aflora no correr mundo adentro. A composição das
experiências consideradas na Tese constitui-se de nossas vivências, de relatos
da população local e de imersões na literatura e outras expressões artísticas
de São Cristóvão. Nesse sentido, visamos as ações individuais ou coletivas do
ser humano – sobre si e sobre o mundo – nas quais o mesmo adquire consciência
de sua existência.”
(file:///C:/Users/Usuario/Desktop/silva_rht_dr_rcla_int.pdf).
24 – GUERRA DOS MASCASTES EM PERNAMBUCO
“Mas
agora, Iahveh nosso Deus, salva-nos da sua mão, a fim de que todos os reinos da
terra saibam que só tu, Iahveh, é Deus.” (Is 37,20).
A Guerra dos Mascaste foi um combate que aconteceu
na Capitania de Pernambuco entre os anos de 1710 e 1711, envolvendo os
fazendeiros de Olinda, que era a principal cidade, e os comerciantes de Recife,
para conseguir o domínio político e econômico desta Capitania.
Depois da expulsão dos holandeses em 1654, os
fazendeiros de Olinda passaram por uma crise financeira para reconstruir seus
engenhos, e para recompor suas perdas, resolveram aumentar os impostos,
consequentemente, os comerciantes de Recife que não estavam com dificuldades
financeiras, foram atingidos.
Os senhores de terras e de engenhos pernambucanos
de Olinda - os aristocratas rurais - e os comerciantes recifenses, considerados
os portugueses da metrópole, - os mascates - vendedores de porta em porta, confrontaram-se,
porque pensaram que fazendo contenda, iriam resolver os problemas da crise
econômica da região, decorrente da baixa do açúcar no mercado internacional e
pela concorrência. Tal situação afetavam os ricos senhores de engenho de Olinda
que perdiam seus lucros e por isso entraram em decadência. Diante da crise
agrícola, os latifundiários começaram a pedir dinheiro emprestado aos mascates
de Recife que tinham condições para emprestar, e estes cobravam juros
muito altos, e assim, endividavam cada vez mais os olindenses.
O rei de Portugal, atendendo ao pedido dos
comerciantes de Recife, promoveu a cidade à condição de capital de Pernambuco.
Depois da Carta Régia que Recife recebeu tornando-a uma cidade capital e sendo
formada por comerciantes bem-sucedidos, estes mascates resolveram inaugurar um
Pelourinho e o prédio da Câmara Municipal, formalizando a separação entre
Recife e Olinda.
Os
senhores de engenho não aceitaram a emancipação político-administrativa de
Recife. A separação entre as duas cidades causou a revolta dos senhores de Olinda.
O proprietário de engenho Bernardo Vieira de Melo, conduziu a rebelião. No primeiro momento, os
aristocratas de Olinda invadiram Recife, demoliram o Pelourinho e libertaram os
presos. Os recifenses não resistiram e fugiram. Depois, houve uma reação
militar de Recife, junto com o apoio de outras capitanias contra os revoltosos
de Olinda, que foram derrotados e presos. Os mascates invadiram Olinda, incendiaram
prédios, destruíram vilas e engenhos.
No decorrer da história, a
aristocracia rural de Olinda refugiou-se em seus engenhos. Enviaram algumas exigências
ao rei Dom João V querendo assegurar benfeitorias para os proprietários de
Olinda e que Recife não fosse elevado à condição de Vila. Recife foi elevado à
sede administrativa de Pernambuco, reconstruiu a Câmara Municipal e o
Pelourinho. Era a vitória do predomínio do comércio (capital mercantil) sobre a
produção colonial.
Para evitar maiores conflitos na região, alguns foram anistiados
e outros fazendeiros foram perdoados das dívidas. Assim, continuou o reino do
sistema colonial. Porém, o domínio português sobre os lucros passou a ser uma
dificuldade para os colonos. Isto despertou um sentimento autônomo e antilusitano
que repercutiu em todo Brasil.
Qual o pensamento crítico
dessa história e da ética na convivência social entre os seus sujeitos em seu
tempo? Diante de tantas guerras por terra e por dinheiro. Tanta ganância e
egoísmo em detrimento da boa convivência e da paz. Como o ser humano é muito
prepotente. Até quando a humanidade será desumana?
25 - O GUERREIRO SEPÉ TIARAJU
“Com efeito, a nação e o reino que não te servirem perecerão, sim, essas nações serão reduzidas a uma ruína.” (Is 60,12).
No final do século XV, o Brasil era habitado por tribos seminômades e viviam da caça, da pesca, da coleta de frutos e da agricultura. Os nativos tinham um contato respeitoso e de reverência com a natureza e dependia dela para tudo em sua vida. Não existia cerca dividindo propriedade particular. Tudo era para o bem coletivo. Depois de mais de dois séculos de colonização, a realidade nativa havia mudado consideravelmente. Neste mundo nativo havia um jovem líder guerreiro e guardião de toda a aldeia que recebia os conselhos do cacique e tinha a bênção do pajé, era chamado de Sepé Tiaraju do período entre 1723 a 1756. Um dos conselhos dado pelo cacique era de nunca aceitar a dominação dos colonizadores europeus em suas terras. A questão é que os colonizadores já haviam invadido o litoral baiano e os reinos de Portugal e Espanha, com o apoio do papa, traziam um documento chamado Tratado de Tordesilhas, mas depois redefiniram como Tratado de Madri, denominando as posses do “Novo Continente” às coroas luso-hispânicas. Sepé tinha que resolver esse problema.
Sepé estava meio confuso com algumas informações fora de seu costume. Era um líder treinado pelos guerreiros Guaranis, mas também tinha algum estudo influenciado pelos missionários jesuítas. Diante desta situação perigosa, Sepé procurou seu mentor espiritual, o pajé Ubirajara, que significa “Senhor da lança”. Sepé escutou o místico conselheiro que orientou organizar um grande movimento com todas as aldeias que era de sua incumbência. Que deveria encorajar os combatentes com estratégia de defesa nos perímetros de todo o povoado. E que diante do inimigo e da morte iminente, a luta em defesa da vida deve continuar.
Os inimigos se aproximavam como vento no meio da floresta. O tempo era outro adversário que não contribuía para que os guerreiros estivessem prontos para a batalha. Os colonizadores invadiam o território nativo com armas de fogo, espadas e facões. O domínio dos colonizadores aumentava pelo ataque do poder de fogo. Os corpos espalhados pelo chão, e o sangue que escorria nos pés de Sepé, fazia pensar nos conselhos do pajé que ecoava no seu ouvido.
Por um milagre, se é que possa dizer assim, os nativos encontraram uma caverna e se esconderam. Os invasores ficaram à toa pela floresta até retornarem para o alojamento de suas embarcações no litoral. Outras batalhas foram travadas depois dessa. O guerreiro Sepé organizou vários agrupamentos com os cavaleiros de todas as aldeias, mas o poder de fogo colonizador dizimava a vida nativa. A tragédia era grande aos olhos do aguerrido Sepé.
Depois de muitas lutas e mortes de 1500 guerreiros de todo o povoado, Sepé gravemente ferido e capturado, vendo algumas aldeias pegando fogo, percebe o inimigo ao seu lado desprevenido, e num golpe, pega a espada de seu rival e o sacrifica. De imediato, os invasores jogam o líder guarani sobre as cinzas de uma fogueira e arrastaram até aos pés do capitão que lhe tira o último suspiro. Para os invasores a luta era pela exploração da terra. Para Sepé e todas as aldeias, a luta era em defesa da vida na própria terra. A liderança de Sepé significava o caminho para novas lideranças em favor da vida.
O caminho a seguir se entende por uma visão de conquista do lado do dominador. Por ouro lado, os nativos seguem o caminho de volta e retorna as suas aldeias e tenta resgatar a vida normal. Mataram mais um irmão. Mas a partir da morte de um líder nativo que sempre lutou em defesa da sua tribo e da natureza, a aldeia sente ressurgir novos libertadores. Sepé foi considerado entre os seus conterrâneos como um herói, embora não fosse reconhecido pela historial oficial. Sua resistência abençoada pelo pajé ficou na frase consagrada que percute até hoje que diz: “esta terra tem dono”.
26 – FRANCISCO DE MELO PALHETA E O CAFÉ
"... entre todos os sábios das nações e em todos os seu reinos, ninguém é como tu!” (Jr 10,7)
Existe
um conto, melhor dizendo, nos contos do reino, existe uma história que conta
sobre os feitos de Francisco de Melo Palheta nos anos de 1727. Foi um militar
luso-brasileiro, um sargento que se responsabilizou pelo cultivo do café no
Brasil e em Portugal.
Entre
as missões de Palheta estava uma secundária, não menos especial, que era de
adquirir sementes de café para implantar o cultivo nas terras brasileiras. Nesta
missão, o sargento Palheta partiu de Belém do Pará comandando uma expedição
seguindo pelos Rios Madeira e Mamoré até chegar na aldeia de Santa Cruz de
Cajajuvas, local de uma missão dos jesuítas situado nas terras do Peru. O
relato desta viagem consta nas publicações de Capistrano de Abreu.
O
café, a “semente de ouro negro”, ainda não era uma produção em Portugal, mas,
em 1727, o governador e capitão-general do estado do Maranhão, João da Maia da
Gama, determinou para o sargento Palheta a missão de se dirigir para a Guiana
Francesa e estabelecer a fronteira, tendo em vista o acordo feito no Tratado de
Paz de Utreque de 1713, e evitar a violação francesa deste tratado na divisa
territorial às margens do rio Oiapoque.
Conta
a história que o Sargento Palheta, um bandeirante da Amazônia, recebeu de forma
clandestina da esposa do governador francês Claude d’Orvilliers, algumas
sementes de café mais cinco mudas e que a exportação destes grãos era proibida
pela França. Tem também a versão de que o governador do Maranhão Maia Gama,
certamente sabendo da produção de café, deu uma ordem dizendo que ao encontrar
em algum quintal ou jardim onde houver café que desse um jeito de pegar
escondido alguns grãos.
O café é uma planta nativa de origem africana das regiões
altas da Etiópia, mas foi no Iêmen, na região da Arábia, que começou a ser cultivada.
Posteriormente, foi introduzida na América do Sul começando nas terras de
Suriname, Guiana Francesa e Jamaica.
O
cultivo do café foi desenvolvido aos poucos pelos estados do Maranhão e do
Pará. Depois que a família real portuguesa veio morar no Brasil, em 1808, é que
a produção de café veio ter grande importância no mercado internacional. Um
novo ciclo econômico expandiu nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Espírito Santos e cresceu, tornando o principal produto das exportações
de todo o país. A produção de café favoreceu o desenvolvimento do comércio, a
criação de cidades, a construção de ferrovias em São Paulo para facilitar a comercialização,
tornando a metrópole do café. Era um produto consumido na Europa e nos Estados
Unidos.
Olhando
na realidade de hoje, percebemos algumas denúncias sobre o café e que merece
nossa reflexão histórico-social. Veremos.
“Nos últimos anos, a produção de café no
Brasil já foi alvo de inúmeros relatórios e denúncias sobre as condições dos
trabalhadores assalariados rurais. Informalidade, pobreza e trabalho escravo
são alguns dos problemas recorrentes.
Entre
1995 e 2020, foram resgatadas 2.808 pessoas em condição de trabalho escravo
contemporâneo nas lavouras de café em todo o país, segundo levantamento da
Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. E o estado de Minas Gerais foi onde a
maioria dos resgastes nas lavouras de café ocorreu. Em 2018, das 210 pessoas
resgatadas, 109 eram de Minas. Em 2019, das 106 de todo o Brasil, 105 estavam
no estado mineiro. E, no ano passado, todas as 140 estavam em fazendas deste
mesmo estado.”.
(https://www.oxfam.org.br/noticias/safra-e-exportacao-de-cafe-batem-recordes-enquanto-trabalhadores-rurais-do-setor-sofrem/#:~:text=Informalidade%2C%20pobreza%20e%20trabalho%20escravo,Subsecretaria%20de%20Inspe%C3%A7%C3%A3o%20do%20Trabalho.)
27
– MARQUÊS DE POMBAL E O FIM DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
“E em toda matéria de
sabedoria e de inteligência, sobre que o rei lhes fez perguntas, os achou dez
vezes mais doutos do que todos os magos ou astrólogos que havia em todo o seu
reino” (Dn 1,20).
As
capitanias hereditárias eram as terras do Brasil colonizadas pelo rei de
Portugal a partir de 1534, divididas entre donatários portugueses (os novos
donos das terras) para administrar principalmente a plantação de açúcar, começando
do litoral para o interior, e estas terra eram passadas de forma hereditária.
Sebastião
José de Carvalho e Melo, Marques de Pombal, foi um nobre, diplomata e estadista
português, Secretário de Estado do Reino durante o reinado de D. José I
(1750-1777). Defensor do absolutismo, combinando em sua gestão a monarquia com
o racionalismo iluminista. Aumentou seu poder nas áreas controladas pelos
jesuítas, tomando posse de propriedades da Igreja Católica no Brasil e criando
escolas régias leigas, sem o controle religioso. Expulsou os jesuítas do
Brasil. Modernizou a administração colonial extinguindo as capitanias
hereditárias em 1759; transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de
Janeiro
As
capitanias fracassaram, primeiro porque havia resistência dos nativos que são
os verdadeiros donos das terras e lutaram o quanto pôde com arcos e flechas,
tocando fogo nas plantações em combate ao sistema colonial. Mesmo com a mão de
obra escrava africana, a luta foi ainda muito maior e mais resistente, até
porque havia mais confronto entre povos. Outro aspecto diretamente ligado aos
colonizadores, trata-se da falta de uma boa administração dos donatários e do seu
poder centralizador, a falta de recursos e de comunicação no campo local e com
o reino de Portugal. Neste contexto podemos acrescentar o desinteresse em um
projeto a longo prazo; a questão de transporte e a falta de manutenção para a própria
defesa.
Além
de todo estas dificuldades, os capitães donatários tinham que repassar 10% dos
lucros da exploração colonial, mais 20% de impostos sobre os metais extraídos
da terra que correspondia um quinto de toda a produção. Este imposto era tão
alto e tão odiado que passou a ser chamado de “o quinto dos infernos”, referindo-se
também a tudo de ruim. Quando não dava para pagar o quinto e ficava acumulado,
foi criado a “Derrama”, isto é, correspondia a cobrança forçada dos quintos
atrasados. Na administração de Marquês de Pombal aumentou a fiscalização sobre
a exploração do ouro fazendo uso da “Derrama”. Não era fácil.
Foi
assim que a administração pombalina buscou ampliar lucros para Portugal no contexto
da economia colonial brasileira, principalmente na região das Minas Gerais, a
terra do ouro.
Dando
um salto para o século XXI veremos que os governos posteriores criaram mais impostos
do que condições dignas de vida. Vejamos uma notícia atualizada sobre os
impostos no Brasil.
“O Brasil está entre os países com maior taxa
tributária do mundo, sendo que 38% (trinta e oito por cento) da economia
nacional está destinada ao pagamento de impostos.
Ao todo, entre impostos federais, estaduais
e municipais, taxas e contribuições, o Brasil possui uma lista de 92 tributos
vigentes que pode ser acessada no site do Portal Tributário.”.
(https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/impostos-federais-estaduais-e-municipais/#:~:text=Ao%20todo%2C%20entre%20impostos%20federais,no%20site%20do%20Portal%20Tribut%C3%A1rio.).
28
– RIO DE JANEIRO –
CAPITAL DO BRASIL
“Tu, ó rei, rei dos reis, a quem o Deus do céu
concedeu o reino, o poder, a força e a honra;" (Dn 2,37).
O tempo passa e com ele as pessoas passam
fazendo a história. Em cada história um lugar diferente, uma organização
social, uma política, uma cultura, muitas decisões e luta.
Foi assim no tempo do Brasil colonial que
se estendeu por mais de três séculos. E foi percebendo nas pessoas o jeito como
viviam em cada lugar que passavam, tentando crescer mais na produção econômica
do que na condição de vida mais humanizante.
A exploração das terras e das pessoas
perseveravam mais do que tudo ao ponto de pensar em evoluir somente no aspecto
do crescimento da cidade, a famosa pólis dos filósofos. As pessoas pareciam não
perceber a relação existente entre si e a natureza. Na verdade, esta virtude
estava presente nas aldeias nativas.
Com o crescimento das cidades e com a
exploração da agricultura e principalmente das Minas de ouro, tendo em vista a
circulação de mercadorias e de pessoas, o rei de Portugal, D. José I, resolveu
transferir a capital de Salvador, fazendo do Rio de Janeiro a nova Capital,
como dizia na carta-régia, a “cabeça do Estado do Brasil”, no ano de 1763.
Foi na administração de Marquês de Pombal
que em 1763, a “cidade maravilhosa cheia de encantos mil”, como diz na marcha carnavalesca
de 1935, o Rio de Janeiro, passou a ser a capital do Brasil, por ter
proximidade com a região de Minas Gerais, onde o ouro e as pedras preciosas
eram os principais produtos da produção econômica brasileira. O Rio tem em seu
litoral um porto favorável para grandes embarcações. Além disso, na época, facilitava
com uma estratégia geopolítica e militar portuguesa, contra as tropas
espanholas no litoral ainda não muito explorado. Era chamada a Nova Lisboa, a
cidade da nova monarquia, um lugar com terreno pantanoso, úmido e com muitos
insetos, que perdurou até o ano de 1960, quando Brasília passou a ser
definitivamente a nova capital do Brasil.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2021, o Rio conta com quase sete milhões de habitantes. É o maior destino
turístico internacional do Brasil e do Hemisfério Sul. Consta como um dos
principais centros econômicos, culturais e financeiros, representando o segundo
maior PIB do país. É o segundo maior polo de pesquisa e desenvolvimento do
Brasil. No tocante aos problemas ambientais, existe uma concentração de
indústrias na região metropolitana e com isto a cidade tem enfrentado sérios
problemas de poluição ambiental. A baía de Guanabara perdeu áreas de manguezal
e sofre com os resíduos dos esgotos domiciliares e industriais, como óleos e
metais pesados. Desta forma o Rio é apontado como a quinta capital mais poluída
do Brasil. Além disso, mais de um milhão de pessoas da cidade ou 22% da
população do Rio vivem em aglomerados subnormais, como no Complexo do Manguinhos,
com condições de moradia, saúde, educação e segurança extremamente precárias. Com
isto, a cidade do Rio contribui com a violência
urbana, a criminalidade e o narcotráfico, intensificando a injustiça social e a
pobreza.
Deixo aqui uma reflexão de Marielle
Franco, a “Rosa da Resistência”, carioca que foi socióloga, política e
defensora dos direitos humanos, ativista feminista, eleita vereadora do Rio de
Janeiro em 2016. Foi assassinada em 2018. Disse, Marielle, sobre sua cidade
natal: “Essa cidade precisa ser de fato cuidada, e a gente sabe que não
está sendo. Os nossos corpos, o nosso transitar, a nossa mobilidade sempre fica
ameaçada.”.
29 – A POLÍTICA DA
VIRADEIRA
“Quão grandiosos os seus sinais! Quão portentosas as suas maravilhas!
Seu reino é um reino eterno e seu domínio vai de geração em geração!” (Dn
3,33// cf. 4,31).
“1777 - Morte de D. José I e ascensão de D.
Maria I ao trono português. Pombal é afastado do governo e os rumos da política
e administração lusas sofrem uma mudança radical (fase conhecida como
“Viradeira”).”.( https://www.sohistoria.com.br/ef2/lista/p1.php).
A política da “Viradeira”
representou o período de reação contra o governo de Marques de Pombal, depois
que D. Maria I assumiu o trono (1815 – 1816) como a primeira rainha do Brasil, nomeou
novos Secretários de Estado entre outros cargos, e isto serviu para reabilitar
a nobreza atingida pela administração de Marquês, que fora exilado, e assim, a
situação seria reorientada para outra realidade. Na verdade, a virada não
passou de algumas medidas adotadas vetando outras decisões pombalinas. Durante
o mandato da rainha D. Maria I aconteceram as revoltas emancipacionistas da
Inconfidência e da Conjuração Baiana. Era a época em que Napoleão Bonaparte
mudava as fronteiras da Europa.
A situação financeira do país
estava lastimável e provocava graves consequências deixando o Estado na miséria
e todos os negócios públicos se encontravam em grande desorganização, além do total desinteresse
pelas questões da guerra, resultando na queda do Exército. Ademais, houve uma
quebra do controle estatal sobre as áreas econômicas; a extinção de monopólios
mercantis; o retomo da influência da Igreja e da alta nobreza sobre o Estado.
No tocante à Universidade de
Coimbra, professores e alunos acusados por heresia, enciclopedismo, naturalismo
e deísmo, foram expulsos. Neste contexto, um médico português de nome Francisco
de Melo, escreveu em retaliação, “O Reino da Estupidez”, um lindo poema que
fala da “desgraçada sorte” de uma “Europa desterrada”.
D. Maria I era apelidada de “a
Louca”, provavelmente por demonstrar depressão profunda, o que era confundido
com melancolia e insanidade. Contam alguns relatos que ela tinha tristeza
constante, perda de autoconfiança, tinha irritabilidade, distúrbio do sono,
fadiga, isolamento, sentimento de vazio, de culpa e de inutilidade. Era chamada
também de “a Piedosa”, referindo-se a sua fé católica e a dedicação às obras
sociais. Além disso, devido a condição de uma pessoa fraca e sem opinião
própria, que se deixa levar pelos outros, a rainha D. Maria I, nos seus últimos
dias só saía em companhia de suas damas nas ruas do Rio de Janeiro. Segundo o
dito popular, ao ver a monarca conduzida pelas mãos, o povo dizia: “Maria-Vai-com-as-Outras”. Este ditado é
dito até hoje.
Neste
período, houve a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso entre Espanha e
Portugal para resolver as disputas territoriais de possessões dos dois reinos
na América do Sul. Foi quando Portugal recuperou o Rio Grande do Sul. No outro
lado do mar, a Inglaterra crescia com a sua indústria têxtil. O mundo passava
por uma virada revolucionária industrial. Foi o tempo da criação do torpedo.
Este projétil explosivo automotivo, uma arma potente feita para atingir alvos
marítimos. Relembro aqui a triste atuação da ciência em favor da guerra.
Perceba o ser humano como uma superpotência causador das guerras que também é
mortal, mas, a nossa origem vem do Princípio do Bem, e o livre arbítrio está
incluso. E entre uma guerra e outra segue a história humana justificando-se
pela liberdade ou autonomia. Assim, vemos neste espaço de tempo, a Guerra da
Independência dos Estados Unidos. Foi assinada a Declaração de Independência do
Estados Unidos da América.
Perante
a tantas reviravoltas contadas aqui neste escrito, penso agora em Voltaire,
filósofo desta mesma época que escreveu: “As
ideias que encontramos nos livros são como fogo. Arrancamo-lo da casa dos
vizinhos, alimentamo-lo em nossa casa, transmitimo-lo a outros, e ele passa a
pertencer a todos.”.
30 – A INCONFIDÊNCIA
MINEIRA
“Eis a sentença… o Altíssimo é quem domina sobre o reino dos homens: ele
o concede a quem lhe apraz e pode a ele exaltar o mais humilde entre os
homens!” (Dn 4,14).
Minas Gerais, 1789. A cidade de Vila Rica que hoje é Ouro Preto, respirava
os ares das montanhas com o peso dos minerais explorados e exportados para o
reino português. Registra-se que 800 toneladas de ouro foram enviadas a
Portugal no século XVIII, fora o que circulou de forma ilegal. O sentimento
religioso da fé católica se expressava através das ornamentações de suas
igrejas coloniais brilhantes em ouro. A ambição insaciável pelo ouro de Minas,
provocou em muitos a saída de suas terras em busca enlouquecida pelo minério
entre caminhos ásperos, aumentando consideravelmente a população local,
causando desflorestamento, escavações nas montanhas e até o desvio de percursos
de rios. Exploradores com escravos subiam e desciam pelas serras lutando contra
os nativos por esta fortuna. Esta era a visão panorâmica colonial nas terras
onde o horizonte não era tão belo.
Diante de uma insatisfação da população local pelos altos impostos e
pelo aborrecimento da elite econômica da Capitania de Minas Gerais pela
política fiscal imposta pelo rei de Portugal, houve um movimento político que
ganhou força e a história tomou novo rumo de conspiração separatista, pois
envolviam a Capitania de Minas e o Reino de Portugal, o que os livros tratam
sobre a Inconfidência Mineira ou Conjuração ou Conspiração Mineira.
Durante algumas décadas, antes da Inconfidência, aconteceram vários
motins e rebeliões por conta de tributação e impostos altíssimos sobre o ouro
brasileiro e sobre a escravidão dos africanos e nativos. Havia muitas
manifestações violentas no meio da rua com gritos de liberdade. A produção
aurífera começava a declinar e o Reino de Portugal não parava de explorar o
povo e as terras do Brasil.
Vila Rica cresceu tanto que se tornou a capital de Minas Gerais e transformou-se
na maior cidade brasileira sendo o principal centro econômico da América
portuguesa. A classe mais rica que era formada por proprietários rurais,
comerciantes, intelectuais, clérigos e militares, começou um movimento de
conspiração contra a coroa portuguesa na tentativa de uma independência com
influência nos ideais republicanos e iluministas da França e da independência
dos Estados Unidos. Contudo, nada disso estava relacionado a libertação dos
escravos.
O movimento foi denunciado por um membro da conspiração chamado de
Joaquim Silvério dos Reis, delatou em troca de perdão de suas dívidas, juntamente
com outros participantes. Os traidores do movimento foram acusados como
criminosos “inconfidentes”, ou seja, falta de fidelidade ao rei de Portugal. Conforme
o inquérito judicial, todos negaram a participação no movimento, menos Joaquim
José da Silva Xavier, o Tiradentes, que terminou assumindo toda a
responsabilidade. Após três anos, a sentença foi lida no Rio de Janeiro. Dos
doze inconfidentes condenados à morte, apenas o Tiradentes, o mais pobre dos
culpados, sofreu a pena, enquanto os outros se livraram da morte por decreto de
Maria I de Portugal. Os demais inconfidentes foram exilados para África e os
religiosos envolvidos foram recolhidos nos conventos em Portugal. Com o tempo,
alguns desses inconfidentes se reintegraram na vida política brasileira. A execução
de Tiradentes, como o único condenado à morte por enforcamento, aconteceu num
sábado de 21 de abril de 1789, no Campo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, o
centro da capital colonial do Brasil.
31
– JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER (Tiradentes)
“... o Altíssimo domina sobre o reino dos homens e ele o dá a
quem lhe apraz.” (Dn 4,22).
Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, nasceu no dia 12 de novembro
de 1746, na Fazenda do Pombal, na Vila de São Del Rei, atual cidade de Minas
Gerais, foi criado na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto. Foi dentista,
condutor de tropas de animais e de transportadoras de mercadorias, minerador,
comerciante, militar e ativista político. Era o quarto de sete filhos do
português Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e de Antônia da
Encarnação Xavier. Sua origem familiar não era pobre, segundo o inventário de
sua mãe, que foi aberto em 1756, constatando 35 escravos na grande fazenda de
Pombal e uma valiosa quantidade de equipamentos para a mineração. Com a morte
prematura dos pais, a família perdeu as propriedades por causa das dívidas e
precisou exercer inúmeros trabalhos.
Tiradentes antes de frequentar a escola, aprendeu a ler e escrever com
a mãe. Seu tio Sebastião, que era cirurgião dentista, possibilitou um pouco dos
conhecimentos odontológicos para o sobrinho. Participou como sócio de uma
farmácia de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, dedicando-se
a Prática farmacêutica, fazendo uso dos conhecimentos sobre as plantas
medicinais, e exerceu a profissão de dentista. Interessou-se pelos escritos
políticos, pelas leis da Constituição dos Estados Unidos e pelas causas de
independência, em seu tempo de vida adulta dos trinta anos.
Aos poucos, as ideias de Tiradentes iam se divergindo dos interesses dos
governos, tanto do meio local como o do Império Português, que submetiam a
população às condições de impostos altíssimos, retirando, assim, as riquezas da
região sem parar. Segundos os escritos da história, Tiradentes era republicano
convicto e adepto do iluminismo. Tramou a morte de Visconde de Barbacena (Luís
Antônio Faro), governador de Minas da época, que provocou a cobrança de
centenas de quilos de ouro, sob a orientação do Reino de Portugal. Tal astúcia
não foi concretizada, e nem a conspiração mineira, porque um dos inconfidentes,
Joaquim Silvério dos Reis, coronel-comandante, rico fazendeiro, dono de minas
de ouro, delatou numa carta ao governador de Minas, o movimento, e em troca pediu
o perdão de suas dívidas, ainda cobrou mais ouro, nomeação para o cargo de
tesoureiro das Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, uma mansão e pensão
vitalícia.
Tiradentes queria promoção na carreira militar e como não conseguiu
ficou desgostoso. Conheceu a mulher “Perpétua Mineira” com quem teve um romance
por mais de dois anos. Perpétua passou a ser espionada, teve a casa invadida e
seu bem-amado já havia sido preso. Tiradentes era desprezado até em seus
projetos de irrigação e essa indiferença aumentava sua indignação contra o domínio
português. Como excelente comunicador reconhecido, começou a pregar em Vila
Rica e arredores, pela independência da capitania. Depois de 21 de abril de 1792, sua voz continuou nos movimentos populares de libertação e na bandeira seu sentimento ecoa:
“Liberdade ainda que tardia”.
Pense em nossa realidade de hoje, os políticos em seus partidos, com
ideologias corruptas, racistas, homofóbicas, xenofóbicas, fascistas.... Contudo,
há uma luz no fim do túnel. Existe Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que
compartilham o pão de cada dia e se organizam pelo bem coletivo, assim como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimentos Feminista, Negro,
Indígena, Sem Teto, entre tantos. Nem tudo está perdido. Existe uma esperança
na essência da humanidade de muitos corações sensíveis com solidariedade e com
atitude na luta pela fraternidade e pela liberdade. Como você pensa esta
realidade?
32
– CONJURAÇÃO BAIANA
“Em todo o domínio do meu reino, todos
devem tremer e temer diante do Deus... Ele é o Deus vivo, que permanece para
sempre” (Dn 6,27).
A Conjuração Baiana ou Revolta dos
Alfaiates e também chamada de Revolta dos Búzios, aconteceu no período entre
1798 a 1799, como um movimento emancipacionista na Capitania da Bahia com
característica popular de independência e radical, em favor de um governo republicano,
democrático, pela abolição da escravatura e o fim do preconceito, com livre
comércio, diminuição dos impostos, e um salário melhor para os soldados.
Este movimento contou com a participação
de sapateiros, bordadores, ex-escravos, escravos e alfaiates. Teve muita
influência das ideias iluministas da revolução francesa, da independência da
América do Norte e do Haiti, e da Inconfidência Mineira.
Com a insatisfação da população pelos
pesados impostos e por tanta escravidão, o pensamento humano reconstruía um
novo cenário mundial. Alguns anos antes, quando Salvador deixou de ser a
capital da colônia brasileira, passando para o Rio de Janeiro, a Bahia passou a
ser menos assistida, os recursos tornaram-se bem menores, provocando uma
dificuldade administrativa e a realidade econômica foi prejudicada, causando
mais revolta na população.
Na cidade de Salvador a fome já afetava a
qualidade de vida de todos. A falta de alimento provocava um custo muito alto.
A carne não fazia parte da mesa da população local.
Diante deste cenário, destacaram-se para
alavancar o movimento alguns líderes como o soldado baiano Luiz Gonzaga das
Virgens, o militar Lucas Dantas, os alfaiates Manuel Faustino dos Santos Lira e
João de Deus Nascimento. Todos eram negros e foram condenados à forca. Por
causa de um dos integrantes do movimento que contou os planos da revolta para o
governo, a força militar foi mobilizada e reprimiu os revolucionários.
O movimento desenvolveu com a estratégia
da base popular, distribuindo panfletos na porta das igrejas e colando nas
esquinas das ruas que diziam: “Animai-vos
Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em
que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais”. (RUY,
Afonso. A primeira revolução social do Brasil. p. 68.).
Os baianos menos favorecidos em seus
direitos sociais e engajados na luta por uma vida digna, começaram a participar
de discussões sobre os pensadores da época. O médico Cipriano Barata foi um
atuante entre a população mais pobre e junto aos escravos, difundiu propostas e
ideias radicais entre os regimentos de soldados e para toda a população baiana.
Discutiam textos dos pensadores Jean-Jacques Rousseau e Voltaire. Houve também
influência de membros da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz que traduziam e
estudavam textos desses pensadores. Este processo formativo embasou a
Conjuração Baiana, ampliando o movimento para a participação e mobilização popular.
Embora a batalha contra a escravidão não
tenha alcançado o seu objetivo imediato, mesmo assim, com toda repressão, o
movimento da Conjuração Baiana, semeou com o adubo da consciência crítica, a
firmeza permanente e a resistência na luta popular pelo fim da escravidão.
Deixo aqui a reflexão do filósofo
iluminista Rousseau: “Nunca acreditei que a liberdade do homem consiste em fazer o que
quer, mas sim em nunca fazer o que não quer, e foi essa liberdade que sempre
reclamei, que muitas vezes conservei, e me tornou mais escandaloso aos olhos
dos meus contemporâneos. Porque eles, activos, inquietos, ambiciosos,
detestando a liberdade nos outros e não a querendo para si próprios, desde que
por vezes façam a sua vontade, ou melhor, desde que dominem a de outrem,
obrigam-se durante toda a sua vida a fazer o que lhes repugna, e não descuram
todo e qualquer servilismo que lhes permita dominar. (Jean-Jacques
Rousseau, in 'Os Devaneios do Caminhante Solitário').
33
– A CONSPIRAÇÃO DOS SUASSUNAS
“A ele foi outorgado o império, a honra e o reino, e a todos os
povos, nações e línguas o serviram. ... e seu reino jamais será destruído.” (Dn
7,14).
No ano de 1801, o Brasil apresentava um cenário de crise
geral sobre o modo de vida sobreposto pelo sistema colonial. E foi neste contexto
que eclodiram vários movimentos emancipatórios como a Inconfidência Mineira
(1789), a Conjuração Baiana (1798), a Revolução de Pernambuco (1817), até
culminar na Independência política do Brasil em 1822.
A suposta conspiração
dos Suassunas foi mais um desses movimentos libertários que surgiram de um
sentimento de insatisfação e de revolta dos colonos frente as políticas
deficitárias da metrópole Portugal, em Olinda, Capitania de Pernambuco, em
1801.
Os irmãos Francisco, Luiz e José, donos de um engenho
denominado de Suassuna, planejaram secretamente um plano pela independência da
capitania de Pernambuco. Como em outros casos, houve também denúncia contra o
plano secreto, por parte de um dos “amigos” dos irmãos, o José da Fonseca Silva
e Sampaio, que acusava o envio de cartas de Portugal dos irmãos Suassunas para
os demais de Pernambuco, tramando assim uma conspiração.
As ideias de liberdade, igualdade e fraternidade do
iluminismo impactaram os movimentos emancipacionistas como aconteceram na
Independência dos EUA (1776) e na Revolução Francesa (1789). Outra grande
influência local foi a participação de lideranças que em 1796 antecederam a
conspiração, tendo a participação de Manuel Arruda Câmara, cientista, médico e
religioso brasileiro, um dos fundadores da loja maçônica Areópago de Itambé, lugar
de divulgação das ideias que percorriam pela Europa. O Seminário de Olinda,
fundado em 1800, foi também outro espaço onde padres e seminaristas discutiam
estas mesmas ideias. Diante de um Brasil onde a maior parte da população era pobre
e analfabeta, encontramos um grupo de pessoas e associações que mergulhavam nas
discussões filosóficas e políticas com o intuito de acabar com o domínio
colonizador português. O caminho seria a luta por um Brasil independente e um
governo republicano.
O Areópago de Itambé fundado pelo padre Arruda Câmara em
1798 como uma sociedade secreta, chegou a ser fechado em 1802, mas foi reaberto
anos depois com o nome de Academia dos Suassunas, tendo como sede o próprio
engenho que havia sido o lugar para as reuniões para a conspiração. O padre
Manoel Arruda Câmara ensinou ideias avançadas numa terra de pessoas
analfabetas, formou muitas lideranças e inspirou revoluções. Os ideais dos irmãos Suassuna permaneceram e emergiram no
ano de 1817 na Revolução Pernambucana.
Ao escrever esta história fiquei pesquisando e descobri o
quanto é pouco conhecido o movimento dos Suassuna. Entre os estudos acadêmicos
se encontra até “carta de amor extraviada” com indagações sobre a existência do
grupo contra o domínio colonial. Em outras palavras, o fato parecia ser mais
uma intriga e conflito entre homens poderosos da época. Em artigo cientifico
podemos constatar a “casa dos Suassunas” como uma “rede de sociabilidade na
América e em Portugal”. Diante dos depoimentos acerca da sociabilidade com os
irmãos Suassunas foi afirmado haver laços amigáveis pela maioria dos depoentes.
É isto! De uma insatisfação pode-se nascer uma conspiração, mesmo que não venha
acontecer. Aliás, a palavra conspiração traduz-se em com inspiração. Mas, a história não nega os fatos. Deixando de lado os aspectos contrários
às questões humanitárias, por outro lado, os líderes da liberdade continuam
vivos na luta com os ideais da fraternidade.
34 – A CORTE
PORTUGUESA NO RIO DE JANEIRO
“Os que receberão o reino são
os santos do Altíssimo, e eles conservarão o reino para sempre, de eternidade
em eternidade.” (Dn 7,18).
Quando
a realidade da política econômica entra em crise, o pensamento e a atitude são
conduzidos por esta realidade. Por este caminho seguiu a Corte Portuguesa para
o Rio de Janeiro, no dia 8 de março de 1808, no tempo em que D. João VI era rei de
Portugal.
A
família real portuguesa e a sua corte de nobres, servos e empregados
domésticos, desembarcaram no Rio de Janeiro trazendo uma biblioteca com mais de
sessenta mil livros. A capital do Reino de Portugal passou a ser a cidade do
Rio de Janeiro. A colônia passou a ser soberana e governo do império português.
Antes
de tudo isto acontecer, o plano da família real vir para o Brasil, já sofria
com a ideia de uma fuga. O fato em si não ara muito bom. Alguns fatores levaram
a cogitar esta possibilidade de refúgio, como as interferências durante a crise
de sucessão no período de exploração colonial; as ameaças militares de outras potências
vizinhas como a Espanha e a França; o contexto internacional de ascensão do
império de Napoleão Bonaparte com o Bloqueio Continental em toda a Europa
contra o poderio econômico e militar do Reino Unido; a preocupação pelo reforço à segurança nacional e
a relação no mundo europeu, entre outras questões, estes fatores serviram para
a mudança da Corte portuguesa se instalar no Brasil. A história conta por si os
motivos dos fatos. A invasão de Portugal sob o comando de Napoleão Bonaparte
levou a família real portuguesa a mudar-se para o Brasil.
Chegando
aqui nas terras nativas, não foi possível alojar todos como era na terra
lusitana. A comitiva palaciana foi acolhida em residências, quartéis e
conventos. Aos poucos, a vida da Corte portuguesa ia moldando as moradias com
aparência inglesa, tendo casas com janelas de vidros e jardins externos. Seria
o começo de um plano urbano no Brasil. A cidade começou a ter policiamento,
chafarizes para o abastecimento de água, pontes, calçadas, estradas e ruas
foram construídas, instalaram iluminação pública... tudo isto, é claro, foi
realizado com a contribuição dos moradores ricos, em troca de benefícios da
nobreza. Não era nada só dos cofres da Corte, embora enriquecida pela
exploração colonizadora das terras nativas, onde agora vieram escapar de impérios
maiores da Europa.
As
mudanças ocorridas neste período foram: a abertura dos portos às nações amigas;
a criação do Banco do Brasil; a Imprensa Régia; a abertura da Academia Real
Militar; a abertura de escolas incluindo duas de medicinas, a Real Biblioteca
ou atual Biblioteca Nacional.
Durante
a permanência de D. João VI no Rio de Janeiro, a população da capital dobrou de
50 mil para 100 mil. Muitos europeus (espanhóis, franceses, ingleses, suíços...)
chegaram aqui atrás de “fazer negócio” ou “fazer a vida”. Eram médicos,
professores, alfaiates, farmacêuticos, modistas, cozinheiros, padeiros, e
representantes diplomáticos.
Por
outro lado, na mesma história, encontramos os negros sendo usados como escravos
no serviço doméstico e trabalhando nas ruas para dividir os ganhos com os seus
senhores. Além disso, muitos desses escravos eram alugados para outras pessoas
para saírem vendendo de porta em porta todo tipo de mercadoria. Outros armavam
tabuleiros nas esquinas e ficavam vendendo aos gritos os produtos. Desta forma,
os senhores de escravos rendiam um bom lucro e aumentavam a quantidade em até
mais de quarenta escravos, além de obrigar as escravas a se prostituírem. Diante
dessa escravidão de três séculos, centenas de negros fugiam das fazendas e
formavam quilombos nas matas da Serra da Carioca, tendo em vista a sua
liberdade.
35 – NÍSIA
FLORESTA
“O reino, o império e a grandeza de todos os reinos que existem debaixo do céu serão entregues ao povo dos santos do
Altíssimo. O seu reino será um reino eterno, e todos os impérios o servirão e
lhe prestarão obediência” (Dn 7,27).
Eu sou o João. Comecei a estudar
tardiamente. Aliás, no Brasil e principalmente no Nordeste, muitos da minha
idade sexagenária, iniciaram os estudos fora de faixa. Sobre os estudos sempre
gostei de História, mas estudei Ciências da Religião por influência dos meus
pais que me incentivaram a ingressar num Seminário para ser padre, mas resolvi
ser professor.
Numas destas férias de julho fui visitar
minha terra natal, Recife, melhor dizendo, Peixinhos que fica em Olinda. Havia
combinado com um amigo para irmos no carro dele. Concordamos em irmos juntos em
família. Passamos por Mossoró, Natal, João Pessoa e daí em diante fui com minha
esposa num ônibus até Recife. A curiosidade de tudo isto é que me chamou
atenção, entre tantos outros lugares, foi o Museu Nísia Floresta que fica em
Natal. Desci do carro e fui tentar ver e ouvir os relatos sobre esta mulher que
consta na nossa história. O Museu estava fechado. Como professor aprendiz fui
investigar por conta própria esta história. Vi um idoso que estava sentado na
calçada contemplando o pôr do sol, me aproximei e comecei uma conversa:
- Boa tarde, Senhor!
- Boa tarde! Respondeu o velho nativo
defumando um cachimbo.
- O senhor pode me explicar um pouco sobre
esta Nísia Floresta?
O velho senhor tirou o chapéu de palha da
cabeça, passou a mão em seus poucos cabelos esbranquiçados, fitou nos meus
olhos e começou a falar:
- Caro visitante, vou contar a história. Esta
mulher se chamava Nísia Floresta Brasileira Augusta. Ela nasceu em outubro de
1810, numa fazenda no município de Papari, atual Nísia Floresta, aqui no Rio
Grande do Norte, no período em que a família real de Portugal veio morar no Rio
de Janeiro, fugindo dos ataques de Napoleão Bonaparte. Foi o tempo em que o
Brasil se elevou a Reino Unido de Portugal (1815). Ela era filha de uma
brasileira, Antônia Clara Freira e de um advogado, o português se. Defendeu dos ideias abolicionistas e republicanos além de
denunciar as injustiças contra os povos nativos daqui do Brasil.
Percebi que o idoso era bem informado e
descobri durante a conversa que ele era um conselheiro daquela comunidade.
Aproveitei e fiz outra pergunta:
- O que posso saber mais sobre esta
ilustre mulher?
- Meu caro, tem muita coisa que as pessoas
não sabem da história do Brasil. Nísia Floresta chegou a fundar e dirigir um
colégio para meninas no Rio de Janeiro. Escreveu muitas coisas em defesa dos
direitos das mulheres, dos índios e dos escravos. Administrou e lecionou em uma escola gaúcha. Segundo os
documentos escritos sobre suas frases uma delas eu me lembro muito bem e diz o seguinte:
"Quanto mais ignorante o povo, tanto
mais fácil é a um governo absoluto exercer sobre ele o seu ilimitado
poder".
Neste momento eu olhei
para o Museu amarelo de janelas verdes e o monólito que fica em frente. Um
rapaz passou por mim e entregou um panfleto que comecei a ler. No folheto dizia
que o Museu Nísia Floresta estava localizado em um casarão do século XIX, no
centro da antiga Papari e havia sido inaugurado no ano de 2012.
36 – REVOLUÇÃO
PERNAMBUCANA 1817
“Quebrado este, os
quatro chifres que surgiram em seu lugar são quatro reinos que saíram de sua
nação, mas não terão a sua força.” (Dn 8,22).
Durante uma viagem de férias, saindo de
Fortaleza para visitar meu tio João em Recife, minha terra natal, relembrei das
histórias que ele contava quando ministrava aula. Por curiosidade sobre as
terras pernambucanas, conversamos um pouco a respeito da origem do povo desse
lugar que fora iniciado pelos nativos caetés, cariris e tabajaras. Mas a
curiosidade que despertou nossa conversa foi sobre a Revolução Pernambucana de
1817.
Meu tio falou que essa revolução era
conhecida como Revolução dos Padres, sendo um movimento liberal e republicano
sob a influência das ideias iluministas e divulgadas pelos maçônicos contra o
poder absolutista monárquico português. Segundos os historiadores este teria
sido o início da proclamação da República no Brasil. Por conta desta
insurreição muitos revoltosos foram executados, enforcados e esquartejados e
fuzilados.
Pedi ao meu tio para sairmos um pouco. Ele
concordou, apesar do problema de glaucoma. Andamos até ao Shopping RioMar
porque era perto de sua casa e como já era meio dia aproveitamos para almoçar. Durante
a refeição insisti em voltar ao assunto da revolução pernambucana e perguntei
quais as causas dessa revolução. Depois disso, o tio professor começou a contar
alguns detalhes de suas lembranças históricas. Disse que Pernambuco era uma
capitania muito rica e que Recife e Olinda tinham em torno de 40 mil habitantes
na época. O porto de Recife transportava grande produção de açúcar. Além disso,
contou que as ideias liberais que chegaram aqui no Brasil através dos viajantes
estrangeiros e por meio de livros, incentivaram o sentimento de revolta entre a
elite pernambucana. Continuou explicando que a fundação do Seminário de Olinda
foi de grande destaque na formação dos seminaristas e padres sob a influência
das ideias iluministas. Daí o motivo porque o movimento foi chamado de
“revolução dos padres”. Entre estes, tem o Frei Caneca que foi um dos líderes
que terminou sendo executado.
Mais precisamente sobre as causas dessa
revolução, eu já sabia do incômodo pelo domínio dos portugueses no governo em
nossas terras e que viviam criando impostos sobre o povo, além disso, uma grande
seca aumentou a fome e a miséria, afetando a produção de açúcar e de algodão.
Ah! É bom lembrar também da influência da pressão dos abolicionistas.
Tio João esperou eu acabar de falar, como
era de seu costume não interromper a conversa. Logo em seguida retomou o
argumento e expandiu um comentário. E dizia, tudo isto serviu para que houvesse
a ocupação de Recife por líderes militares e padres insatisfeitos com o domínio
português. Vale ressaltar a participação de Bárbara de Alencar, uma comerciante
e revolucionária brasileira que atuou também na Confederação do Equador. Ela era
avó do escritor José de Alencar. Foi a primeira presa política do Brasil.
Lembra disso?
Foi assim que me senti seu aluno e sendo
também professor, fiz o meu comentário. Disse que a revolução desafiou o poder
da coroa portuguesa questionando os abusos dos impostos sobre o povo. Por isso veio
a repressão ao movimento de forma violenta e sangrenta. Toda essa insatisfação foi
para se opor ao poder do reinado português no Brasil, que vinha assumindo os
comandos da política, da economia e da força militar de maneira abusiva e
escravocrata. Aqui pode-se cogitar a possibilidade do surgimento de um governo
mais humano. Por fim, no ano de 2007, o dia 06 de março foi declarado a Data
Magna de Pernambuco, por causa da Revolução Pernambucana.
37 – O PRÍNCIPE REGENTE NO BRASIL DE 1818
“Agora eu vou lhe contar a
verdade. Ainda surgirão três reis na Pérsia, mas o quarto rei que virá depois
será o mais rico de todos e empregará toda a sua força e toda a sua riqueza
contra os reis da Grécia.” (Dn 11,2).
Dando
uma olhadinha no Google, comecei a revisar a sequência dos fatos históricos destes
contos que transcrevo para algumas pessoas curiosas da leitura. Seguindo nossa história, trago aqui um fato
que podemos entender como episódio de transição. Trata do Príncipe Regente do
Brasil, D. Pedro I, em 1818.
Aos 9 anos de idade, veio para o Brasil
com a família real portuguesa, que fugia da invasão de Napoleão Bonaparte ao
país. Pedro, apesar de muito inteligente, não gostava de estudar. Se dedicou,
então, a aprender os mais diversos instrumentos, como piano, flauta, trombone,
violino, clarinete, violão. Durante aquele período, o Brasil foi elevado de
colônia para o status de Reino Unido.
Dom
Pedro I foi nomeado Príncipe Regente do Reino do Brasil por causa da partida de
seu pai, D. João VI, para Portugal. Em 1818, quando completou 19 anos, casou-se
no Rio de Janeiro com a Arquiduesa Leopoldina, filha do Imperador Francisco I
da Áustria. Foi coroado como imperador e reinou até 1831. Seu reinado foi
regido sob a força autoritária, não aceitava ser contrariado, causando atrito
com a elite brasileira.
Vamos
ver esse tempo em que contexto o Príncipe Regente se encontrava.
Neste
período, os primeiros imigrantes europeus não-portugueses a se estabelecerem no
Brasil foram suíços. Devido à falta de terras na Suíça, cerca de duas mil
pessoas imigraram se tornando os “súditos do Rei de Portugal”. No Rio de
Janeiro, começou as primeiras experiências de substituição de mão-de-obra
escrava por imigrantes estrangeiros, principalmente europeus.
O
comércio português concedeu permissões para que navios partindo de Lisboa
fossem traficar escravos africanos com destino ao Brasil. Essas autorizações
foram dadas com base nos tratados firmados entre as coroas de Portugal e da
Grã-Bretanha. Neste acordo se discutia o contexto em que esses traficantes
agiram, o modo pelo qual essas autorizações foram concedidas e como as fontes
existentes neste acordo comercial identificavam pessoas humanas como escravas.
Historiadores
procuraram compreender a perda do controle de Lisboa em relação ao tráfico de
africanos e o predomínio dos traficantes do Rio de Janeiro nesse negócio, tendo
em vista outros fatores que extrapolavam o período regencial que envolve a economia,
a política e a sociedade como um todo, e saber como esse porto concentrou
oitenta por cento dos escravos importados pelo Brasil.
Observando
a conjuntura do Brasil no início do século XIX, no tocante ao comércio de
escravos, entende-se que os interesses mercantis sobre africanos, os tratando
como escravos, seria de grande rentabilidade na sociedade colonial, e esta era
a mercadoria produzida na colônia americana.
De
uma olhadinha pesquisadora pelo Google Acadêmico, percebe-se a dimensão das
descobertas feitas em um período histórico que se celebra como história
oficial. Nos dias atuais os discentes têm em mãos um celular que abriga estes
fatos com várias fontes expondo diversas curiosidades que a memória humana
guarda no Drive.
Aqui
conto um ponto que conta algo do reino português nas terras brasileiras. Conto
fora dos contos, mas escrevendo o que foi dito e feito no tempo em que um jovem
foi posto para administrar uma monarquia constitucional.
38 – JOANA ANGÉLICA DE JESUS
“Logo, porém, que
ele surgir, o seu império será dividido e repartido pelos quatro ventos da
terra. Seus descendentes não herdarão o seu império, nem será tão poderoso; seu
império cairá em mãos alheias” (Dn 11,4).
Joana Angélica de Jesus (1761-1822) nasceu
em Salvador da Bahia e foi uma religiosa da Igreja Católica da Ordem da
Imaculada Conceição, fundada por Santa Beatriz da Silva. Ela tinha uma vida de
contemplação e de clausura feminina. Considerada mártir e primeira heroína da
independência do Brasil. Nasceu no período colonial e morreu aos 60 anos por um
golpe de baioneta durante a resistência à invasão pelas tropas portuguesas ao
Convento da Lapa, na Bahia.
Seu pai foi capitão do exército português
e seu irmão serviu a Portugal chegando também até o posto de capitão. Apesar
disso, o fato histórico sobre os resistentes em busca da independência
brasileira expõe a realidade num batismo de sangue.
Os documentos da época afirmam que o brutal
ataque dos soldados contra o Convento de Nossa Senhora da Lapa, não dispensou a
morte da Madre Joana Angélica.
Entre as versões desse ataque temos a
história lusitana que conta que agentes do partido reacionário havia se escondido
no convento e atirados nos soldados. Outra versão dos historiadores brasileiros
conta que as tropas portuguesas estavam entrando nos edifícios, roubando e
matando, sob o pretexto de que os tiros estavam saindo de dentro desses locais,
inclusive do convento. O jornal Diário da Bahia divulgou em sua edição (02/07/1936),
uma reportagem descrevendo esse conflito e a crise política da época, sobre os
excessos cometidos pelos soldados lusitanos, incêndios e saques, ataques às
casas, morte de civis, mulheres violentadas, o ataque ao convento e o martírio
da freira Joana Angélica.
Há registro de que um grupo de soldados invadiram
e arrombaram o portão de ferro do convento, enquanto a conselheira Joana Angélica
ordenava às irmãs que fugissem pelos fundos. Protegendo a integridade das suas
companheiras, Joana se posicionou com bravura no final do corredor diante da
tropa invasora e confrontou, como mulher combatente da opressão machista e mártir
da fé, dizendo:
- “Para
trás, bandidos. Respeitem a casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta casa passando
por sobre o meu cadáver”.
Joana tombou
atingida por uma baioneta.
Esta luta da independência
continuaria para definir a libertação da Bahia. A resistência do povo aumentou
contra anos de injustiça e colonização.
No decorrer da
história foi feito uma pesquisa para que houvesse um processo de beatificação. Vários
arquivos foram consultados entre mosteiro, convento, institutos públicos e
biblioteca, em busca de comprovação sobre o martírio da Madre Joana Angélica,
mas foram insuficientes.
Atualmente, o
dia 02 de julho, comemora-se a Festa da Independência da Bahia entre os soteropolitanos,
é a festa cívica da Independência do Brasil na Bahia.
As homenagens com
o seu nome surgiram em quarenta e duas ruas em todo o Brasil, incluindo a rua da
Lapa onde está localizado o convento, hoje é a Avenida Joana Angélica. No Rio de
Janeiro, em Ipanema, existe a Avenida Joana Angélica. Em Brasília se encontra
seu nome inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
39 – MARIA
QUITÉRIA
“Este tentará
invadir o reino do rei do sul, mas será obrigado a voltar para a sua terra” (Dn
11, 9).
Maria Quitéria de Jesus Medeiros
(1792-1853), filha primogênita que nasceu no sertão da Bahia, sem ter acesso à
educação formal, aprendeu assinar o seu nome. Era inteligente, alegre e
autônoma. Pessoa independente e aspirante da liberdade. Viveu numa sociedade
interiorana onde as mulheres aprendiam a costurar e a bordar. Aprendeu a andar
a cavalo a atirar com armas de fogo para caçar ou para a própria defesa. Durante
as lutas de combates contra a colonização do Brasil, Quitéria pediu permissão
para se alistar, mas o pai negou o pedido dizendo que mulher só serve pra vida
doméstica.
Aos 30 anos fugiu de casa com ajuda da
irmã. Cortou o cabelo bem curto, vestiu uma roupa de seu cunhado, passando a
ter uma identidade masculina e partiu para um novo rumo. Alistou-se como
Soldado Medeiros no Batalhão de Voluntários do Príncipe, na Vila de Cachoeira. Atuou
no regimento de artilharia. Participou ativamente nas lutas pela independência
do Brasil em 1822. Apesar de seu pai ter amaldiçoada por esta decisão, Maria
Quitéria foi hábil e competente na luta pela independência. Sua disciplina
militar fez com que permanecesse no exército, mesmo com sua identidade
revelada.
No
ano de 1821, militares se concentraram na praça de Salvador para exigir a adesão
ao movimento constitucional de Portugal, iniciando assim, a formação para uma
guerra civil. A contrapartida desse movimento alinhava-se militares brasileiros
e parte da população urbana de Salvador que apoiava a regência e a liderança do
príncipe D. Pedro.
Quitéria permaneceu na tropa do Batalhão
de Voluntários do Príncipe, de setembro de 1822 a julho 1823. Participou na
defesa da ilha de Maré, protegeu o município paraibano de Conceição, e os
bairros de Salvador, Pituba e Itapuã, e também atuou nas batalhas na foz do Rio
Paraguaçu da Bahia.
Nesta história da Independência da Bahia e
da luta pela emancipação humana, destaca-se o protagonismo do movimento
feminista. No meio do protagonismo coletivo do povo baiano, as mulheres como
Joana Angélica, Maria Quitéria e Maria Filipa de Oliveira, foram reconhecidas
na luta em defesa da liberdade e da vida com dignidade. Após a guerra, Maria Quitéria,
foi condecorada com a Imperial Ordem do Cruzeiro pelo imperador D. Pedro I.
Maria Quitéria se casou com Gabriel
Pereira e teve uma filha, Luísa Maria da Conceição. Foi a primeira mulher a
integrar o Exército Brasileiro, sendo reconhecida em 1996 como Patrona do
Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, morreu por consequência
de problemas no fígado, em agosto de 1853 em Salvador. Em 2018 seu nome foi
incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, junto com Joana Angélica e
Maria Filipa Oliveira, reconhecidas na luta da Guerra de Independência do
Brasil na Bahia.
O engajamento de mulheres nos movimentos
populares de libertação e emancipação na história, merece grande reconhecimento
no sentido de valorização das mesmas em nosso contexto social. A motivação que
levou Quitéria e sua irmã, assim como muitas outas mulheres que hoje lutam por
independência, demonstram uma atitude de consciência política. A luta das
mulheres pela igualdade de direitos no Brasil é contínua e constante, sempre em
busca de seu espaço social, econômico, político, cultural e religioso. Atualmente,
Maria da Penha, uma farmacêutica da cidade de Fortaleza que foi vítima de violência
doméstica pelo próprio marido, tornou-se inspiração na defesa dos direitos das
mulheres. Em 2006 foi aprovada a Lei Maria da Penha que combate a violência doméstica
e familiar contra as mulheres no Brasil.
40 – DIA DO FICO
“O rei do norte
terá em mente conquistar todo o reino do sul. Fará um acordo com o rei do sul
e, para tentar arruiná-lo, lhe dará sua filha em casamento. Mas o projeto não
terá êxito” (Dn 11,17).
Era nove de janeiro de 1822. Neste dia, D.
Pedro I resolveu dizer que não iria cumprir as ordens das Cortes portuguesas
que exigiam a sua volta para Lisboa, e resolveu continuar no Brasil.
Quando a família real portuguesa chegou
aqui no Brasil, escapando de uma provável invasão francesa em 1808, as terras
de Pindorama deixaram de ser uma simples colônia portuguesa e passou a ser o
centro do Império Português, elevando o Brasil à condição de reino em 1815. Tendo
em vista os acontecimentos revolucionários da elite dos políticos liberais em
Portugal, o rei João VI voltou para o seu reino para tentar assegurar seu
domínio de origem, e pediu para que o seu filho Pedro de Alcântara ficasse como
príncipe-regente para cuidar do Brasil, chamados por alguns como o rei soldado
libertador.
No decorrer dessa história entre Portugal
e Brasil, as discussões entre as lideranças de ambos os lados, tentavam se
apoderar cada vez mais, no sentido de obter o comando do poder político
independente. O Reino de Portugal queria retroceder o Brasil à condição de colônia.
O Partido Brasileiro formado por um grupo de pessoas aliadas a D. Pedro I,
lutava pela autonomia do Brasil, cogitando assim uma independência.
Num amanhecer destes dias ensolarados, nestas
terras nativas dos povos originários, ouviu-se as exigências das Cortes portuguesas
ordenando ao príncipe regente D. Pedro de Alcântara, o seu retorno imediato a
Portugal, criando uma junta de governantes para o Brasil. Muitos anos se
passaram e muito foi inculturado no seio da nova geração desenvolvida por
brasileiros, entre tantos descendentes formado pela miscigenação. Nesta
conjuntura programada ao longo da história, a ideia de liberdade política dos
seguidores de D. Pedro era diferente da luta de libertação entre nativos e
africanos escravizados que foram submissos ao cativeiro secular. A convicção
dos brasileiros partidário a D. Pedro, carregava uma bandeira de luta conhecida
como a dos liberais radicais que queriam uma autonomia ainda dentro do reino.
Foi por este caminho que estes liberais resolveram colher oito mil assinaturas
reivindicando a permanência de D. Pedro aqui no Brasil, contrariando as ordens
do Reino de Portugal.
Desde o começo, antes da colonização
portuguesa sobre os nativos, esta ideia monárquica patriarcal não fazia parte
da vida das tribos locais. É bom lembrar que a vida nativa, antes da chegada de
Cabral, continha mais de duzentas etnias com mais de duzentas língua e
dialetos. Havia já o desenvolvimento de diferentes grupos humanos, com
atividade coletora, agrícola e a formação de sociedades complexas.
Continuando a história e contando os
feitos dos brasileiros mestiços, encontramos as marcas do europeu dominador,
civilizado, branco, cristão, machista e heterossexual. Na síntese do dominante,
a colonização é uma conquista contra os selvagens que não são brancos e nem
batizados como cristãos. Trata-se de um negócio, não de uma negociação. Portanto,
para cumprir o plano da história colonizadora portuguesa no Brasil de 322 anos,
o trato culminava nas decisões de um povo misturado entre culturas e,
sobretudo, tomado por uma política liberal europeia com os ideais de um reino
fadado ao fracasso.
Passando
por todo esse cenário, chegamos ao ponto de uma decisão na história do Brasil. D.
Pedro I, cobrado pelos brasileiros, contrariando as ordens de Portugal, negando
seu retorno à Europa, declarou em público: “Se é para o bem de todos e
felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”.
41 – PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA
(PERÍODO DA MONARQUIA IMPERIAL - 1822-1889 - 67 ANOS)
“No seu lugar
surgirá outro rei, que vai mandar um cobrador para requisitar o tesouro do
Templo. Mas, depois de alguns dias, ele será derrotado sem ira e sem guerra” (Dn
11,20).
Certa vez estava eu a caminhar em direção
da biblioteca da escola que leciono para tratar dos fichamentos de leituras dos alunos e ao me aproximar da bibliotecária, um
grupo de alunos e alunas chegaram até mim perguntando sobre uma pesquisa da professora
de história. O fato em si não me surpreendeu por me encontrar num ambiente
escolar, mas o que me chamou atenção foi a curiosidade dos discentes pela
diversidade de livros sobre a história do Brasil que vi sobre a mesa.
Uma das alunas da equipe pegou um dos
livros e abriu na página sobre a Independência do Brasil e fez uma pergunta
curiosa que pedia várias explicações.
- Professor, esta pintura sobre a
“Independência ou Morte” mostra como aconteceu a história?
- Boa pergunta, respondi com acréscimo. Na
verdade, o pintor que fez esta arte se chama Pedro Américo, era um paraibano
também poeta e romancista. Ele quis transmitir em sua tela a ideia do poder
monárquico no Brasil, mostrando D. Pedro I proclamando a independência.
Os alunos estavam entre conversas e aos
poucos iam prestando atenção sob a repreensão de outros colegas. Continuei
explicando.
- O fato é que o Brasil fora colonizado
por 322 anos por Portugal e continuava sendo dependente do reino português. Com
a Proclamação da Independência o Brasil teria sua autonomia. Contudo, a
realidade agora seria de uma nova nação, de uma nova nacionalidade brasileira.
Porém, a nova nação deveria assumir um endividamento acordado com os
portugueses, sendo ainda uma monarquia.
- Sim, professor, mas... neste quadro
pintado por este... Pedro Américo, a independência parece que foi resolvida, não?
Perguntou um aluno de olhar curioso.
- Parece? Respondi perguntando. Veja que o
quadro é uma imagem fixa de um momento da história. Pode ser visto como se não
estivesse em guerra, supondo até uma ideia de paz...
Deixei no ar uma reflexão para ver se alguma
outra pessoa indagava sobre algo mais. E eis que veio. Um aluno autista que
gostava muito de perguntar várias vezes a mesma pergunta, fez a interrogação:
- Professor, professor! Aqui está escrito
“Grito do Ipiranga”. O que é Ipiranga?
- Ipiranga é um riacho que fica em São
Paulo e esta palavra é de origem tupi que quer dizer “rio vermelho”. Vou dizer
mais. No quadro pintado da Independência do Grito do Ipiranga, esses soldados
de branco em seus cavalos, representam Os Dragões da Independência. Esses Dragões
só adotaram esse uniforme branco que é visto na pintura, mais de cem anos
depois deste fato brasileiro. Curioso né? Assim mesmo, o retrato oficial da
Independência passou a ser esta pintura, como se tivesse sido capturado por um
celular naquele exato momento, às margens do riacho Ipiranga, na cidade de São
Paulo, em 7 de setembro de 1822. Ah! E tem mais. O grito “independência ou
morte” pode ter sido uma frase do tipo: ‘Viva o Brasil livre!’ ou coisa assim. Depois
disso, o príncipe D. Pedro I foi aclamado imperador do Brasil, sendo coroado e
consagrado em 1º de dezembro de 1822, assim o país passou a ser o Império do
Brasil.
O tempo parecia não passar na biblioteca
da escola. O assunto sobre a Independência do Brasil ocupou o cognitivo de
todos. Percebi que até a bibliotecária estava atenta à nossa conversa sobre a
Proclamação da Independência do Brasil.
A coordenadora da escola tocou para o
Intervalo e todos saíram correndo.
42 – MARIA FILIPA DE OLIVEIRA
“Não me venha mais
fazer profecias em Betel, pois isto aqui é o santuário do rei, e é templo do
reino” (Am 7,13).
Saindo do Ceará para uma viagem histórica,
navegando com amigos numa lancha, conduzido por um nativo bem informado sobre o
litoral baiano, eu como desbravador em um episódio dos sonhos, e por aventurar
pelos lugares do meu povo de origem, resolvi investigar mais, como um curioso
do saber, sobre a imensa paisagem que avistava.
- Bom dia, amigo! Por favor, você sabe
dizer qual a importância curiosa desse lugar? Perguntei bem interessado.
- Bom dia a todos! Que bom ter vocês por
aqui. Respondeu o piloto e continuou falando.
- Vou contar algo bem informativo para
matar um pouco a curiosidade de vocês. Na bela paisagem da Ilha de Itaparica, que
pela etimologia os estudiosos em tupi, traduzem com o significado de “pedra
faiscante” ou “cerca de pedra”. Ela se encontra localizada aqui na Baía de
Todos os Santos, neste estado da Bahia, a 45 minutos de Salvador, entre as 56
ilhas do lugar, e a curiosidade é que foi neste lugar onde nasceu Maria Filipa
de Oliveira, no ano de 1799. Sabiam?
- Que aula! Respondi admirado.
O piloto passeava com a lancha devagar por
vários lugares da ilha e enquanto íamos contemplando a maravilha de cada ponto
por onde passávamos, cada um perguntava cada vez mais sobre Maria Filipa.
- Quem foi Maria Filipa? Perguntou meu
amigo de viagem que também é professor.
- Conta a história que foi uma mulher
marisqueira, pescadora e de trabalho braçal. Além disso, destacou-se como comerciante
e navegadora. Foi uma heroína que aos 23 anos participou das lutas pela
Independência do Brasil travadas na Bahia, na Ilha de Itaparica, antigo Arraial
da Ponta das Baleias, imortalizada na memória popular. Maria Filipa foi uma líder
corajosa engajada nas lutas sociais. Era alta e lutava capoeira. Descendente de
negros escravizados, vindos do Sudão. Liderou um grupo para lutar contra os soldados
portugueses e com o apoio de homens da cidade, queimou quarenta embarcações
portuguesas que estavam próximas à Ilha, diminuindo o poderio colonizador no decorrer
da batalha. Liderou também um grupo de 200 pessoas, entre mulheres negras,
nativos tupinambás e tapuias nas batalhas contra os portugueses que atacavam a
Ilha de Itaparica. Ela tinha uma fé dos orixás pela qual sofria perseguição.
Durante a viagem, enquanto escutava o guia
e contemplava a paisagem nativa, meu amigo professor folheava um romance que
estava disponível a bordo que trazia o título de “O Sargento Pedro” do autor
Xavier Marques, um jornalista, político e poeta brasileiro. Lembro muito bem
quando ela fez um belo comentário como gostava de exercer em sua oratória. E
dizia que a figura histórica de Maria Filipa estava citada no romance deste
ilustre escritor.
Maria Filipa de Oliveira faleceu em 04 de
janeiro de 1873 aos 74 anos. Sua vida transmite uma inspiração que nos ensina a
resistir e lutar pela emancipação que transforma a sociedade de submissão em
uma convivência fraterna, onde as relações humanas se compreendem com a participação
das mulheres livres e com dignidade. Contudo, ainda temos muito que lutar
contra o racismo, contra uma sociedade de exclusão, e fazer valer uma política
pública eficiente em favor da população negra.
43 – A MONARQUIA
“Vitoriosos, eles
subirão a montanha de Sião, para daí governar a montanha de Esaú. E o reino
pertencerá a Javé” (Ab 21).
No primeiro dia de aula, na turma do
nono ano, chegou a professora de história e logo começo a falar pausadamente.
- Bom dia! Desejo uma manhã agradável. Vou
me apresentar. Eu sou Liliana. Ensino história em duas escolas públicas...
Antes que a professora continuasse, um
aluno dedicado interrompeu e disse.
- Professora! A gente vai estudar tudo
o que tem nesse livro durante esse ano todo? Perguntou o aluno levantando com a
mão o livro de história.
- Qual o seu nome, filho?
- Jônatas, respondeu o aluno.
- Caro Jônatas, vamos estudar para
aprender a viver melhor a nossa história. Se alcançarmos esta meta, o livro
será como uma fonte contínua para aprendermos a fazer sempre o que é melhor em
nossa convivência social.
A aula começou com um breve debate
acerca da fala da professora. Liliana tomou a palavra, aumentou um pouco a
caixinha de seu áudio, tomou agua e retrucou:
- Vocês sabem dizer o que foi a monarquia
no Brasil?
A turma fez um silêncio sepulcral. Perante
a calmaria a professora começou a ensinar:
- Vamos lá! Prestem bem atenção. Houve
um tempo na história do Brasil em que a monarquia imperou até que suas
estruturas foram abaladas. Nesta época existiam dois grupos rivais e com ideias
totalmente opostas. De um lado, os monarquistas, e do outro, os republicanos
que passaram a contar com o apoio dos militares que estavam sem amparo do
imperador.
Jônatas levantou a mão e pediu a palavra
e a professora concedeu.
- Professora, vou ler aqui no livro. “A
monarquia foi
a forma de governo adotada no Brasil desde a Independência, que aconteceu em 7
de setembro de 1822. Até o dia 15 de novembro de
1889, o Brasil foi uma monarquia e, ao longo desse período, o nosso país
possuiu dois imperadores, D. Pedro I (Primeiro Reinado) e D. Pedro II (Segundo
Reinado). Após conquistar a independência, o Brasil transformou-se em uma
monarquia e foi governado por D. Pedro I, de 1822 a 1831, em um período
conhecido como Primeiro Reinado.”.
A professora percebeu que
os alunos acompanhavam pelo livro a leitura de Jônatas. Vendo a preocupação deles
com o texto em si, retomou a leitura e começou a fazer uma interpretação.
- Caros estudantes! A
nossa história brasileira passou por um processo muito longo de colonização que
durou 322 anos. Diante do impasse político, econômico e militar, surgiu um movimento
popular de revolta pela insatisfação às questões sociais sob o governo do poder
vigente da monarquia. Por conta de um desgoverno autoritário de escravidão,
pobreza, fome e doenças, ocorreram várias rebeliões em diferentes regiões do
país. Foi um desastre nacional. Essa fase do Primeiro Reinado durou até 1831,
quando o imperador D. Pedro I abdicou ao trono brasileiro em favor de seu
filho, Pedro de Alcântara, futuro D. Pedro II. Os desgastes do governo de D.
Pedro I com a grande parte da elite política e econômica da sociedade, fizeram
com que o imperador renunciasse o trono para o seu filho. Desta forma, o Primeiro
Reinado chegou ao fim.
O toque para o intervalo foi acionado e
a turma toda fez sinal para sair às pressas. A professora alertou para
continuar a história na próxima aula.
44 – ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DO
BRASIL DE 1823
“E você, Torre do
Rebanho, colina de Sião; a você virá, retornará a soberania de antes, a realeza
da capital, Jerusalém.” (Mq 4,8).
Depois de um final de semana
prolongando, devido um feriado, um grupo de jovens que estudavam na mesma
escola, resolveram apresentar na hora do intervalo da aula, uma peça teatral com
o tema “Assembleia Constituinte”. A gestão da escola fez algumas objeções e uma
delas era que não podiam tomar muito tempo das aulas e que deviam fazer a
apresentação apenas no tempo limite do intervalo. A situação não ficou muito
agradável. Os jovens do teatro foram diretos falar com a diretora.
- Diretora, com licença. Podemos
entrar? Perguntou Alana, a aluna roteirista meio desconfiada.
A diretora olhou para os jovens
estudantes e logo perguntou do que se tratava. Mas permitiu que entrassem e
sentassem.
- Diretora, a gente quer saber por que
não podemos ocupar o tempo da aula depois do intervalo para continuar com um
debate sobre nossa encenação.
Nessa hora, a professora de História
mais o professor de Arte, sabendo um pouco do ocorrido, pediram permissão para
entrar na sala.
- Com licença. Falou Jacinta, a
professora de História. Quero dizer algo que pode ajudar.
- Pois não, professora, diga o que tem pra
dizer. Manifestou a diretora com expectativa.
- Quero dizer que o tema da minha aula
trata da Assembleia Constituinte do Brasil de 1823, do tempo de Dom Pedro I.
Estes jovens querem apresentar esta história numa encenação que sugeri em sala
de aula, pensada também com o professor de Arte.
- É isto mesmo, diretora. Heitor continuou a conversa, o professor de
Arte. E dizia:
- Esta é uma experiência inovadora para
estes estudantes. Poderão desenvolver de forma criativa uma aula marcante
para todos da escola. Veja só. A roteirista pode dizer por si ou em nome do
grupo, o que tem para apresentar. Pode falar, Alana.
- O que temos escrito no roteiro dá
para uma bela apresentação e depois um bom debate. Aqui no papel temos um
resumo sobre o tema. No primeiro ato temos uma manifestação com alunos e alunas
demonstrando a insatisfação com o Império de D. Pedro I submetido a monarquia
portuguesa, a situação de escravidão e todo o sistema de opressão. No segundo
ato, a gente pensou em fazer um grande movimento circular tentado mostrar a
ideia de organização de uma grande reunião, seria a Assembleia Constituinte.
Neste momento, seria feito uma espécie de debate sobre a construção
do Estado, da Nação e do Direito nacional. Por fim, o terceiro ato, entraria em
cena um grupo de nativos e africanos com cartazes em protestos contra o
exterminio de muitos que morreram pelo poder do Império colonizador e escravocrata.
A diretora ouvia tudo até com
admiração. Mas antes que pronunciasse alguma fala, veio a interferência
artística da professsora Jacinta.
- Como vê diretora, estes
jovens têm uma dedicação especial para encenar e debater a aula.
Neste instante, Alana quis
acrescentar mais um detalhe sobre a apresentação. Jacinta percebeu e perguntou se
a roteirista queria falar mais alguma coisa.
- Queria dizer que no final da
cena provocaríamos um debate sobre as ideias liberais de hoje e a vida excluída
do povo faminto; o autoritarismo e a democracia; a relação entre a escola e a
familia.
45 – A CONSTITUIÇÃO DE 1824
“Vou derrubar os
tronos dos reis, vou acabar com a força dos reinos das nações. Derrubarei o
carro de guerra com o seu condutor...” (Ag 2,22).
Ao entrar no museu, vi que havia na
parede um grande quadro com uma imagem dourada nas cantoneiras da tela e o
emblema do brasão áureo da Constituição do Império em destaque no centro. O
fundo do quadro era todo verde. Embaixo estava escrito: Constituição
Política do Império do Brasil de 1824.
Estando de pé e imaginoso, admirando o quadro, veio a mim um historiador e museólogo
e perguntou:
-
O que chama tanta atenção diante da tela?
Atônito
por ser pego de surpresa e desconcentrando-me da figura cívica, respondi:
-
Estava admirando a imagem e tentando entender o seu significado.
-
Caro admirador. Posso adiantar que esta imagem remete a uma longa história.
-
Então, pode contar?
A
partir daí o historiógrafo começou a contar a história.
-
Depois da Independência houve a formação de uma Assembleia Constituinte, eleita
de forma indireta e composta por cem deputados da elite econômica. Eram homens
letrados, padres, proprietários de terra, servidores públicos, militares,
médicos. Nenhuma mulher poderia participar. Era período da escravidão.
Neste momento, olhei para os visitantes
no museu e sem entender muito o que ouvia, interrompi.
- Desculpe. Mas o que toda esta
história tem a ver com o quadro?
O historiador continuou.
- Como vê, o quadro representa a
Constituição do Império do Brasil. Além disso, por traz desta história está a
representação dos partidos elitistas.
- E quais eram estes partidos? Atalhei com
curiosidade imediata.
- Entenda. Existia um grupo de pessoas
consideradas da ala liberal. Era gente que defendia a liberdade civil, isto é,
os direitos das pessoas e a monarquia constitucional. Outra ala seria a dos
liberais exaltados republicanos. Estes defendiam mudanças políticas e sociais. Uma
terceira ala seria a dos portugueses conservadores que defendiam a monarquia
absolutista.
Depois de tanta informação por conta de
um quadro da Constituição do Império, e como visitante do museu, a curiosidade
só aumentava.
- Continuando. Após D. Pedro I ter
formado um conselho para atender seus interesses, contrapondo os radicais, resolveu
articular o seu grupo e fazer de forma imposta a Constituição.
- Como assim, imposta? Interpelei como
um aluno.
- Imposta ou outorgada, foi assim que
aconteceu. - Explico. O imperador D. Pedro I, vendo que a Assembleia não atendia
seus interesses e nem à Coroa do Reino português, resolveu fazer um decreto
dissolvendo a Constituinte. Ordenou ao exército a invasão do congresso,
prendendo e exilando diversos deputados. Esse ato ficou conhecido como a “noite
da agonia”. Desta forma, dez defensores do partido português, às portas
fechadas, redigiram a Carta, assim, D. Pedro I Outorgou a primeira Constituição do
Brasil, em 25 de março de 1824. A única Constituição monárquica do Brasil. Uma
Constituição centralizadora, com quatro poderes: Executivo, Legislativo,
Judiciário e o poder Moderador privativo do monarca. Detalhe, a escravidão foi
mantida.
- E os ideias da
independência por uma nação livre? Inquiri ao historiador, ainda olhando para o
quadro da Constituição.
- Ah... Esta é outra
história.
46 – DA CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR AO DECLÍNIO DE D. PEDRO I
“Convertam-se,
porque o Reino do Céu está próximo” (Mt 3,2).
Era um dia ensolarado, quando Joaquim e
Bárbara, estudantes de jornalismo, passavam pela praça de Recife, um conflito
político ocorria num palanque entre dois grupos antagônicos. A situação piorou
e no meio da rua uma manifestação popular tomou corpo. Logo veio um confronto
do exército com tropas imperiais contra os manifestantes populares.
Em Pernambuco havia um grupo de rebeldes
que agia com autonomia. Desse grupo surgiu um movimento formado por diversos
líderes, e entre os quais, estava o conhecido Frei Caneca.
Olhando para o alto do palanque, Joaquim
e Bárbara registravam tudo o que ouviram. E desse relato escrito, foi para o
jornal a informação de que um movimento revolucionário denominado Confederação
do Equador, no ano de 1824, envolvendo outros estados como, Paraíba, Rio Grande
do Norte e o Ceará. E ainda, foi acrescentado que o movimento foi uma reação à
centralização do poder por D. Pedro I, após a independência do Brasil, e porque
defendia a implantação de um regime republicano e federalista.
Bárbara, com mais ousadia, puxou Joaquim
para se aproximar de Frei Caneca para conseguir maiores informações, e
conseguiu. Depois disso, só lembro de um grande tumulto e gente correndo para
todos os lados junto com a acavalaria.
Dias depois, soube que os confederados
proclamaram a Confederação do Equador para estabelecer um novo governo e uma
nova constituição. Mesmo assim, o governo imperial, liderado por Dom Pedro
I, reprimiu violentamente a revolta, resultando na prisão e execução de
diversos líderes, incluindo Frei Caneca.
A Confederação do Equador ficou vista como
um marco na luta pela autonomia das províncias e contra o autoritarismo
imperial. Além de fortalecer a democracia, o movimento, apesar de fracassado,
contribuiu para o debate sobre a forma de governo e a organização política do
Brasil.
À época, o governo de D. Pedro I enfrentava
instabilidade devido ao seu autoritarismo e conflitos entre os partidos brasileiro
e português, evidenciando a insatisfação popular com a influência portuguesa no
governo. D. Pedro I perdeu o apoio de setores importantes da sociedade e das
forças militares, ficando em uma situação insustentável. A abdicação de
D. Pedro I encerrou o período do Primeiro Reinado e iniciou o Período
Regencial, marcado pela instabilidade política e pela disputa entre diferentes
grupos pelo poder. Após abdicar do
trono brasileiro em 1831, em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, futuro D.
Pedro II, que na época tinha apenas 5 anos, D. Pedro I retornou a Portugal.
Este ato marcou o fim do Primeiro Reinado
e o início do Período Regencial no Brasil. A abdicação foi resultado de
uma série de tensões políticas e crises econômicas que enfrentava o governo de
D. Pedro I, além do seu envolvimento com a sucessão do trono português, segundo
historiadores.
O tempo foi passando e Joaquim e Bárbara
desenvolveram uma pequena gráfica jornalística, juntamente com um grupo de
autores independentes. Esses autores começaram a divulgar os ideais
democráticos, defendendo a autonomia e a descentralização política e
administrativa que o governo usava em benefício próprio, e não para as políticas
públicas sociais.
47 - A
REVOLTRA DOS MALÊS (1835)
“Felizes de vocês, os pobres, porque o
Reino de Deus lhes pertence” (Lc 6,20).
Fui até à biblioteca da escola e numa conversa com
a professora que cuida do acervo, comentamos sobre uma pesquisa do professor de
Ensino Religioso, que tratava da Revolta dos Malês, de 1935. Vi que na
prateleira constava a coleção de dezoito volumes da Enciclopédia Barsa, mesmo
assim, o celular na mão é a forma mais rápida para pesquisar no mundo
contemporâneo.
Ao acessar o Google, de cara, abriram várias
páginas sobre o assunto. Nessa hora, um grupo de alunos e alunas entraram na
biblioteca para realizar um trabalho em equipe. Uma das alunas mais curiosa,
aproximou de mim e deu a entender que queria saber o que pesquisávamos. Para
não perder a vez, e tomando uma atitude adulta, perguntei qual pesquisa vieram
fazer na biblioteca. Coincidentemente, o estudo era sobre a Revolta dos Galês.
A aluna apontou para a sua turma e foi dizendo que
tinha encontrado uma ajuda. Sem perceber muito bem o que dissera, logo pegou-me
pelo braço e tentou me conduzir até a sua equipe. Eu falei que iria livremente
para orientar o grupo. Ao me aproximar da mesa onde estavam folheando vários
volumes, perguntei o que queriam exatamente. E em um uníssono, falaram: A
Revolta dos Malês!
Comecei a falar. A Revolta dos Malês foi a maior
rebelião urbana de escravizados muçulmanos em Salvador, Bahia, no ano de 1935,
liderada por 600 africanos Nagôs de origem Iorubás e Haussás, tendo como
objetivo a libertação da escravidão e o fim da imposição da religião católica,
almejando a liberdade religiosa. Além disso, reivindicavam o direito à educação
e à alfabetização para crianças negras.
Sintetizando em poucas palavras, algumas dúvidas
surgiram.
− Professor, e o que significam essas palavras:
Malês, Nagôs... e outras que o senhor falou? Perguntou uma das alunas.
− O termo “Malê” era usado para se referir aos
africanos muçulmanos que viviam no Brasil, especialmente na Bahia. “Nagô” trata do povo africano Iorubá, da atual
Nigéria, Benim e Togo, que influenciou na formação da cultura afro-brasileira.
− Mas, e aí, professor. Os Malês ganharam a luta?
− Apesar de toda a mobilização, os Malês não conseguiram o apoio suficiente de outros escravizados
para o sucesso do movimento. A revolta foi duramente reprimida pelas
autoridades. Muitos dos envolvidos foram presos e julgados, com punições
que incluíram pena de morte, fuzilamentos, açoites e trabalhos forçados para os
demais. O evento reforçou a repressão e o controle sobre a população
africana, mas também serviu como um grande grito de resistência.
Enquanto eu falava, um dos alunos
com habilidades em desenho, estava delineando os traços da trama contada pelo
professor. Outro gravava a explicação pelo celular. No meio da conversa da
equipe, havia alguns acordos para expor o trabalho com uma encenação retratando
tal conflito social.
Antes que eu saísse da biblioteca,
a aluna curiosa que abriu caminho para o início dessa história, agradeceu e pediu
desculpa pelo incomodo. Disse que não era incômodo algum, já que o interesse da
conversa era o conhecimento.
48 – ANITA
GARIBALDI (1821-1849)
“Jesus andava por toda a Galileia,
ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando todo
tipo de enfermidade do povo” (Mt 4,23).
Andando pelas ruas da cidade de Fortaleza, indo
pela Avenida Dr. Silas Munguba (antiga Dedé Brasil), cheguei ao bairro da
Serrinha. Vi que existe uma placa com o nome de uma Rua Anita Garibaldi.
Pesquisei rapidamente pelo celular e vi que a prefeitura havia realizado um
mutirão de ações coordenadas de zeladoria e manutenção, educação ambiental e
saúde.
O que me chamou mais atenção foi o resgate
histórico acerca da personagem Anita Garibaldi (Ana
Maria de Jesus Ribeiro 30/08/1821 – 04/08/1849), como uma revolucionária
brasileira nascida em Laguna, Santa Catarina, em 1821, conhecida como a
“Heroína dos Dois Mundos”. Essa denominação se deu porque lutou em
batalhas e revoluções no Brasil, durante a Revolução Farroupilha (1835 – 1845)
no Rio Grande do Sul, contra as políticas tributárias do Império brasileiro e o
descontentamento das elites locais, e a Batalha de Curitibanos, na Itália, ao
lado do seu marido Giuseppe Garibaldi, participando da luta pela unificação
italiana e da defesa da República Romana (1840).
Anita conheceu Giuseppe
Garibaldi, em Laguna, Santa Catarina, em 1839, durante a Guerra dos Farrapos e
o acompanhou em seu barco, participando do ataque a navios imperiais e em
diversas batalhas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Anita Garibaldi, mulher
inteligente e autônoma, com espírito independente e por sua participação em
combates no Brasil e na Europa, fez com fosse reconhecida como uma defensora da
liberdade nos dois continentes.
Ah! Percebi também na pesquisa, que no contexto
histórico à época de Anita Garibaldi, aconteceram outras lutas, no caso do
movimento separatista conhecido como Sabinada, na Bahia, entre 1837 e 1838,
durante o Período Regencial do Brasil. Foi um combate liderado pelo médico e
jornalista Francisco Sabino, que pela revolta, tinha o objetivo de uma República
Bahiense provisória, por conta da espera da maioridade de Dom Perro II. A outra
revolta popular, foi a Balaiada que ocorreu no Maranhão e no Piauí no período
de 1838 a 1841, motivada pela crise econômica, altos impostos, violência
policial e a desigualdade social entre vaqueiros, artesãos, escravizados,
quilombolas, camponeses e povos originários da terra, contra a opressão da
elite agrária. O nome do movimento é uma referência a um de seus líderes, o
artesão Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, conhecido como Balaio.
Anita Garibaldi morreu em 4 de agosto de 1849, na
Itália, perto de Ravena, enquanto fugia com Giuseppe Garibaldi das tropas
austríacas, aos 28 anos. Ela estava grávida de seu quinto filho no momento
do falecimento.
Eita!
Como deu para perceber, é muita história para a memória. É preciso resgatar os
ensinamentos bons da vida que pela resistência trazem a bandeira da liberdade. As
ruas e as praças da cidade muitas vezes dizem muito mais do que o que podemos
imaginar. Como diz o poeta e compositor Chico Buarque: “Vai passar nessa avenida um samba popular, cada paralelepípedo da velha
cidade, essa noite vai se arrepiar. Ao lembrar que aqui passaram sambas
imortais, que aqui sangraram pelos nossos pés, que aqui sambaram nossos
ancestrais...”
49 – GOLPE DA MAIORIDADE (1840)
“Portanto, quem desobedecer a um só desses mandamentos, por menor que seja, e ensinar os outros a fazer o mesmo, será considerado o menor no Reino do Céu. [...] se a justiça de vocês não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, vocês não entrarão no Reino do Céu” (Mt 5,19).
Quando meu irmão mais velho completou 16 anos, pediu
o direito de sair de casa e conhecer o mundo. Essa foi uma decisão de cortar o
coração da mãe e da vó, que também ajudava na criação. Mas foi assim. Meu irmão
queria ver se encontrava o pai biológico em Recife, onde morávamos, e também se
livrar das peias de palmatória. Meu pai era um interiorano da roça com Ensino
Fundamental, operário urbanizado, e resolveu ir até a delegacia de juizado de
menor e fez um documento de autorização. Assim, meu irmão, saiu do Ceará e
partiu...
Mudando um pouco o rumo da prosa, mas, tratando de
uma decisão que envolve a questão da maioridade, no Brasil, em 1840, houve o
Golpe da Maioridade, considerado um movimento político e popular que forçou o
Senado a declarar D. Pedro II maior de idade aos 14 anos, em 1840, encerrando o
Período Regencial. Segundo os historiadores, o objetivo era centralizar o
poder, conter as revoltas regionais e as disputas entre os partidos Liberal e
Conservador, restaurando a estabilidade do país através da figura do imperador.
Nesse contexto, Pedro de Alcântara, o futuro Dom
Pedro II, através de um ato judicial, foi considerado maior de idade, sendo
apto para ocupar o trono deixado vago por seu pai, Dom Pedro I, em 1831.
Isso configurou a antecipação da coroação de Dom
Pedro II no trono brasileiro, com apenas 14 anos de idade. Conforme a
Constituição de 1824, um dos requisitos para a coroação imperial era a
maioridade do herdeiro com 18 anos de idade. Tendo em vista as diversas
rebeliões que vinham acontecendo nas províncias, viram que a solução para
pacificar o Império era a coroação do novo imperador.
Veja só! Vendo o Brasil como uma grande casa de
família, marcado por várias mudanças políticas, com revoltas e rebeliões, chegou
a criar o Clube da Maioridade, com destaque na imprensa e apoio popular. Tal
coroação era vista
como a garantia da ordem social e política no Brasil Império. A lei foi
aprovada e o Segundo Reinado foi inaugurado com a coroação de Dom Pedro II, no
ano de 1840, indo até 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República
do Brasil.
A maioridade é a idade que a lei estabelece
para uma pessoa a plena capacidade de exercer todos os seus direitos e deveres
civis, e no Brasil configura aos 18 anos, de acordo com o Código Civil.
Essa história com um arranjo político para
antecipar a maioridade do imperador, que a Constituição de 1824 estabelecia
para os de 21 anos, configurou um Golpe de Estado. A elite fez uma manobra
política e usou um jovem como instrumento para seus próprios interesses.
Voltando ao início dessa história, lembro que
anos depois, meu irmão, já com a maioridade, voltou para casa e se reencontrou
novamente com a família. Dessa vez, trouxe uma bagagem de conhecimento do mundo
e sem saber quem era o pai biológico. Depois, eu mesmo fui saber nas terras
longínquas da minha mãe, Caruaru, Pernambuco, se encontrava algum parente para
expandir mais conhecimento sobre a nossa árvore genealógica. Mas não deu em
nada. Sem coroação, herdamos o nome da Família Sousa, do lado paterno, de
Morrinhos, Ceará.
50 – LEI
EUSÉBIO DE QUEIROZ (1850)
“venha o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6,10 ).
Cheguei na casa da minha vó e encontrei meu tio
paterno reclamando do trabalho que o obrigava a fazer hora extra para atingir a
meta da fábrica. Vi que minha vó materna falava sem muito conhecimento, mas, dizia
algumas verdades. Uma delas era o comentário que relacionava o tempo da
escravidão com os dias atuais.
− Meu fi, você num viu foi nada.
− Como assim, Dona Cecília?
− Ora, no tempo da escravidão a coisa era muito
pior.
Nessa hora, eu fiz questão de ajudar a minha vó e comecei
a falar sobre o processo de libertação dos escravos no Brasil, iniciando pela
Lei Eusébio de Queiroz (1850), depois, a Lei do Ventre Livre (1871), em
seguida, a Lei dos Sexagenários (1885), e por último, a Lei Áurea (1888).
Para entender melhor essa história toda, é preciso
relembrar que a Inglaterra desejava o fim do tráfico de africanos escravizados no
Brasil, por razões econômicas ligadas à Revolução Industrial. Para que o
mercado da Inglaterra crescesse seria preciso haver consumidores de produtos
industrializados dos ingleses. Para garantir tal proeza, era necessário ter o
acesso à África para explorar matéria-prima, além disso, tinha que enfraquecer
os concorrentes como o Brasil no mercado de açúcar.
− Muito bem, meu neto. É pra isso que serve os
estudos. Continue.
Minha vó era rezadeira das boas. Muita gente vinha
lhe procurar para se curar das doenças ou livrar os filhos de algum mau olhado.
Mas, continuando o comentário sobre a exploração e
a opressão pelo trabalho. O sistema escravista nega o pagamento de salário, já
que o objetivo é a escravidão. Por outro lado, nega também que os escravos
sejam consumidores. Nesse caso, a Inglaterra buscava transformar africanos e
brasileiros em trabalhadores assalariados e consumidores de bens manufaturados
ingleses. Por conta disso, a abolição do tráfico e da escravidão permitiria uma
exploração bem maior para o mundo todo.
− Ah, quer dizer que trocaram os nomes pra
continuar explorando do mesmo jeito?
− Vó, não é bem que trocaram os nomes. Mas, deixa
eu explicar. Na verdade, A Lei Eusébio de Queiroz (nome do Ministro da Justiça
na época), proibiu o tráfico transatlântico de africanos para o Brasil,
determinando medidas como a criminalização dos
traficantes e a punição dos envolvidos. E tem mais, a escravatura
no Brasil foi ficando insustentável com o passar do tempo, colocando o país
entre as nações vistas como "não civilizadas". A pressão inglesa foi tanta,
que dois meses antes da aprovação dessa lei, a esquadra britânica atacou a
costa brasileira belicamente. Dessa forma, com a extinção do tráfico de
escravos, fortaleceu a importância para a manutenção das propriedades e do
poder da elite escravocrata.
− Gente, deixa eu ir trabalhar, senão eu perco o
emprego.
Meu tio saiu às pressas, resmungando da conversa.
51 – GUERRA
DO PARAGUAI (1865 – 1870)
“” (Lc ...).
Lembro quando andava pela cidade de Fortaleza com o
meu pai, na década entre 1975 a 1985, e passava pela Praça dos Leões, como era
conhecida, com a famosa estátua do General Antônio Tibúrcio Ferreira de Souza, monumento
de 1888 feito em homenagem ao general cearense, atuante na Guerra do Paraguai (1865
– 1870).
Nesse período, eu estudava no Seminário Seráfico,
em Messejana. Recordo que no ensino fundamental a professora pediu para fazer
uma pesquisa sobre essa Guerra do Paraguai.
Vale dizer que a guerra não traz heroísmo. Penso
que os que pensam diferentes, confundem acordo de paz ou guerra santa, como
progresso da civilização. Ledo engano. Dessa forma a humanidade caminha para
trás. Até a natureza responde às agressões humanas, quando a destruímos.
Sobre a pesquisa que a professora pediu para fazer
em equipe, foram feitos vários cartazes. Minha equipe apresentou também uma
encenação poética em forma de cordel. Ainda lembro dos versos que diziam:
A Guerra do Paraguai
disputava por território
Brasil, Argentina e Uruguai
travaram um conflito histórico
era a Tríplice Aliança
entre a morte e a esperança
ficou público e notório.
Depois de nossa apresentação, fiz uma pergunta:
− Professora, quais as consequências dessa guerra?
− Vejamos! As consequências duradouras por causa da
Guerra do Paraguai, para uma compreensão histórica do Brasil contemporâneo, no
âmbito político, militar e social, houve uma contribuição para a queda da
Monarquia e a formação de um Exército como força política decisiva. Mas, o que
vocês pensam sobre essas consequências?
− Pelo que
li, percebi que numa guerra, além dos gastos bélicos tem as mortes, e no
contexto brasileiro, tivemos uma dívida externa altíssima por conta dos
empréstimos para financiar as operações militares, criando assim, uma
dependência econômica por décadas.
− Parabéns às equipes pela pesquisa. E posso lhes
dizer que essa dependência econômica reforçou as elites agrárias e a estrutura
latifundiária, atrasando o desenvolvimento industrial do país. Além disso,
esses gastos causaram o empobrecimento da população, deixando de aplicar
recursos nas áreas como alimentação, saúde e educação, e desse modo, impactando
diretamente na qualidade de vida da população. Na próxima aula tem mais
novidade sobre o Manifesto Republicano.
52 – MANIFESTO
REPUBLICANO (1870)
“” (Lc ...).
Noutro dia, aconteceu um fato
inesperado. A escola foi pega de surpresa quando alguns carros da polícia
estacionaram e um sargento pediu para entrar e conversar com a gestão. Havia
muita conversa sobre o que ocorrera na noite passada. Um homem tinha sido assassinado
nas adjacências por um grupo de uma facção. Os policiais receberam uma chamada
telefônica anônima para atender e resolver o problema na comunidade. Na parede
de uma casa tinha um escrito: “Vaza em 24 horas ou morre”. A notícia se
espalhou pela TV e redes digitais. No bolso da vítima que se encontrava morta
numa vala da rua em construção, tinha um papel com o manifesto da organização criminosa.
Sem querer entrar no mérito desse
manifesto violento, por coincidência, um idoso que morava por perto, mencionou
que conhecia o Manifesto Republicano, mas, dizia que desconhecia um estatuto de
um grupo infrator.
Uma senhora que ouvia o idoso
comentando sobre o assunto, curiosamente quis saber sobre o assunto.
− Conte mais sobre esse Manifesto
Republicano, nunca ouvi falar.
− Pois, não! Esse Manifesto ao
qual me refiro, diferente do papel encontrado aqui no bolso desse pobre morto, trata
de uma declaração oficial que foi escrita por um jornalista e político
brasileiro do Rio de Janeiro, atuante no processo da Proclamação da República
que se encontrava sob o regime monárquico, conhecido por Quintino Bocaiuva, entre
outros, no ano de 1870.
− E o que isso tem a ver com a
morte desse pobre coitado?
− Diretamente, nada. Agora, se
quiser entender sobre manifesto, posso falar sobre muitas coisas que comparado
com esse crime organizado, temos muito que aprender.
− Então, o que tem pra aprender
sobre isso?
− Vamos lá. Se quiser saber mesmo
sobre o tema, posso fazer uma lista de manifestos. Veja só, temos o Manifesto Comunista
de 1848, este analisava a história de todas as sociedades a partir da
luta de classes. O Manifesto
Regionalista de 1926, em Recife, valorizava a
cultura nordestina como parte do modernismo, enfatizava o poder e a autonomia
regional. O Manifesto
dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, defendia uma educação voltada para
todos sem discriminação de classe social. O Manifesto #EleNão, foi um movimento
de protestos liderado por mulheres que surgiu nas redes sociais e ganhou as
ruas em setembro de 2018, durante a campanha presidencial de Jair Bolsonaro. O
movimento se opunha à candidatura de Bolsonaro por causa de declarações vistas
como misóginas, machistas, homofóbicas e racistas. O Manifesto do Levante das Mulheres
Brasileiras de 2020 foi um documento produzido durante a pandemia de COVID-19
para denunciar a situação das mulheres e da população em geral sob o governo do
então presidente Jair Bolsonaro. E por aí vai tantos manifestos que defendem a
vida e não a morte.
53 – LEI
ÁUREA (1888)
“ ” (Lc ...).
No dia em que visitei o Museu Senzala Negro Liberto, situado no Engenho Livramento no município de
Redenção, no estado do Ceará, com uma turma de estudantes, percebi logo na
entrada da cidade um monumento em alusão ao acontecimento histórico, por ser a
primeira cidade do Brasil a abolir escravidão, em 1º de janeiro de 1883. E no
dia 25 de março de 1884, a abolição aconteceu em todo o Ceará.
Em Redenção, o museu foi criado
em 2003, um conjunto arquitetônico colonial bem original, composto por uma
casa-grande, a senzala, o canavial, a moageira e uma lojinha com o nome de
Mercado da Sinhá.
Após cinco anos, no dia 13 de
maio de 1888, foi decretado a Lei Áurea pela
Princesa Isabel, extinguindo a escravidão no Brasil. Essa lei pode ser
compreendida como resultado de anos de luta do movimento abolicionista.
Quando a gente fala em libertação
dos escravos no Brasil, é preciso entender que as consequências sobre essa lei não
foram pensadas, embora tendo libertado cerca de 700 mil pessoas, a Lei Áurea não
previu uma política pública para a inclusão social, econômica e a reparação de
danos para a população negra após a abolição. E o Brasil foi o último país ocidental a
abolir a escravidão
A Lei Áurea foi o ato
final de um longo processo de abolição gradual, que incluiu a Lei Eusébio de
Queirós (1850), a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885).
Como reflexão, trago um
recorte de uma crônica de Olavo Bilac, publicado em 1902, que contrasta a
percepção da escravidão, ao escrever: “E, no chão que o esforço dos escravos
lavrava e fertilizava, corria o sangue dos mártires, pedindo misericórdia,
clamando vingança, caindo sem cessar, gota a gota, dos corpos supliciados...”.
54 – A
PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
PERÍODO REPUBLICANO (1889-1945)
“ ” (Lc ...).
O mundo brasileiro tem uma
história em um ambiente de colonização e escravidão, e no contexto da
república, com a expansão das ferrovias que ligavam os centros de produção
agrícola aos portos, e o impulso da economia cafeeira, o trabalho
assalariado em ascensão, abria novos rumos com uma economia fortemente
dependente da agricultura de exportação, especialmente do café.
Os colonizadores ao
chegar nas terras das palmeiras, a Pindorama nativa, Brasil, pareciam
aventureiros às margens do litoral. Pedro Alvares Cabras, navegador e
explorador português, atendendo
ao chamado do rei de Portugal, Dom Manuel I, para comandar a expedição,
seguiu a missão pela rota de Vasco da Gama que já mantinha relações comerciais
com as Índias. Nesse percurso, navegou no Atlântico com intenção para a América.
A transição do Brasil
colonial até chegar no período republicano foi um processo complexo, gradual e
sem a participação popular, passando pela Independência (1822), Primeiro e Segundo
Reinado (1822-1889) e a Proclamação da República (1889).
É claro que houve muita
resistência nessa travessia histórica do Brasil. Os desafios no tempo da
Proclamação da República passaram por crises e insatisfações, desde a queda do
Império, por causa de questões militares, como o sentimento de desvalorização, a
pouca participação na política, a influência positivista sobre as escolas
militares, culminando no golpe liderado por Marechal Deodoro da Fonseca.
Outra questão bem
agravante foi a crise abolicionista que rompeu com a monarquia, a elite agrária
descontente e sem indenização pela perda de seus escravos, passou a apoiar a
causa republicana.
Uma outra questão, foi
a crise religiosa, quando o Papa Pio IX, opondo-se às ordens de Dom Pedro II, proibiu
a participação de maçons na Igreja, pois, ocupavam cargos importantes na
monarquia. Por conta disso, muitos bispos que cumpriram as ordens do papa foram
presos.
Essas crises causaram o
enfraquecimento da monarquia, e terminou num golpe de Estado militar de 15 de
novembro de 1889, no Campo de Santana, no Rio de Janeiro, capital do Império do
Brasil da época, quando um grupo de militares,
liderados por Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, destituiu o imperador e
passou a assumir o poder no país, instaurando a República no Brasil.
Depois disso, foi
promulgada a segunda Constituição do Brasil (1891); Floriano Peixoto assumiu a
presidência (1891-1894); o paulista e advogado Prudente de Morais foi eleito
primeiro presidente civil (1894); 1º de maio: o Dia
Internacional dos Trabalhadores foi comemorado pela primeira vez no país, em
Santos, São Paulo; aconteceu a Guerra de Canudos (1896-1897), um conflito
armado que envolveu o Exército Brasileiro e membros da comunidade sociorreligiosa
liderada por Antônio Conselheiro, em Canudos, no interior da Bahia. Os confrontos causaram a destruição da comunidade e a
morte da maior parte dos 25.000 habitantes de Canudos.
55 – A
REVOLTA DA VACINA (1904)
“ ” (Lc ...).
“Governo anuncia hoje plano nacional de
vacinação contra covid-19. Grupo prioritário é formado por 50 milhões
de pessoas (Agência Brasil 16/12/2020)”. O dia amanheceu com esta notícia.
− Olha o que enviaram no grupo de WhatsApp da
família Sousa! Uma notícia sobre a vacina contra a covid.
Naquela casa, as noites de jantar já não eram
as mesmas desde que a pandemia começou. A televisão ligada falava de vacinas,
números e novas variantes, e, antes que o arroz esfriasse, a discussão
começava. Tio João era professor aposentado e acreditava na ciência; sua irmã,
tia Nelsa, dizia que não confiava “nessas injeções apressadas”. Cada notícia
nova era uma faísca, e o que antes era conversa em família virou campo de
batalha. O que deveria ser apenas uma decisão sobre saúde pública acabou levantando
muros entre eles — muros feitos de medo, opiniões e muita desinformação. E,
enquanto o mundo buscava cura, aquela família lutava para não adoecer por
dentro.
− Tia, a senhora sabia que no ano
era 1904, o Rio de Janeiro fervia não só pelo calor, mas pela revolta que
crescia nas ruas estreitas e nos cortiços apertados. Vovó dizia que observava
pela janela o vai e vem de gente, todos falando da tal vacina obrigatória
contra a varíola. Diziam que o governo queria entrar nas casas, arregaçar as
mangas do povo e enfiar agulhas sem pedir licença. Por outro lado, Oswaldo
Cruz, o médico das reformas, era visto por uns como herói e por outros como
ameaça. Enquanto isso, os agentes sanitaristas batiam às portas, muitas vezes
com mais força do que o necessário, para cuidar da saúde do povo.
De fato, o povo reclamava, indignado. As obras da
cidade já tinham derrubado os barracos de muitos, e agora queriam mexer também
em seus corpos. Foi assim, entre a poeira das demolições e o som dos gritos,
que a revolta da vacina ganhou forma. A cidade virou um campo de luta — não
apenas contra a varíola, mas contra o sentimento de que ninguém ouvia o povo.
As mães observavam os seus filhos tossirem,
rezando para não ser varíola. Nos cortiços, o medo morava ao lado da miséria.
Falava-se também de peste bubônica e febre amarela, como se o ar inteiro da
cidade estivesse contaminado.
Os cortiços, onde vivia o povo pobre — herdeiro
da miséria deixada pela escravidão —, foram derrubados sem piedade. Expulsas do
centro, as famílias subiram os morros, improvisando barracos entre as pedras e
o mato. Assim começaram as primeiras favelas, nascidas do que sobrou da cidade
dos ricos.
Em novembro de 1904, o jornal A Notícia chegou às bancas trazendo mais
do que palavra. Na primeira página, o povo lia, espantado, o novo projeto do
governo: ninguém poderia estudar, casar, trabalhar, viajar ou se hospedar sem
provar que tinha tomado a tal vacina contra a varíola. E quem se negasse ainda
pagaria multa.
O povo tomou as ruas, quebrando lampiões,
virando bondes, enfrentando soldados. Era uma revolta feita de raiva, medo e
orgulho. Durante quase uma semana, o Rio virou um campo de guerra. A vacina foi
o motivo, mas a raiva vinha de longe — das casas derrubadas, da fome, da
arrogância dos poderosos.
Em meio à confusão, um grupo de militares e
políticos, cheios de ambição, viu na revolta uma oportunidade. Planejaram um
golpe para a madrugada do dia 14 para o dia 15 de novembro, achando que o caos
lhes abriria o caminho ao poder. Mas o plano fracassou, esmagado antes de
nascer.
Quando o silêncio voltou às ruas, restavam
vidraças quebradas, corpos feridos e uma cidade dividida. O povo não venceu —
mas também não se calou. E, entre as cinzas da revolta, o Rio aprendeu que o
medo pode adormecer, mas a indignação, essa, nunca desaparece por completo.
56 – A
REVOLTA DA CHIBATA (1910)
“ ” (Lc ...).
Meu primo Jerônimo tinha servido na marinha, mas não seguiu a carreira
militar. Perguntei a ele sobre a experiência de marujo e percebi pela conversa
que tinha sido muito boa, porém, havia algum contratempo. Disse que as
condições de trabalho eram adversas, havia isolamento social, riscos à saúde
mental e física, e ainda tinha a natureza exigente da vida no mar.
− Primo, será que ainda existe um tratamento
similar aos da Revolta da Chibata de 1910?
− Claro que não! Seria um absurdo, baseado no que
aconteceu à época da rebelião. Se assim fosse, haveria outra grande manifestação
dos marinheiros, dos familiares, sindicatos, associações de classe e dos direitos
humanos.
− É verdade, primo. Sei que nessa revolta os marinheiros se
rebelaram porque queriam o fim dos castigos físicos que eram praticados na
Marinha. E tinham toda razão, pois, o mais temido castigo físico era pratica do
na Marinha do Brasil, a chibatada ou chicotada, e tal punição era considerada
um resquício da escravidão, o que causou a Revolta da Chibata. Milhares de
marinheiros se rebelaram e assumiram o comando de embarcações brasileiras na
Baía de Guanabara.
De fato, marinheiros de baixa patente, muitos deles negros e
ex-escravizados ou filhos e netos de escravizados, eram açoitados nas costas
como forma de punição disciplinar. O estopim da revolta foi a punição de 250
chibatadas aplicada a um marinheiro por uma briga com um colega. As costas
ficaram em carne viva. Além das chibatadas, os marinheiros eram submetidos a
longas jornadas de trabalho, baixos salários e, em alguns casos, trabalhos forçados
ou encarceramento em masmorras como punições adicionais ou alternativas.
Jerônimo arrematou:
− É meu caro, a Revolta da Chibata resultou na
anistia dos revoltosos e na proibição oficial dos castigos físicos na Marinha
brasileira, embora muitos dos envolvidos tenham sofrido repressão severa
posteriormente.
A conversa entre primos rendeu um bom tempo. Uma
das falas do diálogo que diz respeito ao protesto contra o governo republicano
no Brasil, foi bem extensa. Anotei mais sobre as consequências da Revolta da Chibata que
fomentou a repressão contra os marinheiros, que foram presos, torturados e
fuzilados, apesar da promessa inicial de anistia. No decorrer da história,
o movimento se tornou um símbolo da luta contra o racismo e a opressão social
no Brasil. O movimento aumentou a
consciência de classe e o empoderamento das populações marginalizadas,
levantando debates sobre as condições de trabalho e a brutalidade do Estado
contra os mais pobres.
− É primo, atualmente a marinha tem buscado aprimorar
as condições humanas e o bem-estar de seus militares e respectivas famílias por
meio de programas e iniciativas específicas, além dos benefícios já existentes
como assistência médico-hospitalar e alimentar.
Os
dois seguiram em caminhos diferentes e pensativos na história que traz tanta
crueldade humana.
57 – GUERRA DO CONTESTADO
(1912-1914)
“ ” (Lc ...).
Em novembro de 2025 estive vendo umas
notícias pelo Instagram e notei uma curiosidade que chamou muito a minha
atenção. Ouvi e li sobre o problema da mata no entrono do aeroporto de
Fortaleza, pois, estava acontecendo um desmatamento ilegal para a construção de
um condomínio logístico. Tal notícia gerou denúncias pelas irregularidades
ambientais, por conta disso, foi feito uma investigação pelo Ministério Público
Federal (MPF). A área é considerada uma floresta
de Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração, protegida por lei, e o
desmatamento trouxe preocupações com o aumento da temperatura local e maior
risco de inundações para bairros próximos.
Pensei
cá com meus botões e constatei que o problema com a terra vem desde a Criação,
do começo ao fim. Veja. “No princípio, Deus criou o céu e a terra.” (Gn 1,1); “A
Javé pertence a terra e tudo o que ela contém, o mundo e os que nele habitam”
(Sl 24,1); “Vi, então, um novo céu e uma nova terra.” (Ap 21,1).
No
caso da Guerra do Contestado (1912-1914), por exemplo, houve por causa de uma
disputa pelas terras próximas à fronteira de Santa
Catarina e Paraná, ricas em erva-mate e madeira. E também, pela construção da
estrada de ferro que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul.
Essa situação provocou a expulsão dos
posseiros da região e a falência de vários pequenos fazendeiros que viviam da
extração da madeira. Depois desse feito realizado por uma empresa norte-americana,
de propriedade de uma madeireira, formou-se um contingente de trabalhadores
desempregados.
Por conta disso, os problemas sociais
decorrentes principalmente da falta de regularização da posse de terras e da
insatisfação da população pobre, numa região em que a presença do poder público
era insignificante, favoreceram o início do conflito. Entre os camponeses
revoltados, o messianismo e o fanatismo religioso favoreceram a
crença de que se tratava de uma guerra santa, o que exacerbou os ânimos para a
luta, na qual cerca de oito mil deles pereceram.
Mas, antes de tudo isso, para entender bem
a guerra sertaneja que envolve a questão da terra, é preciso resgatar o valor
sagrado da região, por suas
características de uma vida humilde e uma ética religiosa reforçada pelo
messianismo coletivo.
Paralelo a esse contexto catequético,
segue a estratégia política entre os sertanejos que formavam comunidades autônomas
com princípios da partilha e com resistência à ordem republicana, ao
coronelismo e aos fazendeiros latifundiários, opondo-se à lógica capitalista
que se instalava na região.
Os camponeses que viram o direito às
terras que ocupavam ser usurpado, e os trabalhadores que foram demitidos,
decidiram por um comando organizado por suas comunidades.
Nessa guerra sertaneja, nascida da dor, alimentada pela fé e sustentada pela injustiça, existe um sonho da terra livre pulsando no coração de cada sobrevivente. E por isso, a luta não foi e
não é em vão. Como disse no começo, o problema da terra está ligado intimamente
ao desmatamento
ilegal que consequentemente provoca o aumento da
temperatura.
Até hoje, quem caminha por aquelas veredas sente o
peso da história. O vento que sopra entre as árvores parece sussurrar: “Eles
lutaram por nós.”. A luta continua...
58 – SEMANA DE ARTE MODERNA (1922)
“ ” (Lc ...).
Depois da longa travessia que foi a pandemia de
2020, o silêncio das ruas e o eco das notícias me fizeram buscar refúgio nas
palavras. Foi ali, entre o som dos teclados e o cheiro do café que acompanhava
minhas madrugadas, comecei a digitar as primeiras linhas do que viria a ser meu
primeiro livro. Sem perceber, eu abria não apenas um arquivo em branco, mas uma
porta — uma passagem para outro mundo.
Assim nasceu Endyra: uma aventura na Amazônia,
uma história onde o real se entrelaça com o fantástico, e onde a floresta
respira mistérios tão antigos quanto o próprio tempo. Dois anos depois, vi
aquela semente germinar diante de centenas de olhares curiosos, sob as luzes da
14ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, em Fortaleza.
Era novembro de 2022. No Centro de Eventos do
Ceará, o tema “De toda gente para todo o mundo” parecia ecoar o próprio
espírito da minha jornada. Entre livros, vozes e sonhos, percebi que não era
apenas um lançamento — era o começo de uma nova vida, escrita linha por linha,
entre a realidade e a imaginação.
Num instante, vi em um stand de livros, uma
pintura bem destacada da Arte Moderna. Era o Abaporu. Parecia que estava olhando para mim. Abaporu é uma pintura da artista
brasileira Tarsila do Amaral. Uma das principais obras do período antropofágico
do movimento modernista no Brasil.
É a tela brasileira mais valorizada no mercado mundial das artes.
Foi pintada como presente de aniversário ao escritor Osvaldo de
Andrade, marido de Tarsila na época. Abaporu significa em tupi-guarani, "homem que come" ou "homem
que come gente". A tela convida a pensar sobre a influência europeia na
arte moderna, a falta de criticidade, a identidade nacional, o trabalho braçal,
a resistência...
Naquela noite abafada, as luzes do Centro
de Eventos do Ceará, brilhavam como jamais haviam brilhado. Pessoas de todos os
lugares e de todas as idades transitavam entre os livros. Comecei a imaginar um
filme pelo portal do tempo. De repente, pensei que estava entre bastidores e risos
nervosos, com autores da Semana de Arte Moderna de 1922. Pensei em Mário de
Andrade ajeitando os papéis de sua conferência, Anita Malfatti e Oswald de
Andrade, trocando comentários ansiosos, observando a plateia aristocrática que
preenchia o salão — a mesma elite que financiara o evento, movida pela
curiosidade e pelo desejo de parecer moderna.
Quando os primeiros acordes ecoaram, rompendo o
silêncio solene do teatro, o espanto tomou conta da plateia. As pinturas
exibidas nas paredes — cheias de cores vibrantes, formas quebradas e rostos
distorcidos — pareciam zombar das regras clássicas. As palavras ditas no palco,
livres das amarras da métrica e da rima perfeita, soavam como heresia para
muitos. Alguns vaiavam, outros riam; poucos compreendiam. Enquanto isso, ouvia um
Sarau com as declamações do “Ode ao Burguês” de Mário de Andrade; “Os
Sapos” e a “Poética” de Manuel Bandeira.
Os artistas queriam romper com tudo o que parecia
velho, engessado, estrangeiro demais para caber na alma do Brasil. Queriam
criar algo novo — um país traduzido em arte, sem moldes importados, sem
correntes. “Liberdade!”, diziam, como quem invoca um feitiço.
Durante a Semana de Arte Moderna, o teatro virou
campo de batalha entre tradição e ousadia. A elite, ainda que desconfortável,
presenciava o nascimento de algo que mudaria para sempre a cultura nacional.
Naquele instante, ninguém imaginava que aquelas vaias se transformariam, décadas
depois, em aplausos eternos. Entre vaias e aplausos, entre o velho e o novo,
ali, em 1922, o país começou a sonhar uma nova forma de dizer o que é ser
brasileiro.
59 – COLUNA PRESTES (1924-1927)
“ ” (Lc ...).
O sol nascia sobre o sertão, tingindo de
vermelho o horizonte que parecia arder junto com os corações daqueles que
marchavam. Eram homens simples, muitos vindos da lavoura, de mãos calejadas e
sonhos empoeirados, mas que carregavam no peito a esperança de um Brasil mais
justo. Chamavam-se “a Coluna Prestes”, ou “Coluna Miguel Costa-Prestes” — um
exército de ideais que se punha em movimento entre 1924 e 1927, cruzando
sertões, rios e cidades sob o peso das injustiças da República Velha.
Liderados por jovens oficiais
inconformados com o governo de Artur Bernardes e com a política do café com
leite, esses revoltosos não buscavam apenas vencer batalhas, mas transformar o
destino de uma nação. Queriam o voto secreto, o ensino público para todos e o
fim da miséria que corroía o povo. Ao longo de dois anos e meio, cerca de mil e
quinhentos homens e mulheres — sim, mulheres que também empunharam armas e
coragem — caminharam mais de vinte e cinco mil quilômetros, atravessando treze
estados, deixando atrás de si não apenas rastros de luta, mas sementes de
mudança. Era o início de uma longa jornada, onde o som dos passos ecoava como
um grito de liberdade pelos caminhos do Brasil profundo.
Naquela tarde abafada, o som dos passos
ecoava no quartel como um tambor distante anunciando mudança. Os jovens
oficiais, de farda gasta e olhar firme, trocavam palavras rápidas, quase
sussurradas, como quem compartilha um segredo perigoso. Entre eles, havia mais
do que disciplina militar — havia inquietação. Eram tenentes, homens de baixa
patente, mas de grandes ideias. E o que os movia não era a ânsia pelo poder das
armas, e sim a revolta silenciosa contra a injustiça que dominava o país.
As notícias corriam pelas ruas e pelas
mesas dos cafés: o Brasil estava cansado. A política do café com leite,
sustentada pelas oligarquias de sempre, fazia o povo esquecer o gosto da
esperança. Foi então que, de dentro dos quartéis, surgiu um grito de mudança.
Os tenentes queriam um novo Brasil, onde o voto fosse secreto e o governo,
verdadeiramente do povo.
E não marcharam sozinhos. Ao lado dos
uniformes, vinham os rostos comuns: professores, comerciantes, trabalhadores,
estudantes. Homens e mulheres que, mesmo sem farda, sentiam o peso da mesma
revolta. Era um movimento de alma civil, vestido em verde-oliva. Naquela noite,
sob o luar que banhava o pátio do quartel, um dos tenentes ergueu a voz:
− Não queremos um governo de militares.
Queremos um governo de homens livres.
O silêncio que se seguiu foi mais
eloquente que qualquer discurso. E ali, entre a poeira e o ideal, nascia um
movimento que mudaria o rumo do Brasil.
O tempo passou, e a poeira dos caminhos percorridos
pela Coluna Prestes foi se assentando sobre a memória do Brasil. As oligarquias
tremiam não de medo, mas de raiva, ao ver o povo acreditando que podia mudar o
destino com as próprias mãos.
Mesmo entre os que diziam lutar pelo mesmo ideal,
surgiam dúvidas e críticas. Alguns reclamavam da ausência de um plano concreto,
outros diziam que o povo, cansado e faminto, não compreendia a grandiosidade
daquele gesto. E talvez fosse verdade — a Coluna não trouxe uma revolução
imediata, nem um novo governo, nem vitórias nos campos de batalha. Trouxe algo
mais sutil e duradouro: uma ideia que não morre com o fim da marcha, a
lembrança viva de que todo grito por liberdade, um dia, ecoa de volta.
.
60 – A ERA VARGAS (1930-1945)
“ ” (Lc ...).
O relógio do Palácio do Catete marcava
três horas da tarde de 3 de novembro de 1930. O céu do Rio de Janeiro,
encoberto de nuvens pesadas, parecia saber que o Brasil jamais voltaria a ser o
mesmo. Diante das portas imponentes, um homem de olhar firme subia os degraus, vestindo
a farda militar pela última vez. Seu nome: Getúlio Dorneles Vargas.
Aquela caminhada silenciosa era o passo
inaugural de uma nova era. Atrás dele, o som dos cascos ecoava nas ruas do
centro: os gaúchos, vindos de longe, amarravam seus cavalos no obelisco da
Avenida Central. Era o símbolo da vitória. O povo, curioso e desconfiado,
olhava. Uns viam um herói; outros, um ditador. Mas todos sabiam: algo havia
mudado.
A história começara antes, lá em 1929,
quando o mundo estremeceu com a queda da Bolsa de Nova Iorque. O café, orgulho
do Brasil, apodrecia nos armazéns. A política do “café com leite”, que
alternava o poder entre São Paulo e Minas Gerais, ruía como uma velha cerca de
fazenda. Os mineiros romperam o pacto, e o governador Antônio Carlos de Andrada
lançou seu olhar para o sul, onde um gaúcho de fala pausada e olhar calculado
preparava-se para mudar o destino da nação.
− É preciso um novo Brasil, dizia Antônio
Carlos.
E assim, nascia o movimento que tomaria o
nome de Revolução de 1930.
Quando as armas falaram, o presidente
Washington Luís foi deposto. Júlio Prestes, o eleito, nem chegou a esquentar a
cadeira. Uma junta militar assumiu, mas apenas por dias − o suficiente para
entregar o poder a Getúlio Vargas, o líder dos revoltosos. Nascia ali o Governo
Provisório, e morria, de vez, a República Velha.
E o Brasil começava a ser redesenhado:
criou-se o Ministério do Trabalho. As portas do país se fecharam à imigração
descontrolada. Os sindicatos, agora, tinham voz − mas uma voz vigiada, moldada
pela caneta do governo.
Enquanto isso, as chamas subiam nos portos
de Santos e do Rio: cerca de cinquenta milhões de sacas de café foram queimadas
para sustentar o preço do produto que antes sustentara o país. O cheiro do grão
queimado misturava-se ao da esperança e da dúvida.
Em 1934, uma nova Constituição foi
escrita. Getúlio foi eleito presidente pela Assembleia Constituinte. Parecia
que, enfim, o Brasil voltava a respirar ares de democracia. Mas o homem do
Catete tinha outros planos.
Em 1937, sob o pretexto de proteger o país
do comunismo, Vargas fechou o Congresso, rasgou a Constituição e impôs outra,
moldada a seu gosto. Nascia o Estado Novo. O poder, agora, estava concentrado
em suas mãos.
O rádio, a indústria, as leis trabalhistas,
o culto ao líder, tudo levava o seu nome. Para muitos, Vargas era o “pai dos
pobres”. Para outros, um ditador vestido de pai.
Mas todo império termina, e o dele começou
a ruir em 1945. Cercado pela pressão popular e militar, Getúlio renunciou. O
Brasil redemocratizou-se, e uma nova Constituição surgiu no ano seguinte.
O homem que moldara a nação retirou-se,
mas não por muito tempo. Em 1951, voltou, agora eleito pelo voto direto − um
velho herói retornando ao palco que nunca abandonara por completo.
Na madrugada de 24 de agosto de 1954, o
som de um tiro ecoou pelos corredores do Palácio do Catete. Getúlio Vargas, o
homem que amarrara o cavalo da revolução no obelisco do Rio, punha fim à
própria vida.
Deixou uma carta ao povo, dizendo que saía
da vida para entrar na história.
61 – INTENTONA COMUNISTA (1935)
“ ” (Lc ...).
Diziam que novembro de 1935 nasceu com um
vento estranho. Em Natal, o pescador Zé Maria jurava que o mar, naquela semana,
parecia respirar mais fundo, como se pressentisse algo vindo da terra, e não
das ondas. E realmente vinha.
Era madrugada de 23 de novembro quando o
silêncio da cidade se partiu em dois. Soldados correndo, civis armados, portas
batendo, gritos ecoando como trovões secos. No quartel, o jovem cabo Severino
ajeitou o fuzil com mãos trêmulas; não sabia se tremia pelo frio ou pela
história que estava prestes a entrar nele sem pedir licença.
− Hoje começa tudo, murmurou-lhe um
companheiro rebelde.
− Ou termina, respondeu Severino, olhando
o céu escuro.
A bandeira revolucionária subiu,
hesitante, como se a própria duvidasse do que deveria anunciar. Em poucas
horas, um comitê popular assumia o governo do estado. Pela primeira vez em solo
brasileiro, um governo comunista se instalava. Três dias durou o sonho.
Enquanto Natal ardia em esperança e medo,
Recife espumava de violência. Em Olinda, Dona Cecília, rezadeira, ouviu
metralhadoras cuspirem fogo do alto da torre de uma igreja. As balas riscavam o
ar num tiroteio por horas. Foi um caos. Quando o fogo cessou, centenas caíram.
Recife amanheceu cinza, tingida de fumaça e luto.
No Rio de Janeiro, o levante chegaria por último,
tarde demais para mudar o destino, cedo demais para evitar o sangue. Na Praia
Vermelha, um sargento acordou com um estrondo que fez tremer as janelas. Era o
início da revolta. Desceram pela escadaria do quartel como se caminhassem rumo
ao próprio passado − ou ao fim dele.
No centro da cidade do Rio de Janeiro, os rebeldes
tentaram conquistar aeronaves para bombardear a capital. As forças legalistas,
rápidas como serpentes, instalaram artilharia e fecharam o céu. O confronto
iluminou o campo como relâmpagos artificiais. Quando o último disparo ecoou, o
levante já estava vencido, não só pela força das armas, mas pela ausência das
massas que Carlos Prestes, o líder da Intentona Comunistas, acreditara que
viriam.
Prestes, escondido em algum recanto do
país, acompanhava a queda como quem observa um castelo de cartas desabar sob
sua própria respiração. Ao seu lado, Olga Benário mantinha o olhar firme, ainda
que o chão deslizasse sob os pés dos dois.
Os jornais chamariam o movimento de
“Intentona”, ririam dele, cuspiriam nele. Mas para alguns, aquelas noites
sangrentas não foram loucura — foram desespero, ousadia, a última lâmina de um
sonho que nunca encontrou lugar para pousar.
Quando tudo terminou, o Brasil acordou
diferente. As botas legalistas marcharam pesadas, impondo silêncio onde antes
houve gritos. Prisões se lotaram. Discursos foram sufocados. O Estado de Guerra
se instalou, preparando os alicerces sombrios do Estado Novo.
A história,
porém, não esqueceu.
Porque algumas revoltas fracassam no campo de
batalha, mas continuam vivas no eco dos passos daqueles que, um dia,
acreditaram que poderiam reinventar o mundo. Mesmo que, no fim, tenham apenas
feito o Brasil tremer por quatro noites de novembro de 1935.
E assim, quando a poeira finalmente
baixou, restou apenas o silêncio áspero de uma tentativa que não encontrou chão
para florescer. O golpe fracassado contra o governo de Getúlio Vargas deixou para
trás um país mergulhado em repressão.
62 – CHIQUINHA GONZAGA (1847-1935)
“...............................................................................................................................................................”
(Lc ...).
Na passagem entre os séculos XIX e
XX, o Rio de Janeiro, quando as ruas ainda misturavam o brilho dos salões da
elite com o batuque que ecoava dos quintais, nasceu uma menina pequena e
frágil, batizada às pressas como Francisca
Edviges Neves Gonzaga. A conhecida Chiquinha Gonzaga. Mal sabiam sua mãe
Rosa e sua avó Tomásia que aquela menina − que quase não respirou ao nascer −
um dia faria o Brasil inteiro cantar.
Cresceu entre partituras
escondidas, conversas sussurradas e sonhos grandes demais para o tecido
apertado das convenções da época. Filha de um oficial do Exército e neta de uma
mulher escravizada, Chiquinha aprendeu cedo que o mundo a olharia com
desconfiança. Mas foi também cedo que ela descobriu o piano — aquele gigante de
madeira que parecia conversar só com ela. Bastava tocar a primeira nota para
que tudo ao redor silenciasse.
Quando completou doze anos, já
costurava melodias como quem costura histórias. Tocava valsas para agradar a
família, mas seu coração pulsava no ritmo do povo: lundu, choro, maxixe,
batuque. Ela escutava o Brasil e respondia em música.
O destino, porém, nem sempre
marcava em compasso leve. Chiquinha casou-se jovem e logo percebeu que seu
marido não suportava dividir com a música o amor da esposa. Então, diante do
ultimato — “ou eu, ou o piano” — ela respondeu com a firmeza de quem já
conhecia sua própria verdade: “Eu não
entendo a vida sem harmonia”.
E partiu. De portas fechadas pela
família e de filhos arrancados de seus braços, Chiquinha recomeçou sozinha,
levando apenas o piano, a coragem e o coração cheio de melodias.
Na boemia carioca, tornou-se a primeira mulher a tocar choro, pianista
entre homens, maestrina de orquestras que jamais tinham sido regidas por mãos
femininas. Suas composições corriam as ruas como vento: Atraente, Sultana,
tangos atrevidos, polcas que faziam as janelas se abrirem. As más línguas a
condenavam, mas os aplausos a seguravam em pé.
Quando o Brasil fervilhava
pedindo liberdade, Chiquinha marchava junto. Vendia partituras para comprar
alforrias, varria teatros para ajudar eventos abolicionistas, levantava a voz e
o piano contra a escravidão. Usou seu talento para libertar outros, e assim
libertava a si mesma. E então veio a música que entraria para sempre no coração
do país: “Ó abre alas, que eu quero
passar!”. Era o Brasil que falava por ela; era ela que falava pelo
Brasil.
Chiquinha viveu até os 87 anos,
compondo, ensinando, lutando — abrindo alas para cada mulher que desejasse
ocupar o palco, a rua ou o próprio destino. Deixou ao país não apenas canções,
mas uma herança de coragem.
E dizem que, quando o vento sopra
no Passeio Público, onde sua estátua repousa, ainda se escuta um eco de choro,
maxixe e liberdade, como se a própria Chiquinha lembrasse ao mundo: A
vida sem música não tem compasso. E sem coragem, não tem futuro.
63 – O BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1942-1945)
“.....................................................................................................................................”
(Lc ...).
Quando o sol se punha sobre a
costa do Nordeste, tingindo o Atlântico de laranja e ferrugem, poucos
imaginavam que aquelas águas tranquilas esconderiam, em pouco tempo, o rugido
sombrio da guerra. Era 1942, e o Brasil − ainda enredado pelo Estado Novo, movido por um regime autoritário e ditatorial,
com muitas características inspiradas no fascismo europeu − tentava fingir neutralidade
num mundo que ardia em fogo.
Mas o mar não aceita fingimentos.
E foi ele o primeiro a falar. Numa tarde abafada de fevereiro, chegaram as
notícias: navios brasileiros, antes acostumados a transportar café, cacau e
esperanças, estavam sendo engolidos por torpedos alemães e italianos. Os
sobreviventes, queimados pelo óleo e pelo sol, contavam histórias de clarões
repentinos, explosões e o silêncio cruel que vinha logo depois. A neutralidade
do Brasil, perceberam todos, tinha virado apenas uma lembrança teórica.
A cada naufrágio, o povo se
aglomerava nas praças, de rádio colado à orelha, esperando o próximo nome, o
próximo navio, o próximo luto. E, como se o destino quisesse riscar o mapa com
novas rotas, os norte-americanos chegaram. Instalaram bases gigantescas na
costa Norte-Nordeste, e Natal, antes pequena e pacata, viu-se transformada por
aviões estrondosos e soldados que traziam outro ritmo, músicas e costumes
diferentes.
Entre os moradores, corria a
história de um menino chamado Francisco, que trabalhava ajudando o pai no porto
de Natal. Ele adorava observar as sombras enormes dos aviões estadunidenses que
pousavam em Parnamirim Field − o “Trampolim da Vitória”. Era como assistir a
gigantes pousando sobre o chão quente. Francisco imaginava o mundo além do mar,
mas também tinha medo: sabia que os submarinos rondavam como tubarões de aço,
invisíveis e ferozes.
Uma noite, enquanto o vento
soprava inquieto, Francisco ouviu o rádio anunciar o pior: seis navios
brasileiros haviam sido afundados em apenas dois dias. Mulheres, crianças,
soldados, centenas mortos. Seu pai, antes calado e endurecido pela vida,
apertou os punhos.
− Agora a guerra chegou até nós,
meu filho.
E chegou mesmo. O povo foi às
ruas, inflamado pela dor e pela indignação. Em agosto de 1942, o Brasil finalmente
declarou guerra em Monte Castelo ao Eixo − uma aliança militar liderada por três
potências principais: a Alemanha Nazista, a Itália
Fascista e o Império do Japão. Monte Castelo era um ponto estratégico
na Itália, ocupado pelas forças alemãs na Segunda Guerra Mundial e conquistado
pela Força Expedicionária Brasileira (FEB) em 21 de fevereiro de 1945. Muitos homens foram convocados,
incluindo Heleno, o irmão mais velho de Francisco, que embarcou para a Itália
com a Força Expedicionária Brasileira. A mãe, com o olhar marejado, rezava
baixinho.
A tomada do Monte Castelo foi um dos feitos mais
significativos da Força Expedicionária Brasileira e ocorreu em 21 de fevereiro
de 1945, após meses de combates árduos contra as forças nazistas.
Francisco nunca esqueceu o dia em
que o navio do irmão desapareceu no horizonte, deixando apenas espuma e
saudade.
O tempo passou, e as bases americanas
se tornaram parte da paisagem de Natal. Muitos diziam que a cidade nunca mais
seria a mesma − e não foi. Novas gírias, novas músicas, novas maneiras de viver
surgiram entre suas ruas. A guerra trouxe morte, mas também trouxe mudanças
profundas que ecoariam por gerações.
Quando Heleno finalmente voltou,
magro e com os olhos marcados pelo que tinha visto na Itália, Francisco correu
para abraçá-lo. O irmão sorria com dificuldade, mas sorria. Trazia consigo
histórias de montanhas geladas, de batalhas duras, de companheiros que ficaram
para trás...
Sentados juntos, olhando o mar ao
entardecer, Heleno disse:
− Sabe, Francisco… o mundo
inteiro coube dentro daqueles dias de guerra. E, mesmo assim, foi aqui, neste
pedaço de costa, nesta cidade que virou trampolim, que tudo começou a mudar.
Francisco olhou o horizonte. E
entendeu. O mar, que tantas vidas engolira, agora brilhava calmo outra vez. Mas
nunca mais seria só mar. Era memória. Era história.
A prova de que, mesmo longe dos grandes centros da guerra, o Brasil tinha
vivido profundamente o peso daquele conflito. E que Natal, silenciosa
testemunha dos céus e dos homens que por ela passaram, carregaria para sempre o
eco da Segunda Guerra Mundial.
Em 1989, Renato Russo, da banda Legião Urbana, compôs a música “Monte
Castelo”, fez uma alusão à guerra contrastando com a mensagem central da canção
que fala do amor como uma força transformadora
e essencial na vida.
64 – PERÍODO DEMOCRÁTICO (1945-1985)
NEUZA
E ZÉ E O GENERAL EURICO GASPAR DUTRA
“.....................................................................................................................................”
(Lc ...).
O ar de 31 de janeiro de 1946 estava carregado de
esperança e incerteza no Rio de Janeiro. A ditadura do Estado Novo havia caído com a renúncia forçada de Vargas meses antes, e um novo sol
democrático, ainda tímido, tentava romper as nuvens da história brasileira.
Na calçada da casa, Dona Neuza, minha mãe,
trabalhadora do lar e alfabetizada, conversava com o marido, José Santos, ou simplesmente
Zé, um operário com ensino fundamental. Ambos olhavam para a rua cheia, onde
carreatas celebravam a posse do novo presidente.
− Veja, Zé! Finalmente um civil tomando posse...
Bem, um general, mas eleito! E com essa nova Constituição de 1946 que será promulgada, meus votos contarão de
novo. Não sou mais uma sombra política.
− Contarão, Neuza. Mas a Constituição de 46 não me
engana. Muitos continuarão sem poder votar porque não sabem ler. E aqueles
direitos para nós, operários? Concederam o direito de greve, mas com tantas
restrições que parece piada. E a reforma agrária... nem mencionada!
− Você tem razão, Zé. A promessa de democracia é maior que a realidade.
Mas veja o lado bom: o pluripartidarismo
está de volta. A UDN (União Democrática Nacional) de oposição, o PSD (Partido Social Democrático) de Dutra, e até o seu PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que é o
braço de Vargas no meio do povo. É uma efervescência!
No palanque, em meio aos discursos, o general Eurico Gaspar Dutra assumia o poder. Dutra (em pensamento): A tarefa é
imensa. A Guerra Fria já bate à nossa porta. O Brasil deve se alinhar aos
Estados Unidos, custe o que custar. A ordem é reprimir o comunismo e o PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Quatro anos se passaram. O governo Dutra (1946-1951), com seu Plano SALTE (Saúde,
Alimentação, Transporte e Energia), tentava impulsionar a economia,
mas o alinhamento total aos EUA e a repressão política criavam tensões. Um
cartaz de campanha de 1950, recém-colado em um poste, exibia a imagem de um
velho conhecido: Getúlio Vargas.
Zé, que tinha um rádio no chão de fábrica, ouvia o
discurso de Vargas em um comício: Trabalhadores
do Brasil! Eu voltarei para vocês! O povo me quer, e o petróleo é nosso! Não podemos permitir que as riquezas do Brasil
sejam entregues ao capital estrangeiro!
Em casa, Dona Neuza ponderava:
− "O petróleo é nosso", Zé. Dutra dizia
isso, mas quem parece realmente lutar é o velho. Você vai votar no Getúlio?
− Vou! Ele foi quem nos deu a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O governo Dutra proibiu os
jogos de azar, alinhou-se aos americanos e fez a Via Dutra entre Rio e São
Paulo, mas, e o povo? A industrialização
acelerou, o Rio está crescendo demais, mas as desigualdades sociais só aumentaram. Precisamos de alguém que olhe
para o trabalhador.
O retorno de Vargas ao poder, eleito democraticamente em 1950, marcou uma nova
fase da polarização política. O
governo vivia sob pressão constante da UDN e da imprensa. Na noite de 24 de
agosto de 1954, a notícia se espalhou como fogo. O suicídio de Getúlio Vargas! O
presidente deixou uma carta-testamento incendiária, acusando forças ocultas de
conspiração!
65 –
“.....................................................................................................................................” (Lc ...).
X
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cronologia_da_hist%C3%B3ria_do_Brasil
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1975 - O FEIRANTE
1975
Saí de Recife tinha oitos anos e me lembro da feira e dos feirantes de Peixinhos. Passei a morar em Fortaleza, numa favela chamada Cidade Aflita, por trás do Hospital Geral, e a cena dos feirantes não saiu da minha cabeça. Meu pai trabalhava na Cervejaria Astra que passou a ser Brahma e agora é o Shopping Riomar. Minha mãe cuidava da casa e minha avó Cecília ajudava. Junto com meus irmãos fazíamos as tarefas da escola, confecção de chaveiros artesanais, aguação das plantas e ajudava nas atividades domésticas. Às seis horas da tarde rezávamos o terço à luz do lampião e passava o tempo com entretenimento na rua com os amigos até a hora de dormir. No dia seguinte, nem sempre, íamos à feira comprar verduras e tocar a vida pra frente.
- Olha a verdura! Olha a verdura! Gritava o feirante que usava uma blusa branca com a imagem estampada do futebolista rei Pelé e ouvia músicas do rei Roberto Carlos num radinho de pilha pendurado com um arame. E continuava gritando:
- Olha a verdaura! Olha a pimenra do reino! Olha o cravo da Índia!
A feira lembrava o feriado dos dias de santo e tem origem na Antiguidade. Meu tio dizia que todo dia era dia de feira e fundamentava nos dias da semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira… e até sábado e domingo tem feira.
- Olha a verdura! Olha a verdura! Insistia o feirante gritando.
Todas as vezes eu ia à feira com a minha vó, ela comentava que tinha muitas verduras pelo chão e eu via também este estrago que prossegue até os dias atuais. A partir desta observação começamos a pegar as verduras do chão e aproveitar para fazer uma sopa. Assim, também, eu pegava junto com outros meninos, os carvões que caiam do caminhão que passava vendendo pela rua, e levava pra mãe usar no ferro de engomar. Hoje com a tecnologia mudou tudo. Apesar disso, muitos ainda têm as dificuldades causada pelo capitalismo.
Um dia, o Feirante que tinha percebido nossa coleta de verduras soltas pelo chão, chegou pra gente e indagou:
- Por que vocês estão catando verduras pelo chão?
Explicamos sobre o problema do desperdício e a necessidade que passamos. O feirante entendeu e se solidarizou. Senti que chamamos atenção do feirante e com isso penso que muitos devem ter percebido.
Depois desta histórica conversa, a vida do feirante e a nossa passou a ter uma relação mais próxima. Mas descobrimos um inesperado. O feirante morava na Cidade dos Mortos. Improvisou uma casa dentro de um cemitério. Talvez os outros feirantes não soubessem. Esta foi uma revelação impactante que provocou em todos uma indiferença e causou mudança em quem descobriu. Outro aspecto intrigante foi a plantação de uma horta suspensa no muro interno do cemitério. Com o cenário do habitat do vendedor de verduras, não pude esconder minhas curiosidades. Perguntei tudo sobre a vida do feirante. Fiquei sabendo que sua família tinha sido assassinada e que todos tinham sido sepultados naquele campo-santo. Ele se tornou o coveiro daquele lugar que também era o seu dormitório. Como se não bastasse, apareceu um grupo de pessoas e começou a perguntar se a gente era os novos moradores. Assim descobrimos que o feirante vivia com mais outras pessoas no cemitério, e estes eram os marginalizados da sociedade que também conviviam com as pessoas nas ruas, nas escolas, nas igrejas, nos estádios, nas festas, nas padarias e nas feiras de cada santo dia.
## - O CONTADOR DE HISTÓRIAS
Vou contar uma história que aconteceu comigo e posso dizer que aconteceu com toda a nação brasileira. Quando eu tinha vinte anos, o país ainda estava no regime militar. No ano de 1982 eu morava no Conjunto Ceará. Deixei de viver no Seminário e voltei a conviver com a minha família. Terminei o nível médio em Contabilidade junto com meu irmão Serafim. Comecei logo a fazer amizade com os jovens da Igreja Católica do Grupo Libertação. Neste campo das amizades surgiram vários tipos como, boêmios, esportistas, artistas e políticos. Chegamos a fazer algumas manifestações artísticas como o “Feirart”, criações de espaços como Shangri-Lá, Kuarup, Makulelê Bar…
Estive muito imbuído com o movimento eclesial na Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), junto com outros jovens articulamos reuniões nas escolas do Conjunto Ceará, em nome da Campanha da Fraternidade para formações em combate a violência em favor de uma cultura de paz. Nesse período surgiram os namoros, pois, no Seminário não era propício. Enquanto tentava um namoro sério, começava a curtir as novas bandas que surgiram: Legião Urbana, Titãs, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, RPM, Barão Vermelho…
No ano de 1983 comecei o meu primeiro emprego na Livraria Paulinas, frequentei o Sesc, fui auxiliar de pedreiro, consegui um contrato na Prefeitura de Fortaleza na Secretaria de Serviços Urbanos, foi um reboliço.
O Brasil passava por um período final de uma ditadura militar no governo do General João Figueiredo. Foi neste ínterim que dois amigos secundaristas, o Fernando Santiago e o João Luiz (vulgo, “Santinho”), sequestraram um avião de Fortaleza para Cuba. Virou um documentário chamado o “Último Pau de Arara”. Escrevi muitas cartas pra eles e todas foram respondidas, vindas de Cienfuegos, local onde ficaram. Até pensei escrever um livro com as cartas com o título: "Cartas de Cuba". Mas foram descartadas.
Em 84 casei. Enquanto isso, as camadas populares e democráticas do Brasil celebravam as Diretas Já! Era um movimento político que defendia a eleição direta para presidente da República do Brasil. Foi neste processo democrático que em 85 Tancredo Neves tinha sido eleito presidente do Brasil, mas não pôde tomar posse por motivo de saúde e morreu pouco mais de um mês depois. Seu vice José Sarney ocupou o cargo.
Neste ano de 85 nasceu meu primeiro filho, o Jonas Filho. Fiz um soneto pra ele com o nome “Geração”. Neste mesmo período era o fim do regime militar e o nascimento da redemocratização. Em 87 nasceu a minha primeira filha, a Luana Lúcia, e pra ela escrevi o poema “Teu nome é Luana”.
Nesta história toda, veio à minha memória a letra de “Eduardo e Mônica" de Renato Russo da banda Legião Urbana. A letra começa e termina dizendo: “Quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração”. De fato, quando eu tinha vinte anos, enfrentei o mundo sob a ditadura militar, convivi com tantos que já se foram e outros tantos mais que investiram em algum estudo e trabalho. Nesta caminhada da vida, aprendi com minha família a ser uma pessoa de fé e trabalhar com honestidade, continuei os estudos pelo esforço de um trabalhador assalariado, resolvi constituir uma família, mesmo sem ter as condições necessárias como deveria ser. Dediquei muito tempo às pastorais sociais em detrimento de uma profissionalização para o meu futuro. Apesar de alguns percalços entre jovens de famílias carentes e resistentes no sonho de uma vida digna, onde contextualizava a realidade brasileira da década de oitenta, a história construída neste período, demonstra o fruto de uma geração que ainda luta.
– JURUNA
1983
No reino das tribos autóctones do território brasileiro, muito antes da colonização europeia, há mais de doze mil anos, havia mais de cinco milhões de nativos numa floresta de extensão imensa que atendia a todas as necessidades da vida com sua biodiversidade. O povo que vivia nestas terras sentia o sagrado presente na natureza e em tudo compartilhava com todos.
Séculos passaram e o mundo indígena ficou dominado pela urbanização. Entre tantos índios, teve um chamado Juruna que chegou a ser o primeiro deputado federal do Brasil. Juruna era um líder político que lutava pelo seu povo e sua terra. Andava sempre com um gravador para registrar o que o branco dizia e constatar as mentiras das autoridades. Chegou até a publicar um livro chamado “O Gravador do Juruna”.
Tentaram subornar o democrático, militante, corajoso e combativo Juruna, para apoiar os candidatos dos empresários e dos militares, mas recusou. De fato, entre os índios e a aliança de empresários e militares há um abismo imensurável.
Juruna confrontou com uma realidade de políticos envolvidos com roubo de terras indígenas e assassinatos. Nesta história, surgiu a presença de missionários que apoiaram os índios. Por outro lado, os missionários também causaram impactos sobre a cultura e a saúde indígena. Apesar das denúncias sobre o abuso de poder, da má gestão do governo sobre o latifúndio, e da exploração das multinacionais, a comunidade indígena teve a defesa de um líder nato por meio do movimento popular.
O tempo passou. No ano de 2020 encontramos uma realidade ainda mais complexa e com muitas dificuldades para todos. As terras indígenas sendo cada vez mais invadidas no governo de Bolsonaro; vários incêndios provocados neste território; exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio; aumento de assassinatos; aumento do desmatamento; alto consumo de bebidas alcoólicas, envolvimento com o mundo das drogas, estupros e roubos; suicídios; pandemia pelo coronavírus...
A história não retorna e o que passou serve de aprendizado. As transformações atravessaram o mundo das pessoas nas diversas culturas e crenças. Agora resta saber discernir toda a mensagem dos antepassados diante das crises que vivemos hoje e lutar para reconstruir uma nova vida em benefício da coletividade. Assim como o aguerrido Juruna alertou sobre o autoritarismo dos opressores, saibamos relutar contra os tiranos.
- MARIA
1986
Maria era uma jovem mulher militante do movimento estudantil no município de Fortaleza, atuou nas comunidades eclesiais de base e dedicou-se ao serviço social às famílias carentes. Pertencente ao partido dos trabalhadores, conseguiu vencer as eleições e se tornou a primeira mulher a governar uma capital do Brasil. Isto foi também um anúncio de uma capital nordestina que combatia o modo de produção capitalista. Neste cenário estava as intenções da jovem Maria que queria organizar frentes populares de vanguarda e combater o poder opressor. Os conflitos sociais e econômicos se misturavam às demais questões das classes trabalhadoras. Os motoristas de ônibus e os garis, entre outras classes trabalhadoras, se organizavam numa greve em oposição à elite empresarial. De fato, houve um avanço nas decisões políticas em que Maria era sujeito histórico no processo de construção de uma cidade mais humana.
O período era do ano de 1986. O governo brasileiro de José Sarney tinha lançado o Plano Cruzado que estabelecia uma economia de estabilização e de congelamento de preços. A moeda brasileira deixava de ser o cruzeiro e passava a se chamar Cruzado. Neste período, o empresário Tasso Jereissati assumiu o governo do estado do Ceará com vistas à iniciativa privada. Mas a miséria continuava e uma greve geral tomava conta do Brasil.
Diante das dificuldades de uma prefeitura endividada, com uma folha de pagamento sem condição para ser efetivada e com uma política fiscal que concentrava os recursos nas mãos da União e do Estado, Maria não podia operar milagre, mas tinha que organizar e administrar a cidade. Sem dinheiro, sem apoio do governador do estado e com muitas exigências da população que quer resolver tudo de forma imediata, Maria tentava com sua equipe, pôr em prática uma administração popular. Os desentendimentos ideológicos conduziram a história para outro rumo que configura o capitalismo.
Maria expressava a vontade socialista, mas o impulso dos citadinos seguia a correria do imediatismo dos interesses politicamente egocêntricos. A sociedade fortalezense aceitava passivamente a política empresarial de quem governava o Estado, ao mesmo tempo, este governo que dispunha das verbas, deixava de apoiar o município. Será que não existia nenhuma intenção político-ideológica por trás de um governo que não caminhava unido com a administração municipal para o bem do povo?
Depois de três anos administrando a cidade de Fortaleza, a jovem professora Maria, continuou na luta participando dos movimentos populares e ampliando sua articulação, chegando a fazer parte da Assembleia Nacional Constituinte em 1987, e deste desfecho, foi promulgado a nova Constituição Brasileira em 1988.
Maria fundou a União das Mulheres Cearenses (UMC) e o Grupo Crítica Radical, juntamente com sua amiga Rosa, Célia e Jorge. Este grupo atua contra toda forma de violência, prega o boicote às eleições e realiza estudos de formação político-filosófica, tendo em vista uma transformação do pensamento e da ação humana na construção da sociedade emancipada.
No mais, fico com o conto que conta a criticidade, que canta e encanta a realidade da vida de tantas Marias deste Brasil de meu Deus. E como a voz do poeta entoa: “Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulher que merece viver e amar como outra qualquer do planeta”.
JOÃO E MARIA
1990
João e Maria se conheceram em um grupo de jovens, no Seminário Seráfico Nossa Senhora do Breasil, em Messejana, nos anos de 1980, ainda no tempo de chumbo da ditadura militar. Ele tinha 19 anos, ela 16. Ambos ficaram fascinados um pelo outro pelas conversas e descobertas que fizeram nos encontros de domingo no Seminário. Sim, no seminário, porque João era seminarista por influência do pai e coordenava o gruop da Juventude Fransciscana. Durante alguns meses tiveram encontros escondidos do Seminário, para um namoro do primeiro amor. Quando chegou em dezembro, nas férias das aulas em pleno natal, João desistiu do Seminario por não ter vocação para ser padre e voltou a morar com a família no Conjunto Ceará, localizado na fronteira do município de Caucaia. A mãe de Maria a proibiu severamente de ver João. Maria foi obrigada a ir para o Rio de Janeiro para cuidar da tia que precisava de cuidados.
O tempo passou e dez anos depois, João estava andando próximo a igreja Coração de Jesus, quando sentiu um calafrio nas costas de cima a baixo. De repente, vira aos poucos, olha um ônibus passando e ver a bela Maria na janela do veículo. Sem pensar mais em nada, como um vulcão que explode, ele grita: Maria! Maria! O ônibus segue viagem, mas Maria pede para descer e sai do ônibus e corre em direção de João. Os dois se abraçaram longamente e com um aperto da saudade ficaram grudados por um bom tempo. Devagar vão soltando os braços. Ficaram colados de frente um para o outro se olhando incansavelmente. E se olharam lacrimejando, lembrando dos primeiros beijos desse amor original. Os beijos são infinitos...
Pouca conversa e muitos abraços e beijos. Depois resolveram sentar num banco da praça. Conversaram muito sobre tudo rememorando o que fizeram desde quando se conheceram e tiveram o primeiro beijo inesquecível.
João estava de moto e convidou Maria para um passeio a beira mar. Maria ficou temerosa por andar numa moto, mas João encorajou com ar de segurança. Resolveram e partiram.
Passeando pela areia da praia de Iracema, Maria começou a fazer um monte de perguntas. João respondia todas com classe de poeta. Por falar em poeta, Maria sabia que João escrevia muitas poesias. E ela tinha guardado um caderninho com as poesias que João escrevera dedicado ao amor dos dois.
Andando pela areia molhada da praia, sobre as espumas flutuantes, lembrando das poesias de Castro Alves e de Vinicius de Moraes, os dois contemplavam em silêncio amoroso a imensidão do mar, como Afrodite e Eros.
Depois, sentados numa pedra da praia, se entreolharam, beijaram e se abraçaram.
O tempo passava e já era o pôr do sol, despedindo daquele encontro apaixonante que entregava o dia para a lua entre as estrelas.
Antes de partirem para seus destinos, João teve que revelar sua realidade. Maria desconfiou do segredo que parecia querer não saber. Mas a aliança no dedo de João já explicava o significado. Sem muitas explicações, quando pensava em dizer algo.... Maria logo perguntou se ele era casado. A afirmativa de João foi dita em poucas palavras. João disse também que não vivia feliz a vida que tinha. Que há muito tempo queria sair dessa vida. E agora, vendo o seu primeiro e grande amor da sua vida, deixaria tudo para ficar juntos. Maria disse que não queria atrapalhar a vida dele. Foi uma uma conversa diferenciada de quando começaram com abraços e beijos. Mas, é assim mesmo a natureza da vida. João pensava em se encontrar mais vezes com Maria. A ideia parecia ser recíproca. Porém, João não tinha a liberdade que Maria queria sentir ao lado dele. Assim, Maria resolveu deixar como está e combinou com João continuar vivendo um dia de cada vez.
- O EX-SEMINARISTA
1996
Outro dia desses da vida, numa praça de Fortaleza, mas precisamente, na Praça do Ferreira, cartão postal da cidade da luz, encontrei um amigo ex-seminarista, colega do Ensino Fundamental do Seminário Seráfico Nossa Senhora do Brasil, lá de Messejana, do tempo entre 1976 a 1981. Fazia alguns anos que não tinha notícias do tempo de seminário. O nome dele é Maurício e a gente tinha contato esporádico pelas redes sociais. No instante de um aperto de mãos e poucas palavras, Maurício me chamou para auxiliar num evento que poderia reunir os outros colegas de seminário. Concordei e pensei ser uma ideia surpreendente. Trocamos algumas palavras e nos despedimos.
Repensei na ideia do reencontro com os colegas de seminário, mas pressenti uma fala solta de ambas as partes. Saí andando pela Rua Guilherme Rocha perdido na zoada dos camelôs. Maurício também saiu em direção oposta e se perdeu no meio da multidão. Nossa saída parecia o oposto do que conversamos sobre um reencontro de amigos. Se queríamos nos aproximar, então, deveríamos combinar um contato com mais calma e tentar uma busca virtual para encontrar outros companheiros do tempo de seminário. Percebi um distanciamento em nosso colóquio. Mas a amizade estava presente no instante de aperto de mãos. Fora isso, continuei andando e vendo que as pessoas estavam atropelando umas às outras, entre os camelôs e um amontoado de transeuntes consumistas, entre esses, estávamos nós, eu e o Maurício.
O cruzamento entre as pessoas no corre-corre do consumismo da vida, as exigências do trabalho, as propagandas de incentivo às compras, conduzem a sociedade para um funil capitalista e individualista. O progresso econômico do mundo não corresponde com o desenvolvimento humano. Deveria ter uma relação mútua, mas não tem. É um fato constatado em cada expressão entre as pessoas que andam passando umas pelas outras, sem quase nenhum sentimento de solidariedade, ou pretensão de parar para repensar este estilo de vida fechado. Este engessamento antagônico, de intolerância e sem compaixão com a vida no mundo, precisa ser compreendido e transformado numa sociedade fraterna. As abordagens que fazemos nas praças da cidade quando deparamos com um velho amigo, faz a gente repensar este modo letal de relação humana. As amizades feitas no tempo de Ensino Fundamental, muitas vezes, são desconstruídas e apagadas na obscuridade da correria consumista. As consequências desta estrutura social capitalista são ansiedade, depressão, estresse e até o suicídio.
Reparando a cena inicial aqui contada de dois ex-seminaristas que aprenderam a fé com a vida, fico a pensar no restante da sociedade. Muitos repetem o jargão: "cada um faz a sua parte”. Mas cada parte faz parte de um todo. Neste sentido, retorno às atitudes de um simples aperto de mãos. Este é um ato social e carrega todo um contexto transformador para uma convivência fraterna. Neste gesto é possível encontrar o poder de uma contribuição para a boa convivência.
Diante de uma situação social simples e politicamente complexa, ainda encontramos a falta de prioridade para a sustentabilidade das relações coletivas mais humanizantes. Ficamos escondidos no meio da multidão, como camelôs querendo ganhar o bendito pão de cada dia.
– O CAMPONÊS
2000
- Corram! Corram! Venha por aqui! Gritou um camponês barbudo com uma foice sobre os ombros. Era um homem alto e magro que cuidava das terras de seus avós já falecidos, situado no sertão cearense. A situação era de perigo. O lugar estava dominado por latifundiários exploradores. No momento ocorria a cena de perseguição de mandantes dos proprietários rurais contra meia dúzia de homens que foram socorridos pelo camponês. Era final de tarde.
Os homens acudidos na casa do rústico sertanejo conversaram até altas horas. Parecia até que o camponês se sentia chamado a fazer o socorro que fez. Entre eles havia algo empático. Os perseguidores já haviam ameaçado o camponês e viviam intimidando sob as ordens dos latifundiários.
Passaram a noite escondidos na casa do camponês. Foi uma noite de muitas histórias. O camponês propôs um plano de no dia seguinte fazer uma jornada rumo ao centro do sertão, onde se encontrava um grupo organizador de um movimento em defesa da terra e dos camponeses. Todos concordaram e de manhã cedo partiram.
Quando chegaram ao grupo de defesa camponesa, depararam com outros desafios. O local tinha sido invadido e destruído. A jornada não seria em vão. O camponês passou a mão na barba, pensou e disse:
- Vamos reunir toda a comunidade e decidirmos juntos o que fazer.
O grupo acatou a ideia do camponês e fizeram uma grande assembleia. A decisão resultou numa marcha em direção a casa grande do chefe dos latifundiários. Fizeram um grande círculo em torno do casarão. Alguns pensaram em fugir, mas foram encorajados pelo velho camponês. Fizeram o combinado. Cada um estava com suas ferramentas de trabalho na mão e gritavam palavras de ordem em defesa da vida. Assim passaram umas duas horas.
Um fazendeiro gordo com chapéu de couro saiu de dentro do casarão com mais dois capangas armados. Houve uma expectativa. O grupo ao redor da casa ficou em silêncio. Depois de um tempo, o fazendeiro pediu para que dois representantes dos camponeses entrassem na casa para uma conversa. Assim foi feito. Na conversa falaram sobre a posse da terra, herança familiar, roubos e mortes. Por alguns momentos ocorreram discussões severas uns contra os outros.
Após uma longa e cansativa conversa, o grupo de fora já não aguentava com tanta ansiedade, diante de um problema tão sério que é a luta pela terra. Deste lado estavam os aliados com a ousadia do camponês que propôs uma marcha para confrontar os latifundiários. Do lado de dentro da casa grande estava a representação de um sistema opressor. O medo era aparente frente as armas dos capangas. Apesar de tudo, e de um acordo obscuro entre as partes, pode-se dizer que houve um ganho muito sutil por um lado da questão toda. Mesmo assim, o grupo saiu andando de volta às suas casas, contudo, sabendo que a qualquer hora, podiam retomar a luta em um novo desfecho.
- O INVESTIGADOR
2010
Havia um homem de nome Abílio, formado em psicologia e direito, que trabalhava na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para apurar as informações que aconteciam pelo país em todos os estados e era conhecido como o investigador. Este agente foi chamado urgente para investigar as manifestações que vinham ocorrendo nos estados do Nordeste e que eram suspeitas de ameaças à segurança nacional, assim era compreendido. O espião tinha em mãos um projeto secreto do governo que tratava de análise de informações que pertenciam ao poder judiciário e foram fornecidas por outros parceiros do local onde deveria ser investigado. Assim, o investigador partiu para a sua missão secreta e ficou na espreita, como uma fera hábil e sutil, e depois, deveria entregar à Agência de Inteligência, as confidências da política dos estados frente às manifestações populares.
A jornada do investigador começou logo com a ajuda de um aposentado do Gabinete de Segurança do presidente da República. Este passou uma lista com informações secretas acerca dos movimentos sindicais, era um envelope em que estava escrito "Operação Motus” ou Operação Movimento. O investigador perguntou do que se tratava. Ao saber que era confidencial, pensou nos perigos que iria enfrentar e, se por acaso recusasse a missão, poderia ser rebaixado. Não hesitou em seguir adiante, afinal, era o seu trabalho.
Logo no começo da investigação, Abílio descobriu vários volumes de documentos sobre desaparecimentos e mortes de trabalhadores que não eram do conhecimento da população. Ao tentar saber mais detalhes sobre o assunto, deparou com o segurança desses dossiês que tinha ordens diretas para ninguém ter acesso. O segurança era envolvido com crimes que iriam comprometer a sua vida e a da polícia.
O investigador decidiu seguir por outra estratégia. Procurou falar com alguns velhos amigos do setor de investigação confidencial e encontrou uma ajuda de um colega detetive que tinha influência política com muitas autoridades.
Depois de vasculhar a vida de meio mundo de gente, o investigador descobriu com o apoio da influência política do detetive, que a maioria das pessoas do departamento de investigação policial estava envolvida com corrupção, suborno e tráfico de drogas. As manifestações sindicais que eram alvos para o governo desarticular ficaram em segundo plano, mas não foram esquecidas.
O fato do investigador esmiuçar o departamento policial e constatar um bloco de crimes, fez com que conduzisse até a Agência de Inteligência as informações transgressoras. A denúncia chegou aos ouvidos dos corruptos, e por causa disso revidaram destruindo o apartamento de Abílio.
O trabalho do investigador não é diferente dos afazeres dos policiais. Contudo, havia um impasse. Era preciso separar o trigo do joio e fazer uma reparação diante de pessoas públicas e poderosas. Muitos se escondem por trás das fardas e prejudicam o convívio social. A vida poderia ser bem melhor. Tudo isso era pensado por Abílio. Diante desta reflexão, e por ameaças de corruptos, a decisão de Abílio foi retornar para a Agência de Inteligência e resolver seu trabalho numa situação aparentemente normal, continuando com suas atividades triviais.
– O DOM DE DOWN
2012
Down, tu és um vencedor! Bradou aquela voz interior. Tua mãe parecia escutar e entender o que tu sentias. Teu mundo, só tu sabes o que sente. E a voz se fez carne e começou a conviver com o mundo que é de todos. E dizia assim: Tu partirás amanhã bem cedo. Estudarás muito. Deixarás teus pais e seguirás o teu caminho.
Um dia tu deixaste os brinquedos e o tablet jogados pelo chão para fazer o que é próprio da tua missão. É, por que cada um tem uma missão aqui na terra, não é verdade?
Depois de algum tempo de estudo na escola, tu sabes, o casal de amigos autistas, Autran e Aury, te repassaram uma incumbência sobre um acordo entre os três para ser cumprido enquanto viverem. Qual era esse acordo? Tudo estava escrito numa carta feita e com a assinatura dos três. O propósito deste acordo consistia numa campanha em defesa do respeito pela diversidade entre as pessoas. Deixaste aquela carta guardada numa gaveta da estante do teu quarto. Esta era uma realidade que te consumia por saber dos poucos amigos que a ti se aproximavam. Precisava de ajuda para ampliar o pacto do teu acordo. A voz do teu silêncio gritava entre as vozes externas da família e do resto do mundo.
Tu começas a procurar a superar teu próprio desafio, quando tentas em pensamento, recusar tudo o que escutas deixando as pessoas dizendo o que pensam de ti. Entretanto, teus amigos autistas, entre outros, não te repreendem por ter o dom de Down.
O mundo é um abismo de testes a enfrentar até por uma simples campanha de respeito entre as pessoas por suas diferenças. O normal já era ignorado. Apesar de tudo, tu estavas sempre com teus amigos e estes nunca deixaram de te apoiar. Mesmo tendo alguns medos, e isso é normal, tua crença era maior diante da travessia que passavas. Teu discernimento era superior para distinguir o que fazer e superar, entre aqueles da escola ou aqueles que te viam pelas ruas por onde andavas e te rejeitavam. Tu sabias bem exatamente o que devias fazer. A campanha acontecia na estampa de teu rosto, na tua blusa e nos teus gestos de solidariedade, de cooperação e cuidado. Olhas ao teu redor e suspiras. Tu és uma pessoa que humaniza. Estás a falar para o mundo da inclusão da unidade na diversidade. Tu compartilhas amor, paz e felicidade.
Depois de algum tempo, tu preparaste uma ação na escola e nas ruas de tua vizinhança. Criaste a partir da campanha escrita na carta, um movimento já conhecido chamado de um quilo de amor, junto com teus amigos e envolvendo a participação das famílias do bairro. O movimento consistia em arrecadar um quilo de alimento para fazer cestas para serem doadas às famílias mais carentes. O fato serviu de reconhecimento para ti e para teus amigos autistas, entre outros.
Teu dom trouxe de volta a autoestima e te fez retornar ao princípio da missão que está escrita no teu coração. Embora as perseguições na escola e nas ruas sobre o teu jeito de ser bem humano, não modificaram a tua essência, mas causaram em ti uma maneira introspectiva, ensimesmado e casmurro. Por outro lado, fizeste um retorno olhando no retrovisor da história, dando volta por cima, quando criaste com teus amigos, um movimento em favor das famílias desprovidas. Para elas parecia um começo de uma nova vida. E para ti uma renovação em tudo que resolveste fazer.
Diante de tuas decisões, uma era preciso saber e continuar ativa, a missão de viver e conviver reconstruindo cada dia, tuas ações como um processo de transformação, onde as pessoas pudessem compartilhar no mundo cada vez mais o amor.
(O Dia Internacional e
Nacional da Síndrome de Down é celebrado em 21 de março. A data tem o objetivo
de conscientizar e de quebrar o estigma social a respeito da síndrome. A Organização das
Nações Unidas (ONU) reconhece a data desde 2012).
– ENTRE PROFESSORES E ALUNOS
2020
Em tempo de pandemia por um coranavírus denominado de Covid-19, nos anos de 2020 e 2021, encontrei um desafio na arte de ensinar. Era preciso entender a novidade da situação mundial onde havia mais de três milhões de mortes por esta doença. No Brasil, já contava em torno de 600 mil mortes. Governar uma nação neste contexto, precisa ter uma força tarefa coletiva nacional e internacional em nome da ciência. É neste ambiente que encontramos professores e alunos estudando uma nova forma de viver, apesar das mortes e da falta de dedicação de muitos governos.
De repente, a vida muda com a morte. É assim, inesperado. Meu trabalho foi todo transportado para dentro de casa. Aliás, de todo mundo. Eram decretos e mais decretos sobre como viver diante de uma calamidade. A frase mais usada era “fica em casa”.
O meu serviço acontece nas escolas públicas. Assim atendia ao meu chamado diário de compartilhar entre alunos o ensino-aprendizagem. Não é tão difícil de entender este mundo comum. A transição que passou a atormentar muita gente, começou quando não podíamos mais sair de casa. Tudo era on-line. Qualquer compra ou negociação possível era de forma remota. Era o que se chamava de distanciamento social. Prefiro dizer distanciamento físico. Não somos antissociáveis. O ser humano se torna social. Apesar dos crimes...
O desafio de conviver com a pandemia provocava ansiedade e depressão, além das questões econômicas que já afetavam a sociedade. Na verdade, tudo era afetado nesse cenário obituário. Como professor, descobri um mundo virtual com os alunos. A porta da escola era um portal pelo celular ou notebook. Esse era o novo contato entre professores e alunos.
As avaliações passavam pelo crivo de conviver também com as doenças e até com as ideologias díspares que causavam bloqueio entre familiares nas redes sociais. Aliados que pareciam ser, ficaram inimigos de fato. Neste processo todo de duro trabalho on-line, muitas foram as transformações: tornei-me um assistente digital para com os alunos, fiz chamada de vídeo, preenchi plataformas de planejamento das aulas, os alunos usaram chips que a prefeitura distribuiu tardiamente e muitos não funcionaram, transmiti aulas pelo Google Meet, vivia ilhando o tempo todo os grupos de WhatsApp dos alunos e das escolas... cansei a vista. A vida cansou.
Era outro paradigma que se formava no processo de viver a vida como um todo, diante das crises obscuras das mortes por Covid, além de outras causas. Como reparar tudo isso? Uma parte da resposta segue no parágrafo seguinte.
A luta pela vida se engaja no cotidiano. Era um calor de outubro, quando estávamos às 4h da manhã no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, com professoras e professores na luta em favor dos serviços públicos, pressionando os deputados cearenses que se dirigiam para Brasília, tratar da votação da reforma administrativa. Enquanto isso, entoávamos palavras de ordens como: “Fora Bolsonaro!”; “Reforma não! Saúde, educação!”. Depois disso, seguimos para as salas de aulas para continuar na luta da “educação como prática da liberdade”.
- O PAJÉ
.
Em
nosso mudo cibernético ainda temos pajés. É nesse campo que esta narrativa
acontece. Neste ano de 2020, a força que move a natureza fez algo diferente e
modificou a vida de todos, obrigando a viver com máscara como arma que combate
um vírus mortal de uma pandemia.
Em
plena festa de carnaval no Rio de Janeiro, os carros alegóricos e foliões
desfilavam pela avenida aglomerada. No meio do asfalto houve uma explosão e um
palhaço caiu do alto de um trio elétrico sobre o chão. Todos que estavam por
perto correram e formaram um círculo fechado em torno do palhaço caído. Porém,
havia um pajé todo pintado com um cocar e um cachimbo segurando um maracá.
Aproximou-se do palhaço e começou a fazer um ritual defumando e balançando o
chocalho. Em seguida virou-se e saiu do meio da multidão perdendo-se de vista.
O palhaço ficou de pé e saiu à procura do pajé.
Depois
de alguns meses de buscas, o palhaço descobriu numa tribo do nordeste
brasileiro, uma aldeia onde vivia o pajé que o salvou daquela queda na festa de
carnaval. O encontro foi surpreendente. O palhaço e o pajé conversaram por
longas horas. Já no fim da tarde, antes do por do sol, o palhaço partiu, mas
deixou uma mensagem de viagem para o pajé.
No
dia seguinte, logo de manhã cedo, o pajé pegou seu cocar, o cachimbo e o maracá
e todo pintado seguiu numa vereda que dava acesso a uma caverna. Era o começo
da mensagem entre o pajé e o palhaço. O percurso pela caverna fazia a transição
para o destino do pajé. O caminho levava direto para uma gruta onde se ouvia de
um oráculo os conselhos e ajudas para as viagens. O pajé passou por uma
cachoeira como se fosse um portal que fazia atravessar para o seu destino. Como
disse, uma força movia o pajé.
Ao
passar pela cachoeira o pajé tinha que usar uma máscara que encontrou embalada
em saco plástico. Nela estava escrito "símbolo de superação". Era um ícone com um sentido de transformação. O mesmo recusou usar porque cobria a sua pintura no rosto.
Foi como um teste. Mas resolveu usar a máscara. Logo que colocou a máscara
apareceu um desafio. Uma luz focava sobre o seu corpo. Era um holofote sobre um
caminhão. Dentro desse caminhão havia pessoas infectadas pelo vírus mortal. Antes
de o pajé seguir para o caminhão, sentiu medo pela grande quantidade de
enfermos. Havia um abismo cultural entre as duas realidades. Foi uma provação
para o pajé. Além disso, já tinha muitas pessoas mortas pelo chão. A morte
podia ser também o destino do pajé.
Por
alguns instantes o pajé ficou pensativo e relutou em seu pensamento até começar
um ritual de renascimento. O pajé deitou, abraçou a terra e se ergueu. A luz do
sol já clareava sobre todos e assim restaurava o fôlego da natureza. Era a
recompensa para empoderar a vida. O pajé fez a defumação e como magia do rito
sobre os enfermos do vírus, muitos conseguiram sobreviver.
Na
aldeia já de volta o pajé foi criticado e perseguido por arriscar a tribo com
um vírus mortal. Mas o seu retorno trazia uma nova vida.